Uma Farsa De Amor

CAPÍTULO 07 - AMIZADE OU CULPA

Atrás do balcão, enquanto eu me perdia em pensamentos sobre a exposição de artes, os sinos tilintando em cima da porta indicam um novo cliente e me trazem de volta a realidade. Digo a mesma frase automática que saia da minha boca várias vezes ao dia:

- Seja bem vin...

- Finalmente te encontrei! - Anne está eufórica como se tivesse corrido uma maratona até aqui. - Me disseram que te viram correndo como louca na faculdade. Está tudo bem? Aconteceu algo com sua mãe? - Ela solta a bolsa do chão como se não fosse nada importante. - Eu vim o mais rápido que pude.

O cheiro da poeira dos livros antigos devem ter chegado até ela porque seu nariz começa a ficar irritado. Por causa disso, Anne sempre evitava visitar a livraria.

- Não, minha mãe está bem. - Esclareço, me dirigindo para mais perto da porta onde o cheiro de poeira não pode nos alcançar.

- Então...

- Ele estava lá. - Começo, lembrando de cada troca de olhares. - Jonathan estava dentro da minha sala de pintura exibindo seus músculos para todo mundo como se isso não fosse nada. - Minha garganta seca só de relembrar aquela cena e percebo ter dito mais detalhes que o necessário - E se ele tiver perguntado por mim a alguém da sala? Ele vai descobrir que não sou quem eu disse ser ontem a noite.

- Ele não perguntou nada.

- Como sabe disso?

Anne suspira fazendo uma expressão preguiçosa.

- Porque papai disse que estava orgulhoso por finalmente algum encontro ter dado certo. Se ele tivesse nos descoberto. já estaríamos na forca. - O semblante dela muda para algo semelhante a dúvida. - O que você fez? Pensei que o plano era fazê-lo me rejeitar.

Como aquele encontro poderia ter dado o certo?

- Esse era plano, mas ele é o homem mais estranho e insistente que já conheci. - Lembro. - Mesmo depois que fui rude e fiz tudo que tínhamos combinado, ele não saiu correndo com medo de mim.

- Você deve ter feito algo errado. - Ela julga como se tivesse certeza que o plano não podia ter dado errado se eu tivesse seguido todas as regras.

- Não, eu definitivamente não fiz! - Defendo a mim mesma.

- Precisamos de um plano melhor.

- O que? - Olho ela sem entender. Anne caminha pela livraria como se isso não a prejudicasse mais.

- É. - Anne balança a cabeça como se tivesse concordando consigo mesma. - Precisamos de um plano melhor para o segundo encontro. Dessa vez vamos nos livrar dele uma vez por todas.

- Eu não vou em um segundo encontro! - Aviso sem nenhuma relutância, não podia mais me passar por outra pessoa. - Já está sendo difícil demais lidar com essa mentira.

Anne fecha a cara incrédula.

- Como não? - Ela caminha até mim apressada. - Se você for novamente, meu pai não vai encontrar outro daqueles homens chatos para se encontrar comigo. Se ele pensar que esse encontro deu certo...

- Você enlouqueceu? - Questino, porque estou realmente curiosa. O que o pai dela faria se descobrisse que o encontro que ele programou foi totalmente manipulado? Provavelmente minha amizade com Anne seria extinta. - Se Jonathan ou até mesmo seu pai descobrir o que estamos fazendo...

- Eles não vão descobrir se você for rejeitada.

Anne segura meu braço e faz biquinho, implorando para que eu concorde com seu plano maluco. Mas começo a cogitar fazer o que ela estar me fazendo acreditar. Se o plano fosse melhor dessa vez, Jonathan não seria tão insistente? Ele vai esquecer tudo isso se eu for ainda mais desagradável?

Anne deve ter percebido minha hesitação porque se apressa para me convencer.

- O que está acontecendo com você? - Ela me questiona. - Onde está aquela garota que não tem medo de nada? Não é você que diz que os homens sempre merecem o pior? Por que é diferente dessa vez? - Anne estreita os olhos - Você por acaso...

- Não! Eu não gosto dele!

Eu não podia continuar mentindo para Jonathan. Mas, pensando melhor, ele me deixaria em paz se eu me mostrasse um pessoa pior. O tipo de pessoa que ele não vai suportar nem mesmo a ideia de estar perto.

- Por favor Mel, essa é minha única saída. - Anne me chama pelo apelido para me convencer mais rápido.

- Tá, tá bom. - Cedo. Essa seria a última vez que eu faria algo do tipo - Mas não esqueça que terá um divida eterna comigo.

Anne pula de alegria não conseguindo evitar sorrisos e gritinhos de entusiamo. - Voce é a melhor. - Claro que eu sou!

A onda de felicidade evapora quando lembro de algo importante.

- Aliás... Por que não estava me esperando voltar para o carro como prometeu? Você não imagina o que tive que passar por causa disso. Tive que refazer um novo curativo naquela manhã por causa dos malditos sapatos dela.

O sorriso volta a desabrochar em seu rosto como se a melhor coisa da vida tivesse acontecido.

- Enquanto eu te esperava no carro, vi ele andando com os outros garotos. - Ela começa a girar como se fosse uma princesa dos contos de fadas. Pela expressão encantada dela, sei de quem se trata.

Anne gostava de um garoto muito diferente da sua realidade. Ele é vocalista de uma banda, tem tatuagens que desafiam as convenções sociais e provavelmente é o homem mas conquistador que já pisou na face da terra. Seu pai não aprovaria nem se ela implorasse por varias encarnações. Por isso, ela nunca está disposta a ir nos encontros arranjados porque gosta do espírito rebelde que o tal garoto representa para ela, mas também não está disposta a quebrar os bons costumes e as tradições familiares que o pai tanto preza.

- Então eu segui eles. - Ela continua, como se isso não fosse muito estranho. - E acabei descobrindo onde os ensaios da banda acontecem.

- Quando você vai enfrentar seu pai e dizer que gosta dele? Sabe, talvez os encontros acabem se você for um pouquinho honesta. - Digo, talvez um pouco mais amarga do que eu gostaria de ser. - Não vou poder te ajudar para sempre.

- Eu definitivamente vou falar com ele. - Ela faz uma pequena pausa para ponderar e completa. - Só não vai ser hoje.

Eu podia ajudá-la mais uma vez. Iria fazer aquele sacrifício porque sabia que a situação dela era complicada. Anne vivia com esse conflito desde o ensino médio e lidar com um pai que acha que a felicidade está em um mero matrimônio é mais do que ela pode aguentar.

Então... eu sairia com Jonathan mais uma vez!