ℰstava ajoelhada diante do altar, as mãos trêmulas segurando o rosário com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. As contas frias deslizaram entre meus dedos enquanto recitava as palavras que conhecia desde criança.
Na pequena capela da cidade, as velas tremulavam com a brisa suave que passava pela porta entreaberta.
A luz era suave, mas para mim, a atmosfera parecia densa, quase sufocante. O aroma de incenso queimava em meu nariz, e a sensação de que meus pecados estavam sendo observados fazia meu coração bater rápido.
— Ave Maria, cheia de graça..— Repetia, mas as palavras não traziam a paz de que eu precisava.
Meus olhos se fecharam com força, tentando expulsar da mente a imagem que me perturbava há dias. Mas era inútil. A mesma visão voltava, sedutora, implacável.
O toque de uma mão invisível deslizava pelo meu pescoço, descendo lentamente pela curva de meus ombros nus. Os lábios de alguém — quem? — se aproximavam de minha orelha, murmurando palavras que nunca ousaria dizer.
O calor da respiração, o arrepio na pele... e, então, coberta de suor frio.
Abri meus olhos, o peito arfando. O rosário caiu de minhas mãos, os pequenos estalos das contas ecoando pela capela vazia. Ajoelhou-se ainda mais, como se o peso de meus pensamentos me esmagasse contra o chão.
— Perdão, Senhor... — sussurrei. — Perdão...
Tentei por pensar em algo puro, algo que apagasse aquelas imagens indecentes. Meu olhar desviou para a grande cruz de madeira acima do altar, onde Cristo sofria, crucificado, com o semblante de dor e sacrifício.
Senti uma pontada no coração. Sabia que deveria ser como Ele, carregar a própria cruz em silêncio, renunciando a qualquer prazer mundano. Mas por que minha mente sempre me traía?
No fundo, algo dentro de mim sabia que não era só a tentação comum. Havia algo mais sombrio, mais profundo. Desde a chegada de Peter, o novo pastor da igreja, algo havia mudado dentro de mim.
Ele era um homem de presença marcante, sempre falando com paixão e fervor sobre a pureza e a redenção. Quando ele pregava, os fiéis ficavam cativados, e eu... sentia-se hipnotizada.
Peter parecia olhar dentro de minha alma. Sempre que nossos olhos se encontravam, um calor estranho me envolvia. Um calor que não era espiritual, mas visceral. Era errado. Sabia disso. Mas não conseguia evitar.
Levantei-me, desajeitada, os joelhos doloridos. Recolhi o rosário do chão e tentei se recompor. Precisava confessar. Aquele desejo que crescia dentro de mim era uma ofensa grave, uma prova de que minha fé estava falhando. Mas não podia admitir isso a ninguém. Como confessar que, ao invés de encontrar consolo nas palavras de Peter, encontrava-se perdida em fantasias que me faziam se sentir suja e impura?
Enquanto saía da capela, a luz do final da tarde iluminava a entrada. Lá fora, o mundo seguia em seu ritmo habitual. O som distante de crianças brincando, o murmúrio da cidade pequena, tudo parecia tão comum e sereno. E ainda assim, dentro do meu corpo, havia um furacão.
Enquanto caminhava para casa, passando pela praça central, ouvi risos vindos de uma pequena galeria de arte.
O lugar sempre fora discreto, mas algo me fez parar. Olhei para dentro, através da grande janela de vidro, e vi um homem com cabelo desgrenhado, inclinado sobre uma tela. Ele sorria de forma despreocupada enquanto manchava suas roupas com tinta, como se não houvesse uma única preocupação em sua mente.
Desviei o olhar rapidamente e segui meu caminho, sentindo o coração bater mais rápido. Um chamado silencioso, uma sensação que não conseguia identificar.
Passei pelo caminho de paralelepípedos até minha casa, uma construção antiga e modesta, mas cheia de símbolos religiosos, com quadros de santos pendurados nas paredes e crucifixos em cada cômodo.
Minha mãe, uma mulher devota e austera, sempre dizia que a fé era a muralha contra as tentações do mundo, e eu sempre acreditara nisso. Mas, naquele momento, minhas próprias muralhas pareciam estar ruindo.
Quando entro em casa, minha mãe me olha de relance da cozinha, onde preparava o jantar.
— Como foi a missa, filha? — perguntou, sem desviar a atenção da panela fumegante.
— Foi... boa — respondi, a voz baixa, hesitante. — Estou cansada. Vou me deitar.
Subi rapidamente as escadas, sentindo o peso do olhar de minha mãe, mesmo que eu não tivesse dito nada. Sabia que não podia esconder para sempre minhas inquietações, mas hoje, pelo menos, precisava de um momento de solidão. Tranquei-me em meu quarto, o único lugar onde podia me permitir ser frágil.
Me sentei na cama e olhei pela janela, a noite já começava a cair, e o céu era uma mistura de tons alaranjados e azul-escuro. Meu coração ainda estava agitado, e as imagens de meus sonhos me atormentavam, ainda tão vívidas em minha mente.
Deitei-me, puxando o cobertor sobre meu corpo, como se aquilo pudesse me proteger do que estava sentindo. Mas não havia como fugir. Os pensamentos retornavam com força, e com eles, a figura de Peter.
O pastor com sua postura imponente e olhar severo, o símbolo de tudo que deveria aspirar. Mas, agora, eu não conseguia mais vê-lo apenas como um guia espiritual. Havia algo mais.
Fechei os olhos, desejando encontrar a paz do sono, mas o que veio não foi o alívio que esperava.
De novo, aquele toque imaginário. O calor de mãos invisíveis em minha pele. Mas desta vez, não era só Peter em meus pensamentos.
Um segundo vulto se formava nas sombras, os traços indefinidos se tornavam claros, e o rosto que surgiu era o de Josh, o pintor da galeria. Ele não falava, mas seu olhar penetrava fundo, desafiador e cheio de mistério. E naquele sonho, Eu não resisti. Me entreguei ao que sentia.
Com um sobressalto, acordei ofegante. A respiração descompassada, o suor frio escorrendo por minha testa.
Levantei rapidamente e olhei ao redor do quarto escuro, como se esperasse encontrar alguém ali. Mas estava sozinha.
Sozinha com meus desejos, sozinha com minha culpa.
Naquela noite, ajoelhei mais uma vez, com as mãos pressionadas contra o peito, os lábios formando orações que não carregavam mais a fé inabalável de antes. No fundo, sabia que, por mais que rezasse, por mais que se penitenciasse, algo em minha vida estava prestes a mudar.