Capítulo 1

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As grades eram frias e espessas, nada muito diferente do meu quarto. Às vezes, era dessa mesma maneira que me sentia; presa e sem realmente ter um lugar para ir, minhas células quase suplicavam por luz do sol e meu estômago pedia por mais do que batatas e suco quente de pêssego.

Já havia passado algumas horas desde que fui jogada aqui dentro, sequer pude me defender. Um batalhão de homens armados invadiu meu apartamento em busca de um terrorista parrudo, confesso que me senti ofendida quando os ombros de todos eles cariam ao me ver enrolada em um cobertor rosa com várias estampas da Hello Kitty.

Ainda estou colocando a culpa nela.

Preciso atualizar minhas roupas de cama.

Fui imobilizada como uma marginal e arrastada para a delegacia, o que me pareceu brusco demais, eu teria comparecido só de respirarem perto de mim. Além de não ter forças nem para levantar um balde cheio de água; eu deveria ter ouvido minha mãe em relação a me exercitar, mas nunca vi razão para isso.

Sempre passei horas na frente do computador e com isso conseguia fazer dinheiro suficiente para me sustentar. Às vezes era ilegal, mas nada que pudesse prejudicar pessoas reais. Outras vezes, me contratavam para coisas bobas como: hackear o telefone do namorado, ou fazer com que um trote interligasse todos os telefones de alguma universidade.

Não há como descrever as coisas que já vi invadindo telefones de homens e pretendo não estragar mais meus olhos com isso.

Hora ou outra, algum segurança passava na frente da cela e me olhava com decepção nos olhos, da primeira vez, nem mesmo pensei que fosse para mim. Mas eu estava sozinha na cela, vestida com o pijama da noite anterior.

Minha mãe teria vergonha de mim.

Cutuquei tanto os meus dedos que em algum momento estúpido, acabei arrancando a droga da pele ligada a cutícula, o que me fez gritar pela dor.

— Espero que esteja confortável — e esse foi o motivo de ter errado o lugar certo de puxar a cutícula com os dentes. — Vai passar a noite aqui, Selene e amanhã daremos início no processo de prisão.

Meu sangue parecia estar sendo sugado a cada palavra que ecoava na cela suja e escura da delegacia.

— Espera, estão brincando, não é? — A policial mudou a perna de apoio do corpo e fez o desdém voar até mim como uma nuvem de entorpecentes.

— Você e seu pijama ridículo conseguiram roubar o banco central e roubar mais dinheiro do que recebo por anos, achou mesmo que não seria pega?

Meus dentes bateram em nervosismo e a armação começou a deslizar pelo topo do meu nariz, o nervosismo me fazia suar como uma porca.

— Pelo menos não matei ninguém, certo? — Encolhi os ombros, ela me fuzilou fechando a cara e escondeu as mãos dentro do colete. — Desculpe.

— Mais uma piada e farei com que fique na cela ao lado.

Eu definitivamente não podia ficar na cela ao lado, haviam mais de quinze homens parrudos misturados com magricelas chapados. Um deles tinha tantas tatuagens que me fez pensar se ele teria também em sua bunda, era uma questão justa. Sobraria muita pele e acabaria ficando esquisito. Talvez não mais do que ficar com a bunda para cima na mesa do tatuador.

A imagem me fez estremecer.

— Sinto muito, não foi minha intenção... — eu deveria aprender a controlar a língua, os anos falando por fones e pessoas que nunca vi em toda a minha vida havia corrompido minha interação social.

Ela cambaleou para trás e me abandonou na cela.

Sabia que isso poderia acontecer, mas não que fosse tão rápido. Tomei todas as precauções e todas os cuidados possíveis, a não ser que fosse outro gênio do outro lado do computador, seria impossível me rastrear.

Exalei, me sentia nervosa e sabia que parte dos homens do outro lado cochichavam sobre mim. Assim que cheguei zombaram em bom som sobre "o que será que aquela menina magricela está fazendo aqui?", minha aparência, pelo jeito, não passava muita credibilidade.

Na verdade, eu pouco me importava com isso; a tela do computador era a minha única e verdadeira amiga — pelo menos até me delatar —, consegui tudo o que tenho por causa dela e dessa vez, precisei muito mais do que eu poderia ter.

David era um menino ligeiramente robusto quando descobrimos que ele tinha mieloma múltiplo, lutamos com todo o dinheiro que tínhamos até que não havia mais. Ele entrou em uma falsa remissão e nos últimos meses, descobrimos que ele havia voltado com tudo. Agora, ele não passava de um saquinho de ossos mirrado.

Meu pai deu no pé quando eu tinha dez anos, então minha mãe e eu éramos as únicas pessoas que esse pestinha tinha. Com algumas pesquisas, descobri que poderia haver um tratamento que poderia curar a peste desse garoto — digo, esse garoto insuportável, o que ele tem é câncer mesmo —, mas não tínhamos quinhentos mil para dar nesse tratamento.

Fui proibida de ir atrás do dinheiro, ela sabia que eu poderia consegui-lo em horas, mas também sabia dos riscos que eu correria. No entanto, o plano de saúde não deu sequer um parecer sobre negar cobrir o tratamento, isso me fez sentar por trinta minutos na frente do computador e acabar — entre aspas —, transferindo esse valor para uma conta fantasma das ilhas Cayman.

Paguei por todo o tratamento.

Bom, não foi realmente eu, mas levarei o crédito por ter passado pelas barreiras de segurança como quem pula amarelinha.

Ele começará o tratamento em dois meses, assim que a radiação diminuir em seu corpo. Pelo que disseram, ele precisa estar limpo para poder dar início, o que me deixou nervosa, mas aceitei mesmo dando a eles o valor de uma ilha.

Então, eu roubaria do governo quantas vezes fossem necessárias para conseguir que o pirralho tenha ao menos uma pequena chance de viver confortavelmente. Ainda que minha mãe não tenha decidido se irá me quebrar ao meio por ter feito algo tão perigoso ou por se orgulhar da minha genialidade.

O frio estava começando a fazer os meus ossos baterem, o que não era difícil, o próprio preso franzino e drogado da cela ao lado me fez o favor de lembrar do quão magricela eu era. Meu pijama mal cobria minhas coxas, estava jogando online quando fui surpreendida.

Daria tudo para ter meu cobertor repleto de Hello Kitty's, ao menos estaria aquecida.

A cela só tinha uma privada de ferro encardida e o banco onde eu estava sentada, também havia uma prostituta, mas foi liberada assim que um de seus clientes veio ao seu resgate. Aparentemente, um deles não quis pagar e ela o esfaqueou com uma chave de fenda. Ele passa bem.

As pontas dos meus dedos estavam congeladas e duras quando invadiram a cela que eu estava tentando dormir, sem telefonema, sem advogado ou sequer um copo de água.

Homens engravatados entraram antes da loira de terninho aparecer como se estivesse em uma passarela, se eu contasse para @MajorMorte, ele jamais acreditaria em mim.

— Parece que você deva ser a mocinha que invadiu o banco central.

— Senhora, eu tenho vinte e cinco anos. — Resmunguei e ela franziu o cenho. — E você não tem provas disso — talvez eu estivesse perdendo totalmente o meu juízo. — Fui trazida até aqui sem provas, poderia por favor me tirar desse lugar, estou literalmente sentindo como é ser um picolé em processo.

Um sorriso levantou o canto da boca dela antes de se sentar ao meu lado.

— Selene Wilson, vinte e cinco anos. Tem um irmão de dezesseis que sofre de Mieloma Múltiplo, o que fez você roubar graciosamente exatamente meio milhão do banco central. O que mais? Bom, foi abandonada pelo pai aos dez anos e sua mãe, Claire, tem tido sua ajuda desde sempre para cuidar do seu irmão. Infelizmente sabemos até mesmo o nome dos amigos virtuais que você tem no Japão.

Meu sorriso morreu e uma onda de ansiedade ondulou pelo meu corpo, eu estava ferrada. 

ERRO 404 - Um Jogo PerigosoOnde histórias criam vida. Descubra agora