cap 08 pv do Kay

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Kay permaneceu na cozinha, imóvel, enquanto a garota se afastava. O som dos passos dela desaparecia gradualmente, deixando-o sozinho com seus pensamentos tumultuados. Ele respirou fundo, tentando acalmar o coração que batia com força no peito, mas a angústia não cedia. A sensação de ter cruzado uma linha proibida continuava a latejar em sua mente.

Ele nunca quis que as coisas chegassem a esse ponto. Sempre foi mais fácil manter as pessoas à distância, esconder-se atrás da máscara e da frieza que ele exibia como uma armadura. Mas ela... ela havia penetrado essas defesas, forçando-o a confrontar sentimentos que ele havia enterrado por tanto tempo. Kay sabia que a atração que sentia por ela era real, intensa, mas o medo que acompanhava esse desejo era ainda maior.

Ele caminhou até a pia e jogou um pouco de água no rosto, tentando dissipar a ansiedade crescente. Quando se olhou no reflexo da janela, onde a luz da lua desenhava contornos suaves, tudo o que viu foi o garoto que ele era antes, escondido de todos, incluindo ela.

Como poderia ela entender? Kay não tinha certeza de como ela reagiria se soubesse a verdade. Ele era um garoto trans, uma realidade que ele mantinha oculta, especialmente dela. A ideia de expor essa parte de si mesmo para alguém que ele realmente gostava o enchia de pavor. Não era só o medo de rejeição, mas também a vulnerabilidade que isso traria. Ele a desejava, sim, mas o que ele desejava ainda mais era que ela o visse por quem ele era, sem a máscara, sem os muros que ele havia erguido.

E se ela o visse de verdade? E se ela olhasse além do corpo que ele tanto lutou para modificar e visse o garoto que ele sempre soube que era? Ela o aceitaria? Ou olharia para ele com repulsa, como tantos outros fizeram antes? Essas perguntas rodavam incessantemente em sua mente, alimentando seus medos mais profundos.

Kay se apoiou no balcão, o peso de suas inseguranças fazendo seus ombros caírem. Ele lembrava do toque dela, da maneira como ela o olhava, e queria acreditar que, talvez, ela pudesse aceitar a verdade. Mas isso significava abrir-se de uma forma que ele nunca havia feito antes, expor-se ao risco de ser ferido como jamais havia sido.

Ela era diferente de qualquer outra pessoa que ele conheceu. Havia uma força nela, um fogo que o atraía, mas também o assustava. Kay sabia que se ela descobrisse quem ele realmente era, tudo poderia mudar. Ele poderia perder aquela conexão, aquele calor que, mesmo por um breve momento, o fez sentir vivo de uma maneira que ele não sentia há muito tempo.

Ele se afastou do balcão, determinado a se afastar dela, mas algo o impedia. A ideia de vê-la ir embora, de vê-la magoada ou, pior ainda, com medo dele, era insuportável. Mas, ao mesmo tempo, a ideia de revelar seu verdadeiro eu o paralisava.

— Você é covarde, Kay — murmurou para si mesmo, passando as mãos pelos cabelos. — Ela merece mais do que isso.

Ele sabia que precisava fazer uma escolha. Continuar a escondê-la atrás da máscara ou arriscar tudo e ser honesto com ela. Mas como ele poderia arriscar? Como ele poderia suportar a ideia de que, se ela soubesse a verdade, ela poderia nunca mais olhar para ele da mesma forma?

A dúvida o corroía. A ideia de que ela pudesse rejeitá-lo, que pudesse ver nele algo que ela não queria, o mantinha preso no mesmo lugar. Mas a lembrança do toque dela, da maneira como ela o fazia sentir-se menos só, o forçava a considerar uma possibilidade que ele sempre evitou.

Com um suspiro pesado, Kay se afastou da janela. Ele sabia que precisava enfrentar a verdade, não apenas para ela, mas para si mesmo. Sabia que não poderia continuar a viver nessa mentira, nesse constante estado de medo e auto-rejeição. Mas ele também sabia que isso exigiria uma coragem que ele não estava certo de possuir.

Naquela noite, enquanto a casa permanecia mergulhada em silêncio, Kay tomou uma decisão. Ele não sabia quando, ou como, mas em algum momento, ele teria que contar a ela. E, quando isso acontecesse, ele esperava que, de alguma forma, ela pudesse ver além de tudo o que ele havia escondido e encontrasse o garoto que, até agora, ninguém conhecia.

Mas, por enquanto, ele precisava de tempo. Tempo para encontrar as palavras, para reunir a coragem, para se preparar para o que poderia ser o começo de algo novo, ou o fim de tudo.

Com essa decisão em mente, ele finalmente deixou a cozinha, caminhando em direção ao seu próprio quarto. A noite estava longe de terminar, e seus pensamentos o acompanhariam por muito tempo ainda. Mas agora, pelo menos, ele sabia qual seria seu próximo passo.

"A máscara era sua proteção, mas também sua prisão. E para alcançá-la, ele teria que se libertar."

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