capitulo 28

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"Eu não consigo te esquecer.
Eu não consigo esquecer todos os abraços que te dei
As cartas que lhe enviel
Os quadros que te pintei
E as músicas que te cantei."

Dybbuk
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24 de dezembro de 1994

O Natal não significava mais muita coisa a Madalena desde que saiu de sua terra Natal.

Quer dizer, pra brasileiro, pouco importa o dia vinte e cinco, estamos mais preocupados com a noite do dia vinte quatro.

Reunimos todos em volta de uma ave assada, frutas esculpidas, sobremesas de gelatina coloridas e álcool.

Aqueles que tem família grande se rodeiam de gargalhadas e crianças correndo pra lá e pra cá, sussurando umas as outras histórias de um velho que trazia presentes, andava num trenó voador puxado por renas e entrava nas casas por chaminés, horas, chaminé num país onde a temperatura média chega na casa dos trinta graus? Conte-me outra.

E como eram para os que tinham família pequena? Madalena estava descobrindo nesse exato instante.

Vestida numa camisola que tinha ganhado da mulher do homem que tinha lhe engravidado, uma das únicas roupas que lhe serviam no auge dos nove meses de gestação, deitada no sofá, sem a mínima vontade de levantar e ver o que tinha na geladeira para sua "Ceia de natal." Só levantar era difícil com aquela barriga, cozinhar era duas vezes mais.

Abraçou a uma das almofadas do sofá, acomodando-se melhor enquanto aquela melodia de fim de ano dos intervalos entre as programações tocava.

Era impossível não sorrir toda vez que Arnaldo aparecia. Os óculos redondos, o terno impecável, realmente um galã de novela das nove.

Sentiu algo macio passando por seu pé e ergue o olhar ao braço do sofá, olhos dum verde amarelado, curiosos e grandes a olharam com ternura e uma cumplicidade que só sua Judite tinha. Pelo preto rajado de amarelo, pareciam escamas.

Soprou o ar entre os lábios, a chamando para mais perto. Um ronronar bonito seguido dum miado dengoso e passinhos apressados por cima da sua perna, parando e acomodando-se na sua barriga.- Você adora ele né oncinha?- Coçou atrás da orelha da gata e riu consigo mesma.

Era uma história engraçada como descobriu Gaspar.

Judite tinha recém escolhido Madalena como sua dona, era meio arisca com todo mundo, se escondia nos cantos da casa toda vez que alguém estranho chegava.

Mas num dia, depois de um almoço com o pai de Gaspar, os dois largados no sofá, aquele mesmo de agora, Judite encarou muito séria Madalena do chão, piscou-lhe devagarinho, miou, subiu no sofá, e deitou-se bem em cima de seu umbigo, ela nunca tinha feito aquilo, era como se quisesse lhe dizer alguma coisa, algum segredo.

E então aquela novela de sua vida iniciou-se.

Náuseas tão fortes que preocuparam Arnaldo, cinco testes de gravidez, os dois minutos mais longos de sua vida passados sentados no chão do banheiro de funcionários, dois riscos em todos eles, choro, medo, ansiedade, verdade, briga, gritos, tapa, Arnaldo deixando um olho roxo bem marcado na cara daquele panaca, dúvida e então certeza.

Queria Gaspar.

Mentiria se dissesse que Arnaldo a apoiou incondicionalmente naquele início de gravidez. Trazer uma criança ao mundo assim, tão derrepente e nas condições em que vivia definitivamente não era o certo. Sabia o peso que uma criança era, tinha sido a mais velha de seis irmãos, sabia muito bem.

alinhamento milenar - DanthurOnde histórias criam vida. Descubra agora