𝒜 manhã seguinte chegou envolta em uma estranha calmaria. O céu estava cinza, e a leve brisa trazia uma sensação de antecipação, como se algo estivesse prestes a acontecer.
Meu coração ainda estava confuso, mas, depois de dias de afastamento, eu sabia que não poderia continuar evitando a galeria e Josh para sempre. Precisava encarar o que aconteceu e tentar entender como seguir em frente.
Decidi que iria à galeria naquela tarde. Não poderia mais fugir de Josh, nem do que sentia. Entretanto, antes que eu pudesse me organizar para sair, Peter apareceu inesperadamente no portão da minha casa. Ele estava vestido casualmente, sem o hábito sacerdotal, o que já era incomum.
— Selene, posso falar com você? — ele perguntou, sua voz carregando uma suavidade que, nos últimos dias, havia se tornado incômoda.
— Claro, senhor. Entre — respondi, tentando parecer mais tranquila do que realmente estava.
Enquanto entrávamos na sala, o silêncio entre nós era carregado de tensão.
Peter sentou-se à mesa e me olhou com intensidade, como se estivesse avaliando cada movimento meu, tentando decifrar algo que ainda não tinha compreendido por completo.
— Eu estive pensando... — ele começou, a voz baixa. — Acho que estamos em um momento crítico, você e eu.
Meu estômago se revirou. Sabia que ele estava se referindo à nossa conversa anterior, ao meu distanciamento e, provavelmente, à minha relação com Josh.
Mas a forma como ele falava, como se estivéssemos conectados de uma maneira que transcendia o que eu entendia ser nosso vínculo, me deixou inquieta.
— Senhor, eu... — comecei, mas ele me interrompeu.
— Selene, por favor. Não estou falando como seu guia agora. Estou falando como alguém que se importa profundamente com você. — Sua voz era firme, mas havia um tom de algo que parecia... possessivo.
Fiquei em silêncio, surpresa com a franqueza de suas palavras. Ele se inclinou um pouco mais para frente, seus olhos fixos nos meus.
— Eu te vejo lutando, Selene. Vejo que está confusa, dividida entre suas responsabilidades aqui e... outras influências — ele hesitou, claramente referindo-se a Josh. — Sei que você esteve envolvida na galeria, com aquele rapaz, e tenho a impressão de que isso está te afastando do que realmente importa. Do que é certo.
Eu engoli em seco. Peter sabia mais do que eu imaginava. E agora, ele estava tentando me puxar de volta, tentando me manter dentro da igreja, ou talvez dentro de algo mais que ele mesmo não estava pronto para admitir.
— Eu não quero que você se perca, Selene — ele continuou. — A igreja, este lugar... isso é a sua família.
A última frase ficou pairando no ar, e, de repente, percebi que o que ele sentia por mim ia além de uma simples preocupação espiritual. Peter estava me vendo como algo mais, algo que ele queria controlar, proteger, talvez até possuir.
— Senhor... Peter — corrigi, hesitante. — Eu sou grata por tudo que você fez por mim, mas... eu preciso de espaço. Eu preciso encontrar meu próprio caminho, fazer minhas próprias escolhas. Não posso viver para agradar os outros, nem mesmo você.
A honestidade das minhas palavras pareceu desarmá-lo por um momento. Ele recuou ligeiramente, como se tivesse sido atingido por algo que não esperava.
— Entendo que você queira descobrir quem é, Selene — disse ele, com a voz mais calma agora. — Mas saiba que algumas escolhas têm consequências. E nem todas podem ser desfeitas.
Com isso, ele se levantou, os olhos ainda fixos nos meus. Havia algo de sombrio naquela declaração, como se ele estivesse me alertando sobre o que poderia acontecer se eu seguisse por um caminho que ele não aprovava. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que não podia mais permitir que o medo ou a culpa me guiassem.
Quando Peter saiu, deixando a sala em um silêncio desconfortável, senti um peso se levantar dos meus ombros. Eu tinha dito o que precisava, embora soubesse que ele não desistiria tão facilmente.
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Decidi, então, ir até a galeria. Quando cheguei lá, meu coração estava disparado. Não sabia como Josh reagiria ao meu sumiço, mas não podia mais adiar o inