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Planeta Das Tulipas

Quando chegou, uma sensação dolorosa o atravessara, junta de outra de prazer, conforto e compaixão – compaixão de si mesmo. Ele olhara, convicto, para o verde e tinha certeza, naquele instante, que nenhum outro verde seria mais elegante, vívido e bonito. Nem o das dezenas de planetas que ele conhecera desde que decidiu abandonar aquele planeta. Nenhum outro verde era mais interessante, mais comovente, mais cheio de dúvidas, mais cheio de cor, cogumelos...

Ficara imóvel durante três dias, relembrando suas ultimas conversas com seus amigos:

— Nosso tempo é contando. Não vivemos mais do que devemos.

— Vocês, de certeza, viverão por mais tempo do que imaginam.

— Quando nos formos. – Dizia o cordeiro. – Você poderá nos encontrar nas estrelas. Nós estaremos olhando por você, te acompanhando em cada aventura, e te ajudando a duvidar.

— E você nunca estará sozinho, de facto, porque nós estaremos iluminando seus caminhos. – Cantarolava o papagaio.

— Porque mesmo que nosso tempo seja ínfimo na terra, o é infinito o ter passado com você, pequena criatura. – Terminou a Tulipa.

Ele lembrara disso, eram memorias que o deixavam entre: sorrisos longos e magníficos e dores extensas e avassaladoras, então, no fim do quarto dia, ele decidira se mover até as macieiras. Onde deu água a cada planta. E sentia-se assediado por qualquer lembrança daquele lugar, sem conseguir, assim, sentir-se completamente em paz.

— Vocês nunca se movem. Não acham isso solitário?

— Não. Porque estamos juntos.

— E quanto a morte, vocês têm medo dela?

— Não. Se estivermos juntos, ela vai ser linda.

Colocou água na última árvore e foi que ele sorriu, quase que sem querer, seu peso, o que o acompanhara durante todos os últimos meses estava se afastando. É preciso fazer as pazes com o seu passado, lembrou do que a avozinha lhe teria dito. Isso o deixara alegre. E fez sua próxima pergunta:

— O que vocês acham que seja a felicidade?

— Felicidade é estar feliz.

— Simples assim? – perguntou, incessível.

— Felicidade é ter motivos pra ser feliz.

— Hum. – Hesitou o Pequena Criatura.

— Felicidade é saber que tens motivos para ficar feliz e ficar. – Disse, uma pequena árvore que dera mais frutos do que as outras, convencida de que estava mais correta.

— Felicidade, é na verdade, sentir-se grato com oque têm, e permitir que isso te deixe feliz. É saber que não há muito e se contentar com pouco. – Disse, a macieira que não tinha frutos.

— O que eles estão querendo dizer – deu um breve suspiro, e aproximou o Pequena Criatura para perto de si com seu tronco. – É que existem diversos sentidos para a felicidade. Te resta apenas saber o que te causa felicidade, e deixar que essa razão te atravesse como chuva, e que te ocupe inteiro. – Ele olhou para o nada. – Porque você precisa ser feliz!

E mais uma vez, ele, finalmente, sentiu que seu momento de felicidade no K24 teria passado, como as estrelas que nunca ficam no mesmo lugar, como um crocodilo que vai em busca de razões, como pequenos peixes que seguem o mar juntos para que nunca tenham de o seguir separados. Ele sentiu que devia voltar para a Rosa, ele tinha historias longas para a contar, queria conta-la sobre todas as gentes que conhecera durante sua viagem, e queria, sobretudo, dize-la tudo o que lembrava sobre a pergunta que ela teria o feito há semanas quando chegou, "Como você acha que é o mundo lá fora?" ele não teria mais de dar uma resposta improvisada ou ensimesmada, diria as coisas pelas quais se apaixonou, àquelas que ganharam sua curiosidade e seu pequeno coração. E diria com alegria, porque, não mais acreditava ele, não mais sentiria o sentimento de abandono, medo, solidão, ele sentiria coisas mais elegantes de se pensar e dizer. Por isso, ele sabia que sua resposta para aquela pergunta mudaria, como gente que cresce e tem opiniões diferentes, como seres que vão em busca de uma razão e se esquecem de pequenas razões, tinha certeza, absoluta, que sua nova resposta seria mais interessante.

Por fim, foi até os túmulos que ele fizera logo que seus amigos partiram, e permaneceu, pela última vez, impávido e dorido, naquele lugar. E proferiu, para eles:

E terminou, em pequenos choros, choros delicados e finos, e então, ele fechou aquele capítulo com uma vontade ensurdecedora de querer voltar a ver sua amiga. Afinal, era a única que estava viva. Era a única que ele teria dado carícias, e a única que o contava histórias vagas sobre os sentimentos. A única que ficaria contente de lhe ver. E, mais afundo, lembrou-se de seu lêmure, e ficara, preucupadamente feliz por saber que podia reencontra-lo. E isso gerou uma espécie de ondas de desejo em seu coração, movidos por gentes.

De Onde Vêm As EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora