— Ora, milady, duvido muito que uma dama tão fina quanto vós não saiba dançar — murmurou o cavalheiro.
Senti seu olhar fixo em meu rosto, estudando cada uma das minhas expressões. Tentando recompor-me, dei outro gole no meu champanhe e respondi:
— Nunca fui uma dama dedicada à dança, preferia a leitura.
Decidi manter a fachada, pois ser arrastada para o meio do salão seria uma vergonha insuportável. Ele sorriu, um sorriso perfeitamente alinhado, revelando a diversão em seu olhar.
— Então sabeis dançar — insistiu ele.
— Sei, mas não tão bem quanto as nobres damas aqui presentes — declarei com firmeza.
Meu coração acelerou, consciente de que este homem não desistiria até me levar para a dança.
— Não deixarei vosso lado até dançarmos — murmurou ele, sorrindo.
Olhei para sua mão ainda estendida e, respirando fundo, segurei-a firmemente. Ele percebeu o pânico em meu olhar e tentou me confortar.
A música começou a soar alta, e notei que todos os presentes interromperam suas atividades para nos observar. Desviei o olhar e vi o motivo: o rei e a rainha haviam se juntado a nós. Respirando ofegante, senti-me ainda mais nervosa com os olhares fixos, aguardando um único momento de erro.
No salão principal, onde a luz das tochas e candelabros lançava sombras dançantes nas paredes de pedra, fui conduzida pelo nobre cavalheiro de olhos verdes cintilantes até a pista de dança, suplicando aos meus queridos anjos da guarda que não permitissem minha queda.
O murmúrio dos convidados, o farfalhar das vestes opulentas e o suave eco das músicas medievais enchiam o ar, criando uma atmosfera mágica e tensa.
Enquanto o cavaleiro me guiava, seu toque firme, mas gentil, na minha mão e cintura, senti um arrepio de nervosismo percorrer meu corpo. Meu coração batia descompassado, ecoando no peito como tambores de guerra. O medo de errar os passos me assombrava a cada movimento.
— Apenas siga meu ritmo, milady — murmurou ele, sua voz baixa e reconfortante próxima ao meu ouvido.
Os primeiros acordes da música ecoaram pelo salão, e ele começou a me conduzir pela dança. Seus passos eram firmes e precisos, um contraste marcante com a minha insegurança. Tentava acompanhar seus movimentos graciosos, mas cada passo parecia um desafio, uma corda bamba entre a perfeição e o desastre.
Ao girar em seu braço, minhas saias rodopiavam ao redor de nós, e por um breve momento, esqueci o medo, perdida na fluidez do movimento. No entanto, ao pisar em falso, meu coração saltou e um rubor de vergonha subiu ao meu rosto. Ele, contudo, sorriu de maneira encorajadora, apertando minha mão levemente para me assegurar.
— Não temas, minha dama. Nesta dança, somos apenas nós dois, em nosso próprio mundo.
Suas palavras eram um bálsamo para meu espírito ansioso. Respirei fundo, tentando acalmar meu coração acelerado. A melodia da música, agora familiar, guiava nossos corpos em uma sincronia quase mágica, ainda que eu sentisse o peso da responsabilidade em cada passo.
Ao olhar ao redor, vi rostos mascarados nos observando, alguns com sorrisos encorajadores, outros com olhares críticos. O medo de errar novamente ameaçava me paralisar, mas o cavaleiro apertou minha mão mais uma vez, seus olhos verdes fixos nos meus, oferecendo uma âncora em meio ao turbilhão de emoções.
Finalmente, a música começou a desacelerar, e com um último giro gracioso, a dança chegou ao fim. Enquanto ele me segurava em seus braços por um momento, senti uma onda de alívio e gratidão. Aplaudidos pelos presentes, fiz uma reverência, sentindo ainda o tremor residual do medo, mas também o orgulho de ter superado aquele desafio.
— Vós dançais lindamente, milady — disse ele, seus olhos brilhando com uma mistura de admiração e algo mais.
— Apenas porque tivestes a paciência de me guiar — respondi, com um sorriso tímido, o coração ainda batendo rápido, mas agora por um motivo diferente.
Ele me conduziu para fora da pista de dança e pegou duas taças de champanhe, entregando-me uma.
