Capítulo 3

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Ao ver essa cena, sem pensar em algo lógico apertei o cabo da minha arma com força, sentindo o frio do metal contra a pele suada da palma. Estava pronta para agir, para acabar com aquilo de uma vez. Mas Tavin, meu parceiro de longa data, estendeu o braço à minha frente, detendo meu avanço com um gesto firme. Fiquei paralisada ao vê-lo se ajoelhar diante do imortal. Meu olhar saltava entre os dois, uma mistura de incredulidade e raiva queimando no peito.

— A que devemos a sua honra, meu irmão? — Tavin disse, com uma reverência na voz que nunca ouvi antes.

Eu quase tropecei para trás, buscando entender o que acabara de ver e ouvir. Tavin, meu amigo, meu irmão de armas, o homem que sempre foi a âncora que me manteve firme, agora se curvava a um imortal, um dos nossos inimigos jurados. E o chamava de irmão, como se fossem da mesma linhagem.

— Irmão? — Minha voz saiu estrangulada pela descrença. — Tavin, eu me recuso a acreditar no que estou vendo. Esse homem é um imortal. Por que está reverenciando ele? — perguntei, cada palavra carregada de indignação.

Tavin manteve-se em silêncio, mas o imortal, de pé diante de nós, esboçou um leve sorriso de satisfação, como se já estivesse acostumado a esse tipo de reação. Seus olhos penetrantes, quase translúcidos, me estudavam como se tentassem desenterrar algo que eu mesma desconhecia. Havia uma quietude sombria nele, uma presença avassaladora que me fazia questionar até minha própria sanidade por estar ali.

— Aysha Beaumont, filha de Cassius Beaumont, historiador dos segredos ocultos dos imortais. Ou devo chamá-la de Aysha Harrington, filha de Lordon Harrington, líder dos humanos? — Ele me avaliava com uma atenção perturbadora, como se estivesse vendo através de mim. — Qual título prefere, senhorita?

Engoli em seco, o coração batendo freneticamente. Como ele sabia tanto sobre mim? Nem mesmo Tavin conhecia minha linhagem inteira. A traição, o choque, a raiva — tudo se misturava em um redemoinho dentro de mim.

— Só vou perguntar uma última vez — murmurei, a voz como uma lâmina fria. — Quem é esse, Tavin? E por que o chama de irmão?

Tavin hesitou, os olhos fugindo dos meus como se pesassem. Finalmente, ele suspirou.

— Roshawn Yoshida, filho mais velho de Hades e... futuro líder dos imortais.

— Hades? — Senti a palavra como um trovão, reverberando em minha mente. Minha respiração ficou presa na garganta.

O nome do rei dos mortos não era um mito para nós, era uma ameaça por ser o líder dos imortais. Um lembrete constante da fragilidade humana diante do poder dos imortais. E ali estava o filho dele, em carne e osso, parado a poucos metros de distância. Eu me senti insignificante, uma mera jogadora em um jogo imensurável.

Roshawn ergueu uma sobrancelha, com um sorriso quase divertido.

— Deixar-se levar pelo medo só demonstra fraqueza, Aysha. Achei que fosse mais... resistente.

A provocação fez o sangue ferver em minhas veias. Num instante, ergui minha arma, os olhos fixos em seu rosto. Estava pronta para atacar, para arrancar aquele sorriso de sua cara. Mas, antes que eu pudesse me mover, Tavin agarrou meu braço, o rosto contorcido de pânico.

— Aysha, para! — Ele gritou, quase em súplica.

Mas era tarde demais. A raiva me dominou. Com um movimento rápido, avancei para atacar, mas Roshawn desviou com uma facilidade absurda, como se pudesse prever cada golpe. Ele nem mesmo parecia se esforçar, apenas se movia com uma precisão sobrenatural, o rosto ainda inexpressivo.

— Você tem habilidade, eu admito. Para uma garota — comentou ele, quase entediado.

— Não ouse me subestimar! — gritei, minha voz cheia de desprezo.

Roshawn deu um meio sorriso, cruzando os braços.

— Aysha, escute! Ele não é nosso inimigo. — A voz de Tavin era um sussurro urgente. — Ele é nosso aliado.

Eu me afastei alguns passos, o coração batendo como um tambor, tentando processar as palavras de Tavin. Aliado? Um imortal? Um vampiro? Olhei para Tavin, buscando um sinal, uma explicação que fizesse algum sentido.

— Ele é o filho de Hades, Tavin! Como pode ser nosso aliado? Ele é um inimigo, uma ameaça! — Minha voz estava trêmula, mas não cedi.

Tavin balançou a cabeça, visivelmente perturbado, mas determinado.

— Não, Aysha. Ele é diferente. Ele é um dos poucos imortais que acreditam que a guerra não deve mais continuar. Ele quer ajudar.

— Ajudar? Como? — minha mente girava.

Roshawn me olhou, seus olhos perfurando os meus. Havia um peso em seu olhar, algo além de arrogância ou frieza. Era um olhar de alguém que conhecia o mundo, alguém que já viu o caos que eu mal começava a imaginar.

— Eu sei onde estão os licantropos, Aysha. — Ele disse com uma calma assustadora. — Posso levá-la até eles, dar-lhe a chance de finalmente ter sua vingança. Mas antes... preciso que confie em mim.

Minha respiração ficou presa. Aquele vampiro, o próprio filho de Hades, sabia exatamente o que dizer para atiçar minha sede de vingança. E ainda assim, havia algo mais naquelas palavras, um tom quase... triste?

— E por que eu deveria confiar em você? — levantei minha arma outra vez, a mão um pouco mais firme.

Roshawn sorriu, um sorriso que parecia conter segredos milenares.

— Porque você é mais do que imagina. É a chave para o equilíbrio entre nossos mundos. A ponte que pode unir humanos e imortais.

A proposta pairou entre nós como uma sentença de morte.

— Os tempos mudaram, Aysha. — Ele continuou, a voz carregada de uma solenidade estranha. — A guerra entre nossos povos não precisa ser eterna. Nós, do Submundo, buscamos uma aliança, e você é a peça-chave para selá-la. Seu sangue, Aysha, é uma fusão de mortalidade e imortalidade. Com ele, podemos criar um novo mundo, onde humanos e imortais coexistam em harmonia.

Tavin se aproximou lentamente, colocando a mão sobre a minha arma, abaixando-a com um toque suave.

— Aysha, confie em mim. Roshawn não é nosso inimigo. Ele quer paz... algo que, talvez, nunca tivemos.

Meus olhos oscilaram entre Tavin e Roshawn, tentando compreender o peso da responsabilidade que ambos depositavam sobre meus ombros. Senti-me como uma peça insignificante em um tabuleiro de forças muito além de mim. Uma única decisão minha poderia mudar o destino de todos.

— E se eu recusar? — minha voz era apenas um sussurro, trêmula com o dilema que se instalava dentro de mim.

Roshawn inclinou a cabeça, sem tirar os olhos dos meus.

— Então a guerra continuará, e mais sangue será derramado. Mas a escolha é sua, Aysha Harrington. Aceitar seu destino como a ponte entre os mundos... ou destruí-lo.

O peso de suas palavras se alojou em meu peito como uma âncora. Aceitar o papel de mediadora significava abandonar tudo que eu conhecia, renunciar minha própria sede de vingança. Mas recusar... significava permitir que o ciclo de sangue e morte continuasse.

A escolha estava diante de mim, ameaçando despedaçar o pouco de certeza que ainda restava em mim. Olhei para Tavin, para Roshawn, sentindo o peso esmagador de um futuro que dependia inteiramente de minha decisão. E pela primeira vez, não tinha ideia do que fazer.

Negociando Com a MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora