O Segredo Do Legado

"Face cruel."

A menina cruza os braços, tentando disfarçar a vulnerabilidade que sentia.
— Indigno? — Ela repetiu, dando um passo à frente, o rosto poucos centímetros do dele, a diferença de altura evidente. Quem ele pensará que era para julgar sua forma de ser? Ela havia sobrevivido a coisas que ele nem sequer sonhava.
— Eu estou lutando! Cada decisão que tomo é baseada no que acredito ser certo.
Yohan estreitou os olhos, o rosto impassível, mas havia uma faísca de emoção ali, ele lutava para controlar. Ele podia sentir a intensidade de Hiroshi, o peso das suas palavras. Por mais que quisesse rebater.
— Você não entende... Confiança é construída com tempo e ações, não são palavras. — fala ele.
— Yohan, eu entendo o que é ser julgada pela minha aparência, pela minha idade, pelo meu jeito. E eu não vou ser uma sombra sua. — ela disse, a voz carregada de emoção.
— Se você quer ser levada á sério precisa mostrar isso nas sua decisões. Não estou dizendo que esta sempre errada, só quero que entenda as consequências de seu comportamento. - disse ele, suspirando fundo, tentando manter a frieza. Ele não estava acostumado a ser desafiado dessa forma. Sua formação como Espadachim da Rainha o ensinará a ser disciplinado, focado e nunca deixar suas emoções ditarem suas ações. Mas Hiroshi... ela era diferente, era como um furacão, imprevisível e indomável.
— Eu nunca disse que deveria ser uma sombra. — continuou ele. — só quero que compreenda os riscos que suas ações podem te levar, você quase morreu minutos atrás.
Hiroshi tentava entender o que Yohan queria dizer, mas a frustração era maior, ele a menosprezava? Igual ao que seu próprio pai fazia? Essa missão havia sido muito turbulenta, muitas descobertas tremendas.
— A Rainha me convocou para trabalhar aqui, me tratando como se eu fosse uma ferramenta capaz de resolver todos os problemas que ela mesmo causa. Eu não sou uma pedra, Yohan, não sou imbatível como você. Miyamoto me ensinou a pensar com o coração. — disse a menina, quase perdendo o fôlego.
Antes que Yohan pudesse responder, o corpo da garota desabar.

Yohan observou Hiroshi deitada inconsciente, respirando de forma irregular. Ele sentiu uma onda de culpa e preocupação se misturarem em seu peito. Ele sabia que suas palavras haviam sido duras, mas não imaginava que o impacto emocional sobre ela fosse tão grande. Hiroshi era uma samurai guerreira, forte e determinada, mas, naquele momento ele foi lembrado de quão jovem ela realmente era.
Dezessete anos... ainda uma menina, carregando um peso enorme em seus ombros, mas no tempo em que viviam isso era comum.
"Pensar com o coração", ela dissera.
Yohan nunca pensara dessa forma. Para ele, tudo se resumia a lógica, estratégia, e disciplina. Talvez fosse isso que o tornava tão eficiente aos olhos da Rainha, mas também era o que o tornava incapaz de entender totalmente Hiroshi. Ela tinha algo que ele não possuía — uma paixão, uma vontade de lutar que vinha de um lugar maiss profundo do que apenas o dever. Algo que ele começava a perceber que faltava nele.
Ele verificou o pulso da garota, sentindo a pulsação ainda forte sob seus dedos. Ele sabia que precisava agir rapidamente para sua segurança. A noite se tornava mais sombria, e isso era perigoso. Arrumou o abrigo, colocando o corpo desacordado da garota acima de panos confortáveis. A parede da cabana bloqueava o vento frio da noite. Cobriu-a com o manto que o criado da garota havia mandado.
Yohan se perdeu no rosto pálido da garota, ela estava desacordada, mas a expressão confusa permanecia no seu rosto. Ele olhou ao redor, seus sentidos em alerta máximo. Sabia que o mercenário da cicatriz ainda estava desacordado, mas não podia arriscar. Saiu da cabana, encontrando o corpo do homem estirado ao chão, o arrastando para perto do tronco de árvore mais próximo, amarrando o corpo do homem em volta da árvore. Isso o seguraria até o amanhecer, já que Yohan provavelmente não conseguiria tirar os olhos do corpo pálido da menina.
O Espadachim retornou para dentro da cabana, sentando-se ao lado do corpo dela, sua mente trabalhando a mil por hora. "Pensar com o coração." Como alguém pode ser um grande guerreiro e, ao mesmo tempo, permitir que suas emoções guiassem suas ações?
O silêncio da noite era perturbador, os seus pensamentos pareciam gritar em voz alta, nem os estalos dos galhos era capaz de o assustar mais do que as palavras da garota que abrigaram-se na sua mente.
Yohan se sobressaltou quando ouviu um barulho alto, não identificando qual o motivo, ele saiu da cabana. Olhando na direção do mercenário amarrado, que havia despertado. Ele tentava inutilmente se soltar.
— Está fazendo isso muito alto, não quero que incomode ela.— disse Yohan para o mercenário, que se assustou com a voz, parando imediatamente de tentar se soltar

O mercenário olhou para Yohan, com os olhos arregalados de surpresa.
Sua respiração ficou pesada, e o suor escorria por sua testa.
— Você.... — murmurou o mercenário, ofegante. — vai me matar agora, não é?
Yohan manteve-se em silêncio por um tempo. Em seu rosto não havia qualquer expressão. Ele estava sereno.
— Não.— Yohan respondeu, com a voz firme. — Vamos te levar até a Rainha.
O mercenário engoliu em seco, o olhar fixo em Yohan. — Não! — gritou ele. — Me torture, me mate, tudo menos isto.— disse o mercenário, completamente aterrorizado.
Yohan sorriu assassino, sabia mais do que tudo, qualquer mercenário que fosse temeria ser levado para enfrentar seus atos perante a Rainha Vermelha, ainda mais por ter roubado algo valioso dela.
Yohan se aproximou, agachando-se até ficar no nível dos olhos do homem. — Talvez tivesse pensado melhor antes de ter roubado algo da Rainha?— questionou Yohan, provocante.
ele apontou para o livro. — Você sabe de muita coisa, a Rainha não vai gostar de nada sobre isso. — ameaçou o Espadachim, sorrindo travesso. O olhar negro era hipnozante. O Yohan frio, havia dado espaço para um completamente cruel.
O peito do mercenário subia e descia incontrolável. Yohan sorriu com a vista, era sempre agradável ver esse tipo de pessoa sofrendo, alimentava o seu monstro que tentava escapar.
— Descanse bem, amanhã será uma longa caminhada. — Yohan diz, dando as costas para o mercenário apavorado atrás de si.

O mercenário tremia desesperado. Ele sabia o que o aguardava se fosse entregue à Rainha Vermelha: uma morte lenta e dolorosa, ou uma vida repleta de miséria. A Rainha era conhecida por sua crueldade, e não perdoava nada, especialmente quando se tratava de um segredo tão obscuro.
— Você sabe tudo que tem neste livro, não sabe?— Gritou o mercenário, numa tentativa de fazer com que Yohan parasse de andar para prestar atenção em si.
— Deve saber, já que é um peão da Rainha. Por que a defende tanto?sabe que não estou errado em querer que o mundo saiba o que ela aprontou.— o homem disse entre dentes. — Você é exatamente igual a ela, cruel como nunca. — continuou o homem. Yohan para imediatamente, virando-se de frente para o mercenário. Por mais que se orgulhasse de ser um samurai disciplinado, havia uma parte dele que se deliciava com a visão daqueles que considerava indignos sendo punidos.
Uma sombra dentro de si, uma parte de sua alma que ele preferia ignorar.
— Sim, eu sei o que há no livro. — Yohan fala, balançando a cabeça positivamente.
— Então por que? — O mercenário questiona, os olhos implorando por piedade.
— Ela não sabe, não é? — pergunta novamente o homem, sinalizando para dentro da cabana.
— Não. Nem ouse tentar. — Yohan fala, ameaçadoramente.
— Ela não merecia estar ao lado de vocês! — o mercenário exclama.
— Se não merecia, você deveria ter feito o trabalho direito e cortado-a garganta fora. — disse Yohan, friamente.
— Você é como ela! — o mercenário acusa, indignado.
— Não me orgulho, mas talvez eu seja. — Yohan finaliza o assunto, indo para a cabana, deixando o mercenário corroer em medo.

— Tsk.— Yohan murmura, ao se assustar com a cantaria dos pássaros da flores, sinalizando que já havia amanhecido. Olhando para o lado, ele percebe Hiroshi ainda dormindo, parecia exausta. Ele coça seus olhos com as mãos, procurando algo para alimentar a garota quando ela acordasse