— Nunca vos vi em nenhum baile. Onde vos escondeis? — perguntou, sorrindo.
Dei um breve gole em minha bebida antes de respondê-lo, pensando em uma mentira elaborada desta vez.
— Debaixo de livros empoeirados que narram as histórias heroicas sobre nossa independência — murmurei, sorrindo.
— Uma professora, então? — perguntou curioso.
Notei seu interesse em saber mais sobre mim; meu coração palpitava, numa mistura de êxtase e medo.
— Infelizmente, não. Mesmo que quisesse, minha casta não permitiria — disse, logo arrependendo-me.
Ele me encarou, confuso, mas acrescentei rapidamente:
— Mesmo sendo nobre, não posso descer na pirâmide social, da mesma forma que os servos não podem subir.
Ele ficou em silêncio, analisando minha resposta. O único som audível era o burburinho das conversas no salão e a música tocando ao fundo.
— E vós, que fazeis? Pela forma como estais vestido e pela dança, certamente pertenceis à família real — disse, tentando mudar de assunto.
Ele sorriu e respondeu:
— Assim como vós, sou um nobre. A primeira casta é algo exclusivo e, às vezes, repugnante, em minha humilde opinião — disse ele, com um olhar distante ao terminar suas palavras, uma mistura de emoções indecifráveis passando por seus olhos.
— Sim, isso é verdade. Imagine só, o futuro do país nas mãos de um homem baderneiro que não sabe o que quer da vida que pensa que ainda tem 20 anos de idade — deixei escapar.
Ele me encarou incrédulo e briguei comigo mesma pelas palavras proferidas. Se alguém ouvisse o que acabei de dizer, poderia ser jogada nas masmorras, claramente atacando a monarquia.
— Vós não gostais da forma como nosso país é conduzido? — perguntou de forma grosseira.
— O rei Dante e a rainha Aurora fazem o que podem, mas infelizmente, o país tem uma estrutura arcaica. Dividir-nos por castas é totalmente repugnante, e o homem possuir mais direitos que a mulher é inaceitável. Mesmo que uma pessoa da casta mais inferior trabalhe sua vida inteira para tentar melhorar, continuará como um servo. Acha isso justo, milorde? Acha justo recebermos um rótulo ao nascer e morrer com ele? No fim da vida, todos terminamos da mesma forma: enrolados numa manta e enterrados a sete palmos abaixo do chão, sendo consumidos pelos vermes. Se todos temos o mesmo destino, por que distinção em vida? O futuro rei nem se fala. Um rapaz farrista, que aparentemente não liga para nada e apenas se preocupa com seu amiguinho dentro das calças. Esse é o homem que terá nosso país futuramente? Se os boatos sobre o futuro monarca forem verdadeiros, não só nunca teremos mudanças significativas, como também estaremos completamente arruinados — disse firme.
Após esse discurso, respirei fundo e bebi outro gole de champanhe. Expor minhas ideias, mesmo que isso pudesse causar meu fim, era libertador.
Levantei o olhar e vi-o me encarando. Ele analisava palavra por palavra, numa tentativa de encontrar algum insulto direto à família real para poder me denunciar e ganhar recompensas, pois aqueles que denunciam rebeldes contra a monarquia recebem extravagantes moedas de ouro.
Comecei a entrar em pânico, pois ele demorava a se pronunciar.
Olhei ao redor à procura de Amélia e a vi no canto esquerdo do salão, conversando com o mesmo rapaz que a tirara para dançar. Antes que ele pudesse chamar os guardas e mandar-me prender, saí do seu lado e caminhei em direção a Amélia. Agarre seu braço e a puxei para fora do salão.
Estava indo embora, sem saber o nome do homem mascarado. Um homem que, apesar do pouco tempo ao meu lado, fizera meu coração palpitar de uma forma que nunca acontecera antes.
Olhei para trás uma última vez e vi aquele lindo homem ainda me encarando, com um olhar penetrante, antes de sair pelas portas grandiosas do castelo.
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Entre a Coroa e o Coração
RomanceHenrique III, o príncipe farrista destinado a se tornar o próximo rei de Arcádia, vive em busca de um propósito próprio que transcenda sua linhagem real. Imerso em uma vida boêmia, ele busca desesperadamente por autenticidade e significado. Tudo mud...