Capítulo 17

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Depois de observá-la por alguns momentos, dei meia-volta e saí do porão, fechando a porta atrás de mim com um estalo seco. O som reverberou pelas paredes, um lembrete do isolamento em que Dalila estava presa. Subi as escadas lentamente, sentindo o peso do dia nas costas, mas também uma estranha calma, como se aquela pequena batalha tivesse me dado uma nova perspectiva.

Decidi que o dia seguinte seria diferente. Eu precisava sair da rotina, variar a dinâmica do nosso jogo. Ao invés de ir diretamente para o trabalho, resolvi fazer algo que há muito tempo não fazia: uma corrida matinal. Antes de tudo isso, correr era uma forma de clarear a mente, de me preparar para os desafios do dia. Agora, parecia mais uma forma de colocar meus pensamentos em ordem, de processar tudo o que havia acontecido nas últimas semanas.

Naquela manhã, acordei antes do amanhecer, vesti minhas roupas de corrida e saí de casa sem fazer barulho. O ar estava fresco, e o silêncio da cidade ainda adormecida era revigorante. Corri por bairros que não visitava há muito tempo, passando por casas e lojas que um dia frequentamos juntos. Cada passo parecia me afastar um pouco mais do caos que se instalou em minha vida, como se estivesse deixando tudo para trás, pelo menos por algumas horas.

Após a corrida, parei em uma cafeteria, algo que eu também não fazia há meses. Pedi um café forte e um croissant, sentando-me em uma das mesas próximas à janela. Do lado de fora, as pessoas começavam a se mover, iniciando suas rotinas diárias. Por um momento, me senti como qualquer outra pessoa, apenas mais um na multidão. Mas o alarme em meu celular me trouxe de volta à realidade. Havia coisas a fazer, compromissos a cumprir, e um jogo que ainda estava longe de terminar.

De volta em casa após um banho, dirigi até o escritório, mas ao invés de me sentar diretamente na mesa e começar a trabalhar, decidi passar em algumas obras em andamento. Como arquiteto, esses momentos eram essenciais para mim. Ver meus projetos tomando forma, transformando-se de meros desenhos em estruturas reais, sempre me dava uma sensação de realização. Falar com os engenheiros, verificar o andamento das construções, ajustar pequenos detalhes... tudo isso me permitia desconectar, ainda que momentaneamente, do que acontecia em casa.

Depois de uma manhã passada entre concreto e plantas baixas, voltei ao escritório. Lá, entrei novamente no personagem que criei para Dalila. Revisei as redes sociais, postei uma foto antiga nossa, algo que mostrava a imagem perfeita de um casal apaixonado, sem dar pistas do caos que realmente vivíamos, como se Dalila ainda estivesse no controle.

As horas passaram rápido, como sempre acontecia quando eu me perdia no trabalho. Por fim, antes de encerrar o dia, revisei novamente todas as mensagens e e-mails.

Quando saí do escritório, o sol já estava se pondo. Entrei no carro e, em vez de ir diretamente para casa, decidi fazer algo diferente. Parei em uma floricultura e comprei um buquê de flores brancas, as favoritas de Dalila, algo que ela costumava amar. Talvez fosse uma forma de testar sua reação, ver até onde ia essa nova fachada que ela estava tentando manter. Depois, parei novamente no restaurante chinês. Embora fosse arriscado repetir a refeição, algo me dizia que seria interessante ver como ela reagiria a um gesto familiar.

De volta em casa, desci para o porão, com o buquê de flores numa mão e a sacola de comida na outra. Era hora de continuar o jogo, ver até onde ela estava disposta a ir, e, mais importante, até onde eu permitiria que ela fosse.

Ao entrar no porão, coloquei as flores na pequena mesa ao lado da jaula, certificando-me de que ela pudesse vê-las claramente. "Jantar," anunciei, colocando a sacola de comida ao lado do compartimento por onde sempre passava a refeição. "E flores, para o toque final." Meu tom era sarcástico, quase desafiador. Eu sabia que ela entenderia a ironia.

Dalila, que estava de costas, se virou lentamente. Seus olhos brilharam ao ver as flores, mas eu percebi que havia algo a mais ali, uma mistura de surpresa e confusão. Ela realmente não esperava por isso.

"Flores?" Ela perguntou, sua voz vacilando por um segundo antes de voltar àquela suavidade irritante. "Você ainda lembra das minhas favoritas..."

"Claro," respondi, enquanto passava a comida pelo compartimento. "Não esqueci de nada, Dalila. Nem de um detalhe."

Dalila olhou para as flores por mais alguns instantes, perdida em pensamentos. Pegou o recipiente de comida, mas em vez de começar a comer, ela me encarou, seus olhos estreitos, avaliando cada detalhe do meu rosto. Havia algo mais naquela expressão do que mera curiosidade, uma tensão que me fez preparar para o que estava por vir.

"Você não trouxe meu café da manhã," ela comentou, a voz carregada de uma falsa calma. "Nem meu almoço. Por quê?"

Seu tom era quase acusador, mas havia uma pitada de genuína surpresa, talvez até decepção. Ela estava tentando sondar, entender se havia algo errado, se eu estava mudando o jogo de maneira que ela não conseguia prever.

Cruzei os braços, sustentando seu olhar com firmeza. "Decidi que hoje seria diferente," respondi, a voz tão fria quanto eu conseguia fazer soar. "Achei que seria interessante ver como você se sairia sem mim por algumas horas."

Ela inclinou levemente a cabeça, como se estivesse processando minhas palavras, buscando algum significado oculto.

"Interessante...," repetiu, como se estivesse experimentando a palavra. "Achei que você tivesse me esquecido, ou talvez estivesse... cansado de mim."

"Esquecer de você?" ri de forma seca, quase desprezando a ideia. "Você sabe muito bem que isso não vai acontecer."

Ela piscou algumas vezes, como se estivesse tentando ler o que havia por trás da minha resposta. "Então foi só um teste? Para ver como eu me comportaria?"

Eu me aproximei da jaula, parando a poucos centímetros do vidro que nos separava. "Talvez," murmurei, "ou talvez eu apenas quisesse um pouco de paz hoje. Um dia para mim, sem ter que cuidar de alguém que, aparentemente, só está fingindo gratidão."

Dalila abaixou os olhos, mordendo levemente o lábio inferior, como se estivesse tentando escolher cuidadosamente suas próximas palavras.

"Eu... realmente aprecio tudo o que você faz por mim, Jungkook," ela disse, tentando mais uma vez aquela voz aveludada, mas eu percebi o leve tremor. "Eu só... sinto sua falta quando você não está aqui. É tudo tão solitário."

Revirei os olhos, me afastando um pouco. "Solitude foi o que você escolheu quando traiu minha confiança," repliquei, mantendo meu tom controlado, mas cheio de veneno. "Então, não reclame do que você mesma criou, Dalila."

Ela mordeu o lábio com mais força, quase até sangrar, como se quisesse conter alguma resposta que lutava para escapar. Mas, no final, ela apenas suspirou, aceitando as palavras sem contestar.

Voltei para a mesa ao lado da jaula, onde as flores ainda estavam, intactas. "Aproveite seu jantar," falei de forma quase indiferente, movendo os recipientes de comida levemente para o lado. "Quem sabe amanhã eu trago o café da manhã e o almoço, se você se comportar."

"Obrigada," ela disse.

Dei um passo para trás, permitindo que ela começasse a comer em paz. Cada movimento seu parecia uma tentativa de me avaliar, de entender o que estava passando pela minha cabeça. Mas o jogo estava longe de terminar, e eu pretendia mantê-la na defensiva, sempre tentando decifrar o que viria a seguir.

𝑷𝑺𝒀𝑪𝑯𝑶𝑷𝑨𝑻𝑯 | 𝑱𝑬𝑶𝑵 𝑱𝑼𝑵𝑮𝑲𝑶𝑶𝑲Onde histórias criam vida. Descubra agora