Pensou que estivesse sonhando. Despertou em uma cama muito estreita, esculpida como um berço em uma espécie de alcova. Virou o rosto para o lado da parede, cuja textura lembrava o interior do tronco de uma árvore. Não apenas lembrava, ela percebeu ao tocá-la. Era, de fato, uma árvore.
Ergueu-se de súbito, sentindo vertigens. As cenas que vivenciara no lago relampejaram em sua memória. A dor que sentiu ao mover as pernas também serviu como lembrança. Olhou para baixo e viu a coxa esquerda enfaixada, com uma mancha de sangue maculando a brancura das ataduras. Percebeu, também, em seguida, que vestia roupas que não a pertenciam: uma longa camisa branca e um casaco de couro e lã.
Afastou agressivamente o pequeno dossel que mais parecia uma cortina e olhou para baixo. Uma escada descia da cama-berço suspensa, de onde podia se entrever uma cozinha, até o chão. Impulsivamente, tentou alcançar o primeiro degrau, mas uma dor lancinantemente irradiou de sua perna, fazendo-a soltar um xingamento involuntário.
— Está acordada? — Uma voz feminina, baixa e grave, subiu até ela. Notou que, naquela estranha casa, a acústica ampliava qualquer mínimo ruído.
Não respondeu, xingando de novo, mas dessa vez mentalmente. Planejava descer sorrateiramente e abordar sua salvadora de surpresa, talvez assim tivesse alguma vantagem se precisasse fugir. Porém seu ferimento a imobilizara e com certeza não conseguiria sair dali sem ajuda.
— Ofélia?
Ela entrou em seu campo de visão; o rosto virado para cima numa expressão compenetrada. Ofélia fixou-se nos seus olhos escuros, nas sobrancelhas marcadas, na pele queimada de sol. Tinha os cabelos castanhos, cortados na altura da nuca, ainda molhados. Vestia uma camisa como a sua e calças de couro de um marrom-escuro. Usava botas, mesmo dentro de casa, e levava um pano surrado pendurado em um dos ombros. Uma faca de cabo grosso reluzia em sua mão direita. Notando seu olhar assustado, baixou o queixo, parecendo encabulada.
— Estou cortando legumes.
Aparentemente desistindo de tentar engatar uma conversa, virou-se e começou a ir em direção à cozinha. Ofélia a fez parar com apenas uma pergunta:
— Como sabe meu nome?
A salvadora deu um meio sorriso ao responder:
— Todos em Fae sabem seu nome.
Ouvir aquilo causou um desconforto em Ofélia. Ela se mexeu na cama e sufocou um gemido ao mover a perna de leve. Seu corpo inteiro doía por causa do esforço que havia feito; estava exaurida. Franzindo o cenho, perguntou:
— E qual é o seu?
— Astrid.
Uma chaleira chiou no fogo e ela rompeu o contato visual para ir checá-la. Ofélia aproveitou o momento para dar uma olhada ao redor: na altura de sua testa, havia uma janela redonda na parede oposta — se é que poderia chamá-la assim. Uma luminária que mais parecia um móbile girava pendurada no teto estreitíssimo. Aquele chalé-árvore tinha uma arquitetura esquisita, mas aconchegante. O chão era a parte mais larga e as paredes-tronco iam se estreitando até chegar a um teto com poucos centímetros de diâmetro. Reparou, perplexa, que não estava com medo. A ideia de fugir dali havia se tornado um mero esboço já apagado.
Avaliou a distância que precisaria descer até o chão, calculou pouco mais de dois metros. Mais por orgulho que por qualquer outra coisa, enfrentou a dor intensa nos membros e se mexeu na cama-berço, procurando com os pés o primeiro degrau. Tentou descer de frente, utilizando as costas como apoio, mas logo percebeu que a escada era estreita demais.
— Astrid...? — chamou, a voz hesitante com um misto de embaraço e tensão. Ela reapareceu depressa e riu ao vê-la presa no topo da escada como um gato numa árvore.
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Ofélia: a Prisioneira dos Sonhos
FantasyOfélia é uma figura chamativa no Reino Fae. Seu pai é o Conselheiro Real, seus amigos colecionam os títulos de maior de importância da Corte e sua correspondência vive repleta de convites para festas, bailes e saraus. Todos a querem ter por perto pa...