Cap 4

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Por alguns instantes, Kara e eu permanecemos na cena de nosso mentor, tentando nos manter afastadas do repugnante material pegajoso que saíra de seu estômago.

O fedor de vômito e de bebida barata quase faz com que eu vomite meu jantar. Trocamos olhares.

Obviamente J'onn não é lá essas coisas, mas Effie Trinket tem razão a respeito de um ponto.

Uma vez que estejamos dentro daquela arena, ele será nossa única referência.

Seguindo uma espécie de acordo mudo, Kara e eu pegamos os braços de J'onn e o ajudamos a se erguer.

– Eu tropecei? – J'onn pergunta. – Cheiro ruim.

– Vamos levá-lo para seu quarto – diz Kara . – Precisamos limpá-lo um pouco.

Nós meio conduzimos, meio carregamos J'onn de volta a seu compartimento. Como não podemos exatamente colocá-lo sobre colcha bordada, nós o içamos até a banheira e abrimos o chuveiro em cima dele. Ele quase não nota.

– Está bom assim – diz Kara. – Eu assumo de agora em diante.

Mal posso evitar a sensação de gratidão, a última coisa que eu queria era ver ele sem roupas.

Ela estava sendo Gentil... Até demais.

Pessoas gentis eram perigosas, pois conseguem se instalar dentro de mim e criar raízes.

Graças a ela, eu tomei coragem para seguir em frente, quando encontrei a floresta depois daquele dia, ela foi nossa salvadora.

Não sei se ela se lembra de ter me ajudado, já que não conversávamos nunca no distrito 12.

E agora estamos prestes a morrer sem querer eu devolva o favor.

Acabei decidindo não pensar nisso e tentar dormir um pouco, precisava de toda a energia possível para o que viria a seguir.

Uma luz cinzenta está vazando pelas cortinas quando a batida me desperta.

Ouço a voz de Effie Trinket me mandando levantar.

– Acorde, acorde, acorde! O dia vai ser muito, muito longo! – Tento imaginar, por um instante, como deve ser o interior da cabeça dessa mulher. Que pensamentos preenchem as

horas em que está acordada? Que sonhos tem à noite? Não faço a menor ideia.

Assim que entro no vagão-restaurante, Effie Trinket passa às pressas por mim com uma xícara de café puro. Está sussurrando algumas obscenidades.

J'onn, com o rosto inchado,está rindo à toa. Kara está segurando um pãozinho e parece um pouco constrangida.

– Sente-se! Sente-se! – diz J'onn, acenando para mim. No instante em que me sento, me servem um enorme prato de comida.

– Então você é o encarregado de nos dar conselhos – digo para J'onn.

– Aí vai um pequeno conselho: mantenham-se vivos – diz J'onn, e depois cai na gargalhada.

Troco olhares com Kara antes de me lembrar que prometi a mim mesma não
manter muito contato com ela. Estou surpresa de ver a dureza em seus olhos. Ela geralmente parece tão suave.

– Isso é muito engraçado – diz Kara. De repente ela dá um golpe no copo que está na mão de J'onn. O vidro se quebrando no chão, fazendo com que o líquido vermelho-sangue escorra
para os fundos do trem. – Mas não pra nós.

J'onn parecia se divertir com isso.

– O que é isso, afinal? – pergunta J'onn – Será que realmente peguei um par de lutadoras esse ano?

Ele se volta para mim. – Você consegue acertar alguma coisa com aquela faca além da mesa?

O arco e flecha é a minha arma. Mas também já passei um bom tempo arremessando facas.

Às vezes, se firo algum animal com o arco, é melhor jogar uma faca também, antes de me aproximar. Percebo que se desejo chamar a atenção de J'onn, essa é a oportunidade de causar uma boa impressão. Arranco a faca da mesa, agarro a lâmina e então arremesso-a na parede do outro lado do salão. Na verdade, só tinha esperança de conseguir que ela ficasse grudada em algum lugar, mas ela se alojou na costura entre dois painéis, fazendo com que minha habilidade parecesse bem maior do que realmente é.

– Fiquem as duas em pé aqui – diz J'onn, indicando com a cabeça o centro do salão.

Nós obedecemos e ele gira em torno de nós, cutucando-nos como se fôssemos animais, verificando nossos músculos, examinando nossos rostos. – Bem, vocês não estão totalmente condenados. Parecem em forma. E assim que os estilistas entrarem em ação, vocês vão ficar suficientemente atraentes.

Nem eu nem kara questionamos a colocação.

Os Jogos Vorazes não são um concurso de beleza, mas parece que os tributos mais atraentes sempre conseguem mais
patrocinadores.

– Tudo bem, vou fazer um trato com vocês. Vocês não interferem na minha bebida e fico sóbrio o suficiente para ajudá-los – propõe J'onn. – Mas vocês vão ter de fazer exatamente o que eu disser.

Não é de fato um trato, mas ainda assim é um grande passo em relação a dez minutos atrás, quando não contávamos com nenhuma orientação.

– Certo – diz Kara.

– Então nos ajude – concordo. – Quando a gente chegar na arena, qual a melhor estratégia na Cornucópia pra alguém que...

– Uma coisa de cada vez. Daqui a alguns minutos vamos chegar à estação. Vocês serão colocadas nas mãos de seu estilista. Vocês não vão gostar nem um pouco do que ele vai fazer com vocês. Mas, independentemente do que seja, vocês não devem se opor – diz J'onn.

– Mas... – começo.

– Sem “mas”. Não se oponham – diz J'onn.

Ele pega a garrafa de bebida na mesa e sai do vagão-restaurante. Assim que a porta se fecha atrás dele, o vagão escurece. Ainda há algumas luzes no interior, mas, do lado de fora, a impressão que se tem é que anoiteceu novamente.

Kara e eu ficamos em silêncio.

O trem finalmente começa a diminuir a velocidade, e, de repente, luzes brilhantes inundam o compartimento.

Não conseguimos evitar.

Kara e eu corremos para a janela para ver o que só conhecíamos pela televisão.

A Capital, a cidade que governa Panem.

As câmeras não mentiram a respeito da grandiosidade do local. Se tanto, elas não chegaram a captar a magnificência dos edifícios esplendorosos num arco-íris de matizes que se projeta em direção
ao céu, os carros cintilantes que passam pelas avenidas de calçadas largas, as pessoas vestidas de modo esquisito, com penteados bizarros e rostos pintados que nunca deixaram de fazer uma refeição.

As pessoas começam a apontar para nós com veemência ao reconhecer o trem dos tributos chegando à cidade. Eu me afasto da janela, enjoada com aquela excitação, ciente de que eles
mal podem esperar para assistir à nossa morte. Mas Kara mantém sua posição. Na verdade, está até acenando e sorrindo para a multidão de paspalhões. Ela só para quando o trem chega à estação, tirando-nos de vista.

Ela me vê fitando-a e dá de ombros.

– Quem sabe? Um deles pode ser rico.

Eu a julguei erroneamente. Penso nas ações dela desde que a colheita começou.

O amigável aperto de mão. O pai dela aparecendo com os biscoitos e prometendo alimentar Lori...

Será que Kara o convenceu a fazer isso? As lágrimas dela na estação. Ter se apresentado para lavar J'onn, para depois desafiá-lo hoje de manhã quando, aparentemente, a abordagem
do garota boazinha havia fracassado. E agora o aceno na janela, já tentando ganhar a multidão.

Não, Kara não era assim.

Não poderia ser.

Lena Luthor - Supercorp Onde histórias criam vida. Descubra agora