Capítulo VIII

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Os dias se passaram turbulentos até a chegada da cerimônia abertura do Festival da Lua. Ao cair da tarde, Ofélia estava sentada em seu assento, o último da fileira ocupada pela Família Real e seu pai, esperando o início do discurso da Rainha Mab. Usava um vestido púrpura bufante que realçava o verde-eucalipto de seus olhos, cuidadosamente delineados com nanquim. Enfeites prateados triangulares adornavam as pontas agudas de suas orelhas, presos a brincos por delicadas correntes. Estava inegavelmente bela, mas uma névoa fria anuviava o seu rosto.

O espaço vazio ao seu lado era um abismo. Há oito anos, Soranna, sua mãe não se sentava perto dela nem acariciava seus dedos quando o sono ameaçava levá-la durante cerimônias enfadonhas desse tipo. Há dois, Ofélia não chutava os pés de Orfeu, seu irmão mais novo, por baixo do vestido.

Em pouco tempo, Orfeu completaria quinze anos. Aos doze, Morfeu o internara na Academia das Agulhas Negras, exclusiva para bruxos, feiticeiros e magos. Enquanto ela herdara os traços e dons feéricos da mãe, seu irmão, assim como o pai, puxara a linhagem dos Ofiúcos, ou Serpentários. Um clã antigo, raro e poderoso.

Eram considerados serpentários todos aqueles feiticeiros nascidos sob um céu de Ofiúco, uma constelação extensa e misteriosa. Compartilhavam uma aparência semelhante: cabelos escuros, olhos verdes e rosto marcado, além das orelhas redondas, característica de todos os não-feéricos. Eram conhecidos por serem ambiciosos, tanto para o bem, quanto para o mal, ardilosos e eloquentes. Ofélia temia pelas escolhas futuras do irmão, mas acreditava em seu caráter. Acreditava na sua capacidade de se diferenciar de seu pai.

Nas poucas vezes em que o visitara na Academia, percebera mudanças em seu comportamento. Seus olhos estavam sempre injetados, ele andava rígido e, mesmo parado, não abandonava a postura austera, adquiria uma pose específica, com as mãos unidas atrás das costas e os pés simetricamente alinhados. Virara uma mera sombra do menino de antes que passava horas nos jardins do castelo tocando alaúdes, flautas e capturando sapos para depois escondê-los pelo quarto de Ofélia.

Em momentos assim, nos quais sua ausência era sentida, ela se lembrava da noite em que se despediram. Estavam no quarto dele de madrugada, comendo cerejas apenas para evitar conversas tristes. Ofélia, então, revelou o presente que havia trazido. Orfeu abriu a caixa de couro e se deparou com um pequeno flautim de madeira.

— Eu sei que instrumentos musicais são proibidos, mas acho que você poderia levar escondido.

Ela viu seu irmão engolir em seco e pegar delicadamente o objeto. Ele piscava sem parar.

— Obrigado, Ofé.

Não disseram mais nada. Viram-se pouquíssimas vezes desde então.

Ela piscou, afastando as lágrimas e voltando ao presente. A rainha havia se levantado para pronunciar seu breve e poderoso discurso, exercendo uma força quase hipnótica sobre a multidão que os assistia.

— Povo de Fae, alegre-se. Hoje se inicia o tão esperado Festival da Lua, aquele pelo qual ansiamos o ano todo. Divirtam-se, comam e bebam. Celebrem a dádiva que é viver neste reino. O que nos aflige lá fora não vai nos alcançar aqui dentro.

O povo aplaudiu. Ofélia percebeu a dissimulação; a rainha falava sobre a guerra. Não gostou da forma como ela manipulou as palavras. Por mais que as batalhas fossem travadas fora dos limites do reino, os ataques internos pontuais estavam se tornando cada vez mais frequentes. Olhou para o pai, que parecia concentrado em algo distante, e sentiu um calafrio percorrer sua coluna. Conseguia sentir a sombra imponente do castelo se erguendo atrás de suas costas.

O sol caiu no horizonte e o som das trombetas se espalhou pelo ar. Da plataforma, conseguia ver a confusão de corpos no pátio movimentando-se em diferentes direções. Estavam rodeados por barracas de bebidas e iguarias. Artistas e dançarinos performavam danças com labaredas de fogo e correntes de luzes, bandeirolas e flâmulas se estendiam de um lado a outro, lanternas flutuantes iluminavam tudo, fazendo as vezes de estrelas. A atmosfera festiva se estendia por todas as ruas do reino, a música se difundia pelo ar feito brisa e em quase todas as janelas se encontraria uma cesta de doces ou uma garrafa de hidromel. O aroma das madressilvas inebriava os sentidos de todos os habitantes, cujas risadas se elevavam até a torre mais alta do castelo. Viver em Fae parecia ser, de fato, uma dádiva.

Ofélia: a Prisioneira dos SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora