I. me deixa ir.

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João POV's.

Domingo. 16h.

O ônibus segue pela rodovia, deixando para trás o interior de São Paulo, a cidade na qual eu cresci: Américo Brasiliense. Observo a paisagem familiar ficando menor a cada quilômetro, enquanto meu coração bate em um ritmo irregular, dividido entre a ansiedade pelo novo e uma saudade nostálgica pelos dias bons que vivi naquela cidade, mesmo que ultimamente esses dias tenham se tornado bem raros. Tento me concentrar no céu azul, mas meus olhos acabam recaindo na minha bolsa, ao meu lado. Pendendo da alça, o chaveiro balança suavemente com o movimento do ônibus.

Esse chaveiro é um dos poucos objetos que sempre carrego comigo. Dois pingentes, um do Naruto e outro do Mario Kart. Pedro me deu esses pingentes no dia em que foi embora, no dia em que o vi pela última vez. "Não me esquece!" ele disse, com aquele sorriso que nunca consegui tirar da cabeça. Um sorriso triste, que até hoje não sei bem como interpretar. Seguro o chaveiro, deixando meus dedos deslizar pelos pingentes. Com a peça entre as minhas digitais, que conhecem cada voltinha decor, as lembranças vêm, como sempre.

Flashback on.

O som da TV está alto, Naruto enfrenta mais um inimigo, ele vence. Pedro e eu comemoramos com um berro, ele me abraça. Eu poderia morar nesse abraço.

Minha mãe prepara um lanche e nos chama para a mesa; a gente come desesperadamente, fazendo piadas e rindo o tempo todo. Pedro bagunça meus cachos com seus dedos engordurados, eu reclamo, fingindo que estou mais irritado do que realmente estou. Quando voltamos para o sofá, a mão de Pedro, agora limpa, passeia pelos meus cabelos novamente: acho que ele é obcecado pelos meus cachinhos. Mas dessa vez sua intenção não é bagunçar ou me deixar irritado, sua mão tateia calmamente, enrolando meus cabelos entre seus dedos. Eu fecho os olhos e aproveito o cafuné carinhoso que só Pedro sabe fazer. Mas, é claro, é Pedro, e essa paz não dura tanto porque agora ele está me chamando para jogar Mario Kart, e só Deus sabe como nós dois podemos ser competitivos. A tarde continua com o mesmo ritmo de sempre: a gente joga, grita, compete, briga, e no fim de tudo estamos exaustos. Mas é sábado, o que significa que o dia não precisa terminar cedo; Pedro não precisa ir embora, e eu não quero que ele vá. Eu tomo um banho em cinco minutos, Pedro toma logo em seguida, eu lhe empresto um pijama meu e a gente arruma um colchão no chão para ele com a ajuda da minha mãe.

— Não sei por que a gente ainda insiste em colocar esse colchão aqui, sendo que vocês sempre acabam dormindo juntos na mesma cama e com a TV ligada ainda por cima! — Minha mãe reclama em tom de brincadeira.

— É pra eu ter pra onde fugir quando o João começa a me chutar no meio da noite, dona Catarina — Pedro fala rindo.

— Eu não faço isso! — Me defendo. E, mesmo sabendo que Pedro está falando a verdade, eu forço uma expressão extremamente magoada e ofendida. Gosto de fazer birra, e Pedro sempre acaba cedendo a mim.

— Faz sim! — Pedro insiste, mas então seus olhos se encontram com os meus e ele se derrete. — ...mas tudo bem, eu sei que você não faz de propósito, Jo.

Eu sorrio vitorioso, e Pedro revira os olhos percebendo que caiu de novo na minha lábia. É a nossa sina.

Flashback off.

Lembrar desses momentos da minha infância ainda é algo extremamente doloroso para mim. Não são poucas as memórias como essa, e eu ainda sinto um vazio muito grande ao me lembrar de Pedro. Aqueles momentos eram simples, mas agora parecem ser os mais preciosos da minha vida. Como se fossem as únicas vezes em que o mundo fazia sentido.

Pedro era tudo para mim. Foram 14 anos de uma amizade tão visceral que chega a ser impossível entender como eu sobrevivi quando ele foi embora. Eu ainda sinto muito sua falta. Olho novamente para o chaveiro em minhas mãos e percebo que o estou apertando com muita força, me agarrando totalmente ao objeto, como se ele representasse algo muito maior em minha vida. Talvez realmente represente.

Apesar de ser um objeto que me conforta, toda vez que olho para ele, sinto também uma espécie de pontada no peito. O chaveiro é um lembrete de que nunca tive uma chave, porque eu nunca tive uma casa ou um lar para chamar de meu. Não me entenda errado, eu amo meus pais, amo minha família, mas mesmo assim... é possível que só amá-los não seja suficiente para que eu me sinta realmente acolhido? Acho que sim. Porque é exatamente como me sinto. Sempre senti que eu não conseguia amá-los do jeito que eles me amam, que não sou capaz de retribuir tudo o que eles me deram, e eu me sinto tão culpado por isso. Mas eu sei que precisava os deixar pra me encontrar e descobrir onde eu estou. E é exatamente o que estou fazendo. Foi triste deixar a minha mãe com lágrimas nos olhos, mas acho que ela entendeu que eu precisava ir, sou grato por isso.

O ônibus continua com seu ritmo constante e seu balanço irritante, e aos poucos vejo a paisagem se transformando, suas cores vivas sendo substituídas por uma escala cinza. As árvores e os rochedos vão dando lugar a fábricas e indústrias, casas, prédios... e quando menos espero, já estou dentro da selva de pedra: São Paulo, Capital. Sinto meus olhos marejados, um pouco pela tristeza de realmente ter deixado minha vida antiga para trás, um pouco pelo medo de enfrentar o novo, mas principalmente, pela emoção de finalmente estar nessa cidade que eu sempre sonhei. É grande, imensa, bonita, imponente. Combina comigo, ou melhor, combina com a minha versão que só existe em minha mente, já que na realidade eu sou apenas um menino do interior com sonhos demais e dinheiro de menos.

Nota mental 1: É... realmente não estavam mentindo quando disseram que o trânsito de São Paulo é caótico.

Oii, volto amanhã com outro capítulo :)

PEJÃO | Akai ItoOnde histórias criam vida. Descubra agora