Recomeçar

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Me assusto com o despertador marcando exatamente cinco da manhã, me arrasto para fora da cama resmungando feito uma velha rabugenta, paro em frente ao espelho vendo meus cabelos despenteados e as olheiras profundas, resultado das horas de sono que eu perdi estudando até as três da manhã. Os últimos meses tem sido difíceis, mas não impossíveis, aos poucos estou juntando todos os meus cacos, tentando reconstruir toda a minha vida e deixar para trás o meu passado sombrio - pelo menos é o que eu acho que estou fazendo.

Escovo meus dentes, penteio meus cabelos e coloco minha roupa de sempre, calça jeans e regata, pego minha bolsa e desço as escadas correndo encontrando Jolie na cozinha passando o café.

-Bom dia, vamos sair hoje depois da aula de anatomia? -ela pergunta me oferecendo a xícara de café.

-Vamos, preciso mesmo de uma bebida -digo fechando os olhos ao sentir o sabor amargo e doce do café.

-Vou pegar vestidos -Jolie diz eufórica subindo as escadas correndo.

-Vai se machucar -grito para ela.

Pego as chaves do meu carro e vou para a sala, Jolie desce as escadas e me entrega um vestido preto colado e salto alto preto.

-Você sempre esquece o jaleco -ela diz o entregando para mim.

-O que seria de mim sem você! Porque eu tenho que ficar com vestido colado?

-Porque você tem um corpão -ela diz rindo.

Nós duas entramos em meu carro e a primeira coisa que minha amiga faz é ligar o som, estamos cursando medicina e eu me sinto tão feliz por estar realizando o meu sonho, eu sempre quis poder ajudar as pessoas de alguma forma.

-Quando vai me contar tudo o que aconteceu no Brasil? Você me disse apenas algumas coisas.

-Eu ainda não estou pronta, aconteceu tanta coisa... aquele país trouxe azar para a minha vida -digo fazendo uma careta.

-Você sabe que estou aqui por você -Jolie fala afagando meu joelho de leve.

-Eu sei, senti muito a sua falta.

-Eu também, tudo o que eu queria quando meu pai morreu era um abraço seu.

-Acredite, eu também queria isso, eu sinto tanta falta dos meus pais -digo me lembrando do sorriso do meu pai, das vezes em que sentávamos para tocar piano juntos, sinto falta até mesmo das broncas de minha mãe.

-Aquela casa ficou tão triste sem vocês, era somente meu pai e eu e quando ele se foi a casa parecia mais um mausoléu, silenciosa. Tinha dias que eu daria tudo para ouvir você e seu pai tocando.

-Eu senti tanta falta disso também, acho que depois que ele morreu eu nunca mais toquei e nem cantei nada.

Meu pai e eu éramos unha e carne, ele era musico e amava tocar piano, violão, bateria, violino - ele me ensinou a tocar todos esses instrumentos, todos os domingos nós tocávamos o dia todo, eu sinto tanta falta dele que meu peito chega a doer. E minha mãe... sinto tanta falta dela, ela sempre foi uma pessoa rigorosa e séria, mas sempre saiamos para fazer compras, ela era a minha melhor amiga, assim como Jolie, perdi meus pais por um trágico acidente de avião, eu fui a única sobrevivente - todas as pessoas que estavam naquele avião morreram, perdi Jolie por um tempo. Ela é minha amiga dês de que sou criança, seu pai era nosso mordomo, nós o considerávamos da nossa família, tinha Jolie como irmã, pois minha mãe não podia ter mais filhos e ela foi como uma mãe para Jolie - a mãe de Jolie morreu quando deu a luz.

Tudo o que eu tinha, toda a minha família se foi, somente Jolie e eu ficamos, eu não tenho nenhum parente vivo, quando meus pais morreram minha tia ficou com a minha guarda, ela morava no Brasil, mas um mês depois ela morreu - era terminal, tinha um tumor cerebral de grau IV um glioblastoma multiforme, é um dos tipos de tumores cerebrais mais agressivos, fiquei destruída quando eu a perdi.

A ObsessãoOnde histórias criam vida. Descubra agora