Capítulo três
Por que está agindo assim comigo?
— Vossa Graça! Vossa Graça! — uma cobra de duzentos anos de vida entrou 'correndo' desengonçadamente no salão. Sua forma humana era recente, logo, ainda não se acostumou com as 'pernas'. — Há alguém lá fora desejando vê-lo! — informou e o deus que descansava abanado por algumas criadas (que também eram répteis), bocejou e abriu os olhos. Deitado num chaise lounge* de madeira avermelhada, se virou, ficando de frente para a entrada, apoiando o cotovelo direito no único braço do sofá. Vestia uma túnica verde claro com algumas flores brancas bordadas. O tecido era delicado, e pela maneira como estava deitado, assim como o cabelo que caía entre seus ombros e rosto, ele se acumulava à frente, expondo suas pernas e pés descalços.
— Quem seria? — mesmo que odiasse roupas (desnecessárias demais para um jabuti), vestia em respeito a um amigo, um pássaro travesso, que costumava visitá-lo durante a primavera e presenteá-lo com trajes feitos sob medida. Bordados em fios de ouro eram abundantes para a realeza mortal, mas raros onde viviam, tornando-se incomum até para um Alto Deus vesti-los com frequência. Bocejou. — Espero que seja importante, já lhe avisei que não é para me acordar à toa! — bocejou novamente. Dos imortais, a sua aparência era a mais cobiçada e muitos curiosos (sem convite) o visitavam com presentes para pelo menos vê-lo uma vez, já que depois da última guerra, tornou-se recluso. — Se for mais um daqueles (irritantes) imortais menores insistindo em ver-me, recolha os presentes e diga que: "por me sentir ansioso com as mudanças do mundo", entrei em um período indeterminado de isolamento.
— Mas... Vossa Graça... já deu essa desculpa na semana passada! — alertou e contrariado, a divindade crispou a testa.
— Diga que eu adoeci então... não, não diga isso! — voltou atrás, pensou melhor, porque que 'saudável' insistiam em vê-lo, a notícia de qualquer mal-estar da sua parte, pioraria o assédio. Suspirou e fez aparecer um cachimbo. — Diga que saí para rezar pela alma dos meus ancestrais. Eles não atrapalharão o meu momento filial, correto?
— Vossa Graça, não acho que seja um 'imortal menor', ele fede a sangue e insistiu para vê-lo! — contou e essa informação fez o Alto Deus sentar-se alarmado, que também perguntou: "Como assim ele fede a sangue?", questão que a jovem cobra parecia inquieta demais para conseguir responder (e não sabia responder). Então, o jabuti levantou e caminhou descalço até a entrada de onde morava. Aquela mansão localizada em uma região de abundante energia espiritual, foi um presente do Lorde Celestial, após o encerramento das batalhas ocorridas nos últimos anos (há muitos anos...) e lá vivia porque gostou ambiente, mas a 'invasão' constante de seres exigindo vê-lo estava o incomodando para cogitar mudar-se.
Chegou na entrada e, ajeitando as mangas longas, suspirou. — Quem quer ver-me? — perguntou arrogante, postura que não se firmou, pois em vez de irritantes 'pedintes' de milagres, encontrou um jovem que mal ficava em pé de tão ferido. Sua túnica, além de rasgada, estava suja de sangue e terra. Para o deus, os ferimentos não pareciam aqueles obtidos em duelos, mas sob tortura. Sendo assim, o seu olhar indiferente mudou um pouquinho e sentiu o mais próximo que dava de compaixão.
Com uma das mãos, ele pressionava o corte profundo no abdômen e, perdendo as forças restantes, caiu de joelhos, levantando poeira. Tossiu e cuspiu sangue, deixando lábios manchados de vermelho. Não parecia acuado ou respeitá-lo como o esperado dos outros seres, fitava o deus com seriedade.
Eles trocaram olhares por alguns segundos.
O jovem tossiu mais uma vez e cuspiu mais sangue. Com uma clara expressão de dor, tirou da roupa um pingente de jade retangular, que foi reconhecido pela divindade. Disse: — Há quinhentos anos, em batalha, foi ajudado por alguém de minha família e disse que, não importaria o motivo, ajudaria qualquer um que possuísse esse pingente!
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Ei, você! Dá 'pra olhar para mim? (Yungi)
FanfictionDepois de receber ajuda do vizinho durante a infância, Mingi, um jovem autista, ao longo do tempo, desenvolveu sentimentos românticos por ele. Mas com o nome 'paixão unilateral' já explica: por ser alguns anos mais velho, Yunho o via como um 'pirral...