II

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– Sabes desenhar? – indaga ela. Estou sentado à sombra da única árvore com ramos nesse diminuto planeta; ela está há segundos de mim. Sua curiosidade não é inabalável; é, na verdade, fácil de se dissolver, assim como ela se eu não a regasse ou se, por acaso, não tivesse a redoma de vidro que a protege dos raios solares (até dos mais intensos).

— Não domino a arte do desenho. – Respondo.

— Ele também não a dominava. – diz.

— Isso é relevante?

Ela observa-me de um lado para o outro, como se me examinasse; por um instante, sinto-me vislumbrado. Ela talvez analise meu cabelo negro e conclua que sou, de fato, um emaranhado de coisas ou olhe para minha pele parda e considere que produtos de misturas são peculiares. No entanto, ela não o faz; olha-me atentamente, como se quisesse conhecer-me. Contudo, ela me viu diversas vezes antes deste momento; talvez nunca tenha realmente me conhecido, e agora, deseje fazer isso. Como se conhece alguém? Reflito profundamente.

– Qual tua idade? – pergunta ela, seus olhos mergulhados em si, mas sua atenção, em mim.

— 13. Anos – digo, timidamente, não um tímido amedrontado, mas de maneira suave e frágil.

— Crianças não deveriam andar sozinhas.

— Mas não ando sozinho.

— Sua voz é cristalina, e se tivesse cor, seria azul, mas tu, em ti mesmo, és vasto.

— Como assim, vasto?

— Meu menino disse-me que vasto ( vago) é uma boa palavra para chamar algo que não compreendes.

– Qual é seu nome, digo, do teu menino? – questiono.

— Pequeno Príncipe. – diz, convencida. — Assim lhe chamava. – Assegura.

— E qual é o teu?

Ainda não sei. Passei por diversos planetas, conheci muito pouca gente. No único que fiz ligações, meus amigos, cheios de orgulho e poderio, chamavam-me por Selene, uns, por gracejo e vontade de Nheleti. — Rego a árvore e levo o regador até ela. Está quente, refleti; precisa de muita água. Nas próximas horas, fico regando, refletindo e cortando ervas. Isso me deixa com dores nos braços, mas é bom fazê-lo. Levo, de maneira discreta, água para o outro lado do planeta (é fácil navegar o B612) e, ao chegar, coloco um pouco de água para o Lêmure, e, ah, uma banana. Ele é pequeno, inofensivo e incapaz.

— Hum. Esta bem, Selene. – Num tom celeste.

Clin Baku Bonga, uma filantrópica do planeta das luzes, bem próximo ao CG361, terá dito que não se pode negar água quando faltar. E por isso, não se pode negar a presença quando houver, nem a atenção, nem a solidariedade. Às vezes, ao recordar o passado, sinto um vazio mendigo necessitando de atenção aqui dentro; é sensato, porém, difícil de superar, é agudo, monótono, sem cor e doloroso.

Na noite anterior, ao conversar com Rose, ela, sem expressão, mergulhou seus olhos em mim; senti a presença de seus olhos de trás, estava naquela altura, tendo dúvidas. E quando terminei de duvidar, sentei-me próximo a ela e, sem que eu implorasse, contou-me outra história.

— No início – disse ela. – A rosa era incrédula, sem verdade nem afeto. Ela era minúscula e solitária, mas um rapaz de cabelos dourados e olhos azuis a encontrou só num planeta por onde ele vagava; desde aquele dia, esse rapaz cuidou dela, e eles, talvez, tenham criado afeição um pelo outro. Passados anos, a afeição tornou-se algo mais valioso, sincero e visível, porém, mesmo assim, nunca contaram um para o outro. Ela era desprovida de coragem, orgulhosa, irascível e incômoda; ele, gentil, atencioso e preocupado. Contudo, um dia, desentenderam-se e se afastariam para sempre. Desde aquele dia, ela espera por ele. A espera do seu pequeno rapaz. 

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