Capítulo I

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Em meio ao banquete digno de um verdadeiro glutão, Ofélia comia frutas e bebia leite com mel. Sua mão direita segurava o garfo com uma coleção de dedos incompleta. Dois terços do anelar estavam ausentes, mas ela mal se lembrava deles. Babete dizia que isso significava que ela nunca iria se casar.

— Sem dedo, sem anel.

— Se tivesse me dito isso antes, eu mesma o teria amputado.

Babete sempre ria quando ela dizia isso, mas Babete não estava ali. Ofélia e seu pai, o Conselheiro Real, dividiam a mesa com os membros da Corte Superior: a Família Real, com a Rainha, o Rei Consorte e seus dois filhos, Padma e Pavel; o Supremo Juiz, sua esposa e sua única filha, Merida, e a General, seu marido e seus três filhos, Valerian, Vasili e Viviane. Alguns Duques também estavam presentes, mas nem sempre eram os mesmos. Precisavam se submeter a um complexo sistema de revezamento que ficava à mercê dos interesses e temperamentos da Rainha Mab. Os que eram chamados sempre ou com muita frequência costumavam se portar com temperança, bajulavam de forma comedida e adequada, se mostravam confiantes, quase confortáveis. Já os que recebiam menos convites chegavam nervosos, falantes ou calados demais, muitas vezes atrapalhados. Certa vez, um deles derrubara uma molheira com calda de romã no colo da General. Na hora, ela lhe concedeu um sorriso curto e o afastara com um abanar de mãos, mas Ofélia viu os olhos do homem se arregalarem como se tivesse recebido uma sentença de morte.

Em geral, as refeições eram calmas, pontuadas por discussões breves e mornas sobre política, medidas de contenção ou corte de gastos. Burocracia pura. Ofélia, porém, não se aborrecia com nenhum desses assuntos. Ouvia tudo com bastante atenção, notando o tom de voz e os olhares, e muitas vezes relatava impressões ao seu pai. O papel de espiã servia bem nela.

Mas uma coisa a incomodava: o modo como a escrutinavam, a intensidade, a falta de discrição. Ela sentia todos os olhares como se estivessem ali, por baixo de sua saia, respirando em sua nuca, espiando sobre os seus ombros. Próximos o suficiente para tocá-la, para sentir seu cheiro, para agarrá-la pela cintura, mas sempre imóveis como estátuas de cera. O que pensavam dela? Podia imaginar algumas coisas, mas não tudo. Louca era sempre o seu palpite.

As frutas acabaram. Ela terminou de beber o leite e limpou as extremidades da boca com uma mão, dando uma piscadela para Pavel, o príncipe. Ela sorriu sabendo que cochichariam sobre isso depois.

Deu uma olhada ao redor. Merida, sua amiga mais próxima, devorava ovos de faisão e toucinho com uma fileira afiada de dentes. Era perturbador o modo como ela comia animais em todas as refeições.

Valerian, o primogênito da General, mastigava bagas, apertando com força os molares e tensionando a mandíbula imponente. Olhava apenas para o seu prato, parecendo concentrado em alguma coisa que nenhuma outra pessoa poderia ver. Sua irmã e seu irmão conservavam o mesmo olhar injetado que havia puxado da mãe.

Celeste, a filha da Duquesa de Capella, considerada a melhor astróloga do Reino, degustava com calma um manjar branco de ameixas. As duas eram uma das únicas convidadas que não se desesperavam pela atenção da Rainha. Sabiam de sua importância na Corte e se sentiam seguras de suas posições.

Disfarçadamente, observava todos os presentes. Conversavam com animação, uma atmosfera de euforia havia se instalado entre eles.

O castelo estava barulhento. O Solstício de Inverno ocorreria na próxima semana e uma festa de cinco dias — o chamado Festival da Lua, que quase sempre se estendia — estava sendo preparada. O Solstício começaria oficialmente ao cair do crepúsculo, no terceiro dia de comemoração. Era o evento do ano para o Reino, todos os habitantes esperavam ansiosamente pelo dia de espalhar madressilvas nas entradas de suas casas, perfumando as ruas com uma fragrância doce e amadeirada.

Ofélia: a Prisioneira dos SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora