Morfeu esmurrava a mesa, demandando respostas. Ofélia olhava o pai com um misto de medo, raiva e nojo, tentando permanecer impassível enquanto era atingida com insultos e gritos. O gabinete do pai era amplo e escuro, repleto de documentos e tratados confidenciais. Ali dentro, as luzes não ousavam brilhar demais.
— O que está acontecendo com você, hein? Quer chamar atenção? Saindo correndo por aí como uma criança rebelde, passando a noite fora, voltando sem dar explicações.
Ofélia se manteve quieta, sentindo o latejar quente na perna. Ao despontar da aurora, havia entrado escondida no quarto de Babete, que ficava em uma das Alas Inferiores, se banhado e colocado o vestido do dia anterior. Sua aia já estava ciente de seu sumiço e a recebera com ares de alívio e preocupação.
— O que houve com você, querida? De quem são essas roupas? — Ela olhou para baixo e seu rosto empalideceu. — Sua perna...
— Babete, não posso te dizer o que houve. Se descobrirem que estive aqui, podem ameaçá-la.
— Oh, céus. — Levou as mãos à cabeça num suspiro nervoso. — Ah, garota, você ainda vai me matar com as suas confusões.
— Durma, Babete.
A princípio, riu do comando de Ofélia, mas logo começou a bocejar e a esfregar os olhos. Demorou pouco tempo até que se sentasse na cama e, em seguida, desabasse no travesseiro. Ela murmurou, com um pesar dilacerante, "Me desculpe, Babete" e continuou a se vestir. Ao sair, percorreu ala da criadagem e subiu a rampa que dava para os andares superiores silenciosa como um rato, mas, ao chegar perto da cozinha, foi logo interceptada por um dos guardas pessoais de seu pai e levada para os seus aposentos.
Ela mal piscou quando o pai atirou um peso de papel em sua direção, errando por poucos centímetros. Era engraçado — para não dizer hipócrita — o modo como ele era absolutamente intolerante com escândalos feitos pela Corte, mas constantemente os iniciava quando estavam entre quatro paredes.
— Eu sou o seu pai, você está sob minhas ordens. Sou respeitado pela própria rainha e você não passa de uma garota inconsequente perto dela. Conheça o seu lugar.
Desprezando-o, olhou de relance para a larga mesa na frente da qual estava sentada e viu o que parecia ser uma lista repleta de nomes. Semicerrou as pálpebras, tentando ler o que estava escrito. Reconheceu primeiro o sobrenome, repetido cinco vezes em sequência, e depois o nome, que já lhe era bem familiar.
Klaus Van Doren.
Seu coração se acelerou. A lista estava inacabada, pois seu pai estava trabalhando nela quando ela entrara no escritório, causando aquele rompante. Sem querer esperar por um momento mais adequado, interrompeu-o:
— Problemas com os Van Doren?
Morfeu mordeu a língua, aderindo a um súbito silêncio. Não gostava nem um pouco de ser colocado contra a parede.
— Posso ajudá-lo.
O silêncio, de alguma forma, tornou-se mais pesado que todos os gritos antes proferidos. Ali estava a verdadeira natureza da relação entre pai e filha: um mero jogo de interesses, um acordo burocrático. Me ajude e te ajudarei. Faça o que quiser, mas não manche seu sobrenome.
Seu rosto adquiriu uma expressão grave, contemplativa. Provavelmente procurava brechas em sua oferta, palavras e omissões sub-reptícias, porque as coisas eram assim em Fae. O sangue valia quando era conveniente e deixava de valer assim que se tornava um empecilho.
— O que quer em troca?
Ofélia estreitou os olhos e levantou levemente o lábio superior ao responder:
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Ofélia: a Prisioneira dos Sonhos
FantasyOfélia é uma figura chamativa no Reino Fae. Seu pai é o Conselheiro Real, seus amigos colecionam os títulos de maior de importância da Corte e sua correspondência vive repleta de convites para festas, bailes e saraus. Todos a querem ter por perto pa...