Celeste estava completamente envergonhada. Andava de um lado para o outro, fingindo organizar mapas e instrumentos de estudo. Ofélia ria, tentando amenizar seu constrangimento.
— Ela é bonita. Exerce um poder sobre...
— Vamos ignorar o que viu, tudo bem? Diga por que veio aqui.
— Céus, Celeste. Não seja tão puritana — bufou. Antes de entrar no assunto "Morfeu", resolveu perguntar: — Verei você mais tarde?
— Se eu conseguir terminar a fantasia a tempo...
Ela apontou para um biombo, de onde se entrevia um busto de manequim. Foi até ele e retraiu os painéis, revelando o traje completo: colete e calças marrom-escuros. A princípio, pareciam simples demais, mas Ofélia logo notou a pesada capa de penas que descia até os calcanhares imaginários.
— Uau. Quantas aves deram o último suspiro para que isso fosse feito?
— Nenhuma. Coleciono penas há algum tempo. Essas são de coruja, caíram naturalmente.
— Então, teremos uma coruja?
Celeste assentiu, aproximando-se da escrivaninha. Abriu uma das gavetas laterais, retirando de dentro uma máscara que imitava o rosto de uma coruja-das-torres. As penas brancas cobriam tudo da boca para cima e um bico verdadeiro tapava a ponta de seu nariz.
— Essa precisou morrer.
— Ela já estava morta, Ofélia — retrucou, impaciente. — Certo. Era isso que queria saber? Pode me deixar sozinha agora? Preciso terminar logo isto aqui.
— Vocês feiticeiros são todos nervosos assim? Eu ainda não terminei.
A garota passou a mão pelo rosto e murmurou um pedido de desculpas. Ofélia tranquilizou-a, explicando em seguida o que seu pai havia lhe dito. Não tentou, porém, convencê-la de que seu rompante naquele dia fora apenas um acesso de histeria. Estava cansada de encobrir os erros de Morfeu, cansada de fingir que o estimava como figura paterna. Celeste ouviu quieta e compreensiva, manifestando-se apenas após alguns segundos de silêncio entre as duas.
— Enquanto você estava desacordada, seu pai me perguntou sobre os seus dons. Disse que você tem surtos recorrentes, mas nunca lhe diz nada. Ele acha que está enfraquecida. Perguntou se eu podia preparar algo para aflorá-la.
Ofélia não respondeu. Desde a Batalha de Loss, havia feito esforços extremos para suprimir suas visões. Quando começava a sentir os primeiros sinais — a náusea, a tontura, a vista turva —, concentrava-se em um ponto específico, nomeava diferentes espécies de borboletas, imaginava um ponto branco a sua frente e o expandia até que sua mente não passasse de um vazio leitoso. A força que esse autocontrole lhe demandava era tanta que, frequentemente, desmaiava, vomitava ou tinha enxaquecas tão intensas que mal conseguia abrir os olhos. Mais de uma vez tivera episódios convulsivos, nos quais acordara desorientada, sonolenta e suada. Em nenhum momento desde então seu pai demonstrara alguma preocupação real com seu bem-estar. O que lhe importava era, apenas, o esgotamento de sua fonte de informações preciosas.
Ela havia percebido que, nas mãos de seu pai, suas visões faziam muito mais mal do que bem. E, da última vez que havia se recusado a contar um de seus sonhos, Morfeu a queimara com ferro frio. Como não podia simplesmente mentir, decidiu cegar-se de vez. Celeste, lendo a preocupação em seu rosto, completou:
— Não lhe dei esperanças.
Agradecida, assentiu. Uma ideia perpassou sua mente: talvez houvesse algo que fosse capaz de aniquilar os seus dons para que ela não precisasse reprimi-los. Esse pensamento, porém, foi varrido como uma folha à brisa. Provavelmente nada efetivo existia. Além disso, no cerne de seu coração, não desejava se desfazer deles. Um dia, quando não estivesse mais sob a sombra do pai, gostaria de usá-los para fazer a diferença em Fae.
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Ofélia: a Prisioneira dos Sonhos
FantasyOfélia é uma figura chamativa no Reino Fae. Seu pai é o Conselheiro Real, seus amigos colecionam os títulos de maior de importância da Corte e sua correspondência vive repleta de convites para festas, bailes e saraus. Todos a querem ter por perto pa...