Bem vindo a Arcádia

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— Francesca, cuidado com a panela! — exclamou minha mãe, sua voz preocupada ecoando pela cozinha.

O caos na cozinha real é quase palpável hoje. A cozinha está um verdadeiro turbilhão com a chegada dos parentes do Rei Dante II e da Rainha Aurora para celebrar o décimo oitavo aniversário da princesa Eleonora. Pessoas correm de um lado para o outro, esbarrando umas nas outras e, ocasionalmente, se acidentando. Pelo menos, o aniversário da princesa real será perfeito — uma hipocrisia na minha opinião.

Não sou contra a monarquia, mas acredito que deveríamos avançar para formas de governo mais inclusivas, que permitam maior participação popular.

Sou profundamente patriota. Meus avós frequentemente recontam a história do nascimento de nosso país. Arcádia, antes, não existia; era uma pequena vila no noroeste da França chamada Lê Caire.

Durante o reinado de Luís XVI, a França passava por uma crise devastadora. As pessoas mal tinham o que comer e trabalhavam arduamente para sustentar o clero e a monarquia. Mas, com a Revolução Francesa, um camponês chamado Henrique viu uma oportunidade de independência para Lê Caire, que estava em meio a uma onda de revoltas.

Com a ajuda do Reino da Itália, Henrique formou um exército e lutou pela nossa independência. Em 1790, Lê Caire passou a se chamar Arcádia, e Henrique tornou-se nosso soberano, recebendo o título de Rei Henrique I de Arcádia. Assim começou a breve, mas significativa, história de nosso país.

Anos depois, assim como recebemos ajuda dos italianos, lutamos ao lado deles contra o domínio austríaco, contribuindo para a unificação dos reinos na península itálica, criando a grande Itália que conhecemos hoje.

Após a guerra contra os austríacos, Arcádia enfrentou grandes dificuldades, principalmente a pobreza. Enquanto os países vizinhos avançavam, nós permanecíamos estagnados. O país, que antes era símbolo de uma revolução e luta incessante, tornou-se arcaico.

Arcádia mergulhou em conflitos desnecessários e, finalmente, a Terceira Guerra Mundial estagnou nosso progresso. O país quase voltou ao domínio francês em um mundo dividido entre ocidentais e orientais. Fomos invadidos e explorados pelo Japão devido ao nosso petróleo, mas conseguimos expulsar os invasores e nos reestruturar. A guerra deixou um rastro de destruição, e o país, apesar de suas vitórias, caiu na pobreza.

Hoje, restam três grandes potências ocidentais, mas Arcádia não é uma delas. Nosso país, desde o início, foi um lutador, e eu também sou uma lutadora. Todos nós somos. Sou grata pela nossa independência, mas a verdade é que ainda enfrentamos grandes dificuldades.

Vivemos sob um regime de castas antiquado e desigual:

1. Família Real

2. Clero

3. Nobreza

4. Artistas, celebridades, médicos e advogados

5. Comerciantes e professores

6. Servos

Minha família pertence à última casta. Servimos à família real desde o início da nossa história. Meu avô conta que seu bisavô era o braço direito de Henrique I, mas, se fosse verdade, deveríamos ter ao menos um título de nobreza. Em vez disso, meu pai, o Senhor Thomás, trabalha nos estábulos reais, e minha mãe, Senhora Olga, é chefe de cozinha (ela se orgulha imensamente de cozinhar diretamente para a família real, e a rainha frequentemente elogia seu tempero. Não julgo a Rainha; de fato, minha mãe é a melhor cozinheira de Arcádia).

Minha irmã mais velha faleceu de sarampo aos 10 anos, e eu ocupei seu lugar, ajudando minha mãe a criar quatro meninas, uma tarefa árdua. Arcádia é um país machista, onde homens podem ascender de casta, entrar na universidade, tornar-se artistas ou comerciantes, enquanto mulheres são restritas ao papel de cuidadoras e só podem subir de casta ao se casarem com homens de casta superior — o que é extremamente difícil, pois ninguém quer se relacionar com a "mazela da sociedade".

Abigail é a segunda mais velha. Sempre brincamos que mamãe e papai foram rápidos em ter outro filho, dado que nossa diferença de idade é de apenas um ano. Ela ajuda minha mãe na cozinha e herdou o mesmo talento: seu tempero é tão bom quanto o de mamãe, embora ainda não se iguale ao dela.

Tereza, a terceira filha, serve diretamente à rainha, um motivo de grande orgulho para nós. Com apenas 20 anos, conseguiu um posto que muitas mulheres só alcançam aos 30.

Amélia, a quarta filha, é a sonhadora. Com 18 anos, sonha em se casar com um duque ou conde, acreditando em amor à primeira vista. Eu sempre lhe digo que só houve uma Cinderela, e isso era apenas um conto de fadas. Enquanto sonha, ela ajuda a vovó na costura, e suas mãos são verdadeiras mágicas. Ela costura uniformes para os criados e guardas do palácio, mas seu sonho é costurar diretamente para a família real.

Alesia, a caçula, com apenas 7 anos, ainda não possui uma função definida, então geralmente fica com uma de nós. Da última vez em que a deixamos sozinha em casa, perdemos uma poltrona para o fogo.

Às vezes, Alesia brinca com o filho mais novo do rei, Antônio. A rainha permite, não se importa. Servimos à família real há tanto tempo que temos uma boa relação com eles, mas sabemos nossos lugares.

E eu, Francesca? Antes, servia à mãe da rainha, a Duquesa de Nuova Delhi. Após a morte dela, fiquei sem uma função fixa, então acabo fazendo um pouco de tudo.

Às vezes, brinco que Amélia é a sonhadora, mas eu também tenho meus próprios sonhos. Não quero passar a vida inteira servindo à monarquia. Para muitos, isso é motivo de orgulho, e eu não julgo.

Eu sonho em frequentar a universidade e me tornar professora, mas isso é impossível, pois universidades são restritas aos homens.

Aos 24 anos, ainda não sei exatamente o que quero da vida. Não encontrei meu lugar em Arcádia, mas tenho esperança. Acredito que um dia este país será melhor e mais justo, e eu poderei ser o que desejo.

Enquanto isso, aqui estou eu, lavando as roupas íntimas de algum membro da família real.

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