Ofélia percebeu que Merida realmente se assustara quando a amiga fez questão de acompanhá-la até o quarto de Cassandra, sua inimiga mortal. Por uma doce coincidência, a Duquesinha — como era chamada por aqueles que não a estimavam tanto — não estava. Ficou surpresa quando não ouviu um comentário ácido por parte de Ida, que se encontrava extática, fitando um ponto atrás do ombro do guarda que se dirigia a elas.
É claro que as duas juntas tinham autoridade suficiente para entrar no quarto. Afinal, eram parte da Corte Superior. Mesmo assim, Ofélia girou a maçaneta em formato de rosa hesitante, temendo perturbar a ordem daquele ambiente privado.
O quarto era escuro, bordô; tudo ali se dissolvia em vermelho. Viam-se peônias, cravos, begônias, ranúnculos e, é claro, rosas, espalhadas por todos os cantos, florescendo pelos móveis e exalando perfume carmesim. Era, para dizer o mínimo, voluptuoso. Não era difícil imaginar Cassandra ali, rodeada por uma dúzia de amantes, seminua e despojada, brincando com o espinho de uma flor. Ao espetar a ponta do indicador, uma boca sôfrega se ofereceria prontamente para lamber o sangue que pingava daquela cor tão, tão ardente e brilhante. Em noites insones, acenderia ali velas e incensos, que entorpeceriam qualquer um com a fumaça aromática. Ofélia piscou, percebendo-se subitamente embriagada.
— Vulgaridade. Vulgaridade pura.
O quarto, aparentemente, surtira um efeito repulsivo em Merida, que despertou de sua catatonia. Ofélia se viu forçada a concordar com a amiga, desconcertada com a fertilidade dos próprios pensamentos.
— Estou enojada, preciso sair daqui. Deixe o convite e vamos embora.
Deu meia volta e retirou-se do quarto sem esperá-la. Ofélia não se importou. Deixou o envelope em cima de uma cômoda e iniciou a dar voltas pelo ambiente, extasiada com todos os detalhes escondidos pelas tapeçarias e lenços, que retratavam cenas de devoção e mortes passionais. Os divãs eram largos e almofadas de todos os tamanhos espalhavam-se pelo chão, convidativas. Havia um sofá de dois lugares embutido na parede, embaixo de uma grande janela. Avançou até os fundos, passando por biombos e espelhos, e descobriu a cama. Sentiu o mesmo arrepio que percorria sua coluna todas as vezes que via de perto a Coroa de Mab. O leito ficava numa alcova, abrigado por uma reentrância na parede, e acortinado por dosséis de cor borgonha. Ela os afastou, movida pela curiosidade, e descobriu dois pequenos poços rasos adjacentes à cama, com assentos circulares recobertos por travesseiros e mais almofadas, onde se encontravam arguiles, incensos e bandejas repletas de outras substâncias.
— É fácil se perder aqui dentro.
Ofélia virou-se num ímpeto, deparando-se com a rainha de todo aquele império luxurioso. Cassandra sorria para ela, esguia num vestido cor de fogo, tão esvoaçante que parecia flamejar aos seus pés. Sua pele marrom reluzia com a cobertura de óleos corporais e o vislumbre de um ombro se revelou para ela, delineado por uma densa trança cor de carvão.
— Acho que sua amiga não gostou de me ver.
O comentário malicioso acendeu os olhos de Ofélia. Havia interagido poucas vezes com Cassandra e só agora percebia que tratá-la como uma bajuladora oportunista era um erro. Ela carregava consigo um sarcasmo perspicaz, um charme esperto e cativante. Era alguém que, onde quer que passasse, despertaria as mais diversas e intensas emoções.
— O gato comeu a sua língua? Ou eu te deixei sem palavras?
Ofélia deu um sorriso de canto, buscando recobrar a postura firme de sempre, e tocou o colar de safiras verdes em seu pescoço.
— Deixei algo importante em cima da cômoda. Me desculpe por invadir o seu quarto — disse, e caminhou de queixo erguido até a porta, evitando demonstrar qualquer sinal de embaraço.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ofélia: a Prisioneira dos Sonhos
FantasyOfélia é uma figura chamativa no Reino Fae. Seu pai é o Conselheiro Real, seus amigos colecionam os títulos de maior de importância da Corte e sua correspondência vive repleta de convites para festas, bailes e saraus. Todos a querem ter por perto pa...