Capítulo 18

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Era uma tarde comum, como qualquer outra. Eu desci até o porão com o almoço de Dalila, passando pela rotina habitual. Quando cheguei à jaula de vidro, a vi sentada no chão, as pernas cruzadas, parecendo imersa em pensamentos. Coloquei a bandeja de comida no pequeno compartimento que permitia que ela pegasse o que eu trazia, mas, dessa vez, ela não se moveu imediatamente para pegar a comida.

"Vamos jogar um jogo," ela sugeriu, sua voz soando curiosamente animada. Por um momento, fiquei em silêncio, considerando a proposta. Dalila raramente pedia algo tão diretamente assim.

"O que tem em mente?" perguntei, cruzando os braços, curioso com o que ela estava tentando.

"Algo simples," respondeu, movendo-se lentamente até a bandeja de comida. "Podemos jogar algum jogo de tabuleiro ou cartas. Só para passar o tempo."

Eu sabia que isso não era só para "passar o tempo". Ela estava sempre com uma agenda oculta, tentando me manipular de alguma forma. Mas, naquela tarde, senti vontade de jogar o jogo dela. Talvez para ver até onde ela estava disposta a ir.

"Está bem," concordei, pegando um dos jogos que mantínhamos guardados para essas ocasiões. Era um jogo de cartas, simples, mas que exigia atenção e estratégia. Montei o tabuleiro no chão, perto da jaula, e começamos.

No início, jogávamos em silêncio, concentrados em nossas cartas. Dalila fazia pequenas pausas para pegar sua comida e mastigava lentamente, como se estivesse pensando em suas próximas jogadas. Mas logo o silêncio foi quebrado.

"Você está melhorando nisso," ela comentou, uma nota de falsa admiração na voz. "Não que seja uma surpresa, claro. Sempre foi bom em tudo que se propõe a fazer."

"Isso inclui manter tudo sob controle," respondi de maneira casual, sem desviar os olhos do jogo. "Você sabe, alguém tem que garantir que as coisas corram bem por aqui."

Ela sorriu, mas era aquele sorriso que não alcançava os olhos. "Claro, claro. E você faz isso tão bem. Quem diria que um arquiteto seria tão versátil."

"Versátil?" Perguntei com uma sobrancelha erguida, jogando minha carta. "Eu prefiro pensar em mim como... adaptável."

Ela pegou sua próxima carta, mas fez uma pausa, levando outro pedaço de comida à boca. "Adaptável," repetiu ela, deixando a palavra pairar no ar. "Talvez. Ou talvez você seja apenas bom em se ajustar às circunstâncias que você mesmo cria."

Fiquei em silêncio por alguns segundos, estudando suas palavras e a maneira como ela as pronunciava. "É necessário, considerando o quão imprevisível a vida pode ser," respondi, mantendo minha expressão neutra. "Especialmente quando você tem que lidar com certas... traições."

Dalila não perdeu o ritmo. "Traições, sim," ela disse, sua voz quase se tornando um sussurro enquanto jogava sua próxima carta. "Mas traição é uma palavra tão pesada. Nem sempre é tão simples, não é?"

"Nem sempre," concordei, sorrindo levemente. "Mas às vezes, a simplicidade é justamente o que falta."

E assim continuamos, trocando palavras falsamente gentis enquanto as cartas caíam. Cada frase era carregada de subtexto, uma tentativa de minar a determinação um do outro. E mesmo enquanto ela fazia pausas para comer, Dalila nunca deixou de tentar sondar minhas intenções, assim como eu as dela.

No final, o jogo de cartas não era apenas um passatempo; era mais um campo de batalha, onde cada movimento, cada palavra, era uma tentativa de ganhar vantagem sobre o outro.

Terminei o jogo com uma vitória tranquila, o que parecia incomodar Dalila, mesmo que ela tentasse esconder isso com um sorriso tênue. Sua última jogada foi previsível, e eu já estava um passo à frente, como sempre. Coloquei minhas cartas na mesa, virando-as com um gesto final que decretava o fim daquela partida.

"Ganhei," declarei com uma calma estudada, observando suas reações.

Dalila piscou lentamente, como se estivesse absorvendo a derrota. "Você sempre ganha," ela comentou. Em seguida, terminou o último pedaço de comida no prato e pegou a garrafa de água, desenroscando a tampa com uma lentidão quase provocativa.

Enquanto bebia, ela não desviava o olhar de mim, como se ainda tivesse mais a dizer. Algo nela estava diferente, como se o jogo tivesse apenas aberto o caminho para o que realmente queria discutir.

"Você já parou para pensar," começou ela, colocando a garrafa de volta no chão, "em como, mesmo nas menores coisas, sempre precisa estar no controle?"

Sorri ligeiramente, sem me deixar afetar pela provocação. "Controle é importante. Alguém precisa tê-lo. Especialmente em situações como a nossa."

Ela riu suavemente, mas o som era vazio, desprovido de alegria. "Você fala como se tudo fosse um jogo," disse, inclinando a cabeça para o lado. "Como se houvesse sempre uma estratégia, uma maneira de ganhar."

"A vida é um jogo, Dalila," respondi, com o mesmo tom calmo e controlado de antes. "Cada movimento importa, cada escolha tem uma consequência. E aqueles que jogam melhor, vencem."

Ela tomou outro gole de água, seus olhos nunca deixando os meus. "Mas e se o jogo já estiver perdido desde o início? O que você faz então?"

A pergunta era direta, uma tentativa clara de perfurar a armadura que eu havia construído em torno de mim. Por um momento, o silêncio se alongou entre nós, carregado de tensões não ditas.

"Eu não perco," repliquei finalmente, o tom mais sério. "Eu nunca começo um jogo que não posso vencer."

Ela sorriu, mas havia tristeza em seus olhos. "Talvez seja isso que te assuste tanto," murmurou, quase para si mesma, antes de voltar a beber a água.

Eu a observei por alguns segundos, tentando decifrar suas intenções. Ela estava tentando se aproximar, encontrar uma fraqueza, ou isso era apenas mais um jogo dentro do jogo? Não importava. Eu estava pronto para qualquer coisa que viesse.

"Acabou o almoço," falei, quebrando o silêncio. "Vamos encerrar o jogo por aqui. Amanhã, talvez, joguemos outra partida. Quem sabe você tenha melhor sorte."

Ela me olhou, uma mistura de desafio e aceitação em seu rosto. "Amanhã, então," concordou, mas algo em sua voz me disse que a verdadeira partida ainda estava por começar.

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⏰ Última atualização: Oct 02 ⏰

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