O carro corria pelas ruas, mas já estavamos um pouco atrasados. Alice estava prestes a explodir de curiosidade, enquanto Miguel dirigia com um sorriso travesso no rosto, claramente se divertindo com a situação. Eu sabia que precisava ser cuidadosa com o que diria a seguir.
— Tudo bem, aqui vai - comecei, respirando fundo. — A Clara é a vizinha do lado, e ela estava tocando música a noite toda. Quando fui reclamar, ela fez alguns comentários sobre o que eu estava vestindo e... bem, a conversa ficou estranha.
— Estranha como? - Alice insistiu, inclinando-se para frente, como se isso pudesse melhorar a escuta.
— Ela só... foi um pouco invasiva, sabe? - respondi, tentando encontrar as palavras certas. — E não era só sobre a música.
— E você gostou da invasão? - Miguel comentou, olhando para mim rapidamente antes de voltar a focar na estrada. — Ela pode estar querendo se aproximar.
— É, bem, eu não sei. - disse, balançando a cabeça. — Acho um pouco complicado, pelo pouco que vi, parecemos diferentes.
— Complicado é o seu jeito de lidar com isso - Alice rebateu, com um sorriso provocador. — Você precisa se impor, Dakota! Não deixe essa mulher te intimidar.
O carro parou em um semáforo, e eu aproveitei a pausa para pensar. Alice tinha razão, no fundo havia algo em Clara que me deixou intrigada. Talvez fosse sua confiança, a forma como parecia tão à vontade em sua própria pele.
— Olha, a gente pode conversar mais sobre isso depois. - sugeri, mudando de assunto. — Vamos nos concentrar no que importa: chegar em nossas aulas a tempo.
Miguel concordou, e Alice, percebendo que eu estava tentando mudar de direção, se acomodou no banco.
— Tudo bem, mas só porque você prometeu contar mais depois - ela disse, cruzando os braços. — E eu vou ficar de olho na Clara.
O carro continuou seu trajeto, e enquanto olhava pela janela, não pude deixar de pensar em Clara. Tenho que admitir que sua beleza é um pouco intimidadora.
Quando chegamos à faculdade, a atmosfera mudou. O campus estava cheio de alunos, todos se apressando para suas aulas. Miguel estacionou e nós três saímos do carro, mas minha mente ainda estava longe, pensando na vizinha que havia se tornado tão presente em meus pensamentos.
— Dakota! - Alice chamou, puxando-me de volta à realidade. — Vamos logo!
Nos despedimos e seguimos nossos caminhos para nossas salas. Corria pelo corredores na intenção de chegar antes de Nicolas, professor de Direito Civil, ele é um ótimo advogado mas sua personalidade deixa a desejar.
— Senhorita Belmont, bons advogados não se atrasam. - pude ouvir sua voz ríspida enquanto eu abria a porta devagar, na tentativa de ver se ele já estava em sala e, com certeza, estava.
— Desculpe, professor. Não vai acontecer novamente. - respondi sem graça e rapidamente me acomodei em uma cadeira.
A aula começou e, cortei todos os pensamentos que me rodeavam. Tentei me concentrar nas explicações do professor, precisava absorver o máximo possível. Ainda faltam dois semestres inteiros para a formatura e preciso que isso dê certo.
O sinal do intervalo finalmente tocou, e eu me levantei, decidida a encontrar Alice e Miguel. Mas antes que pudesse dar um passo, senti uma presença familiar ao meu lado.
— Oi, Dakota. - Era Vitor, seu sorriso revelava uma mistura intrigante de confiança e um toque de desafio. - Estava te procurando.
Minha surpresa ficou evidente em meu rosto. O que Vitor estava fazendo aqui, em Washington? A cidade sempre teve um ritmo frenético, e encontrá-lo ali, em meio à agitação, me deixou confusa.
— O que faz em Washington? - perguntei, tentando entender a situação e disfarçar a curiosidade que crescia dentro de mim.
Ele deu um passo à frente, como se quisesse se aproximar mais. — Vamos tomar um café? Assim podemos conversar um pouco. - Sua proposta era simples, mas havia uma intensidade em seu olhar que me fez hesitar.
— Café? - repeti, ainda processando a ideia.
Vitor riu, um som que parecia ecoar entre as pessoas que passavam apressadas. — Então, que tal um chocolate quente? O importante é que possamos nos sentar e conversar. Tem muito tempo que não nos falamos.
Ele parecia genuinamente interessado em saber como eu estava, e isso me deixou intrigada. Lembrei das conversas que tivemos no passado, das promessas não cumpridas e dos momentos que ficaram para trás.
— Tudo bem, vamos ao café. - aceitei, tentando esconder a ansiedade que começava a surgir.
Enquanto caminhávamos, a cidade pulsava ao nosso redor, e eu não conseguia deixar de pensar no que ele queria discutir. O que teria trazido Vitor depois de tanto tempo?
— Tem uma ótima cafeteria aqui no campus. Tudo bem se formos lá? - perguntei, buscando um tema leve para quebrar o silêncio.
— Confio em você, seus gostos sempre foram ótimos. - ele respondeu com um sorriso nostálgico, e eu sabia que a conversa seria mais do que apenas um reencontro.
Minha relação com Vitor Hills sempre foi um emaranhado de emoções. Conhecemo-nos desde a infância, e nossa amizade evoluiu para uma paixonite adolescente que, na época, parecia tão simples e leve.
Quando éramos jovens, eu não via problema em dar uns beijos em Vitor de vez em quando. Afinal, eu tinha apenas dezesseis anos e o mundo ainda era um mistério para mim. A inocência da adolescência me permitia explorar sentimentos sem pensar muito nas consequências.
Certa noite, durante uma festa que conseguimos ir escondidos dos nossos pais, tudo mudou. Vitor me viu beijando uma garota, e sua reação foi intensa. Ele surtou, expressando uma mistura de confusão e raiva, dizendo que eu não poderia ter feito aquilo com ele. Naquele momento, percebi que meu gesto tinha despertado algo muito mais profundo nele, algo que eu não havia compreendido antes.
Mas, para mim, era uma fase de descobertas. Eu precisava entender minha própria sexualidade, explorar quem eu realmente era. Aquele dia foi uma montanha-russa de emoções: ótimo para a Dakota adolescente, que estava finalmente se permitindo experimentar, mas péssimo para Vitor, que se sentiu traído e desorientado.
Desde então, nossa amizade ficou marcada por um silêncio constrangedor. As conversas se tornaram raras e, quando nos víamos, havia uma tensão no ar, como se ambos soubéssemos que algo havia mudado irreversivelmente. Vitor, que antes era meu confidente, agora parecia um estranho, e a leveza que costumávamos compartilhar se dissipou.
Com o passar do tempo, tentei entender o que havia acontecido entre nós. Eu queria que ele soubesse que, apesar de tudo, a amizade ainda tinha um lugar especial em meu coração. Mas tudo mudou quando ele decidiu expor para todos, inclusive meus pais, que eu estava beijando garotas às escondidas, transformando minha vida em um caos.
Essa atitude fez com que me afastasse completamente o medo de reabrir feridas antigas me impedia de buscar uma reconciliação. O que antes era um simples flerte agora se tornava uma lembrança complexa, cheia de nuances e sentimentos não resolvidos.
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O DESEJO DE DAKOTA
RomanceAs noites sempre foram silenciosas, envoltas em uma calma que quase parecia mágica. Mas tudo se transformou quando ela se mudou para o apartamento ao lado. As paredes finas do prédio não eram apenas um obstáculo físico; elas transformaram-se em um v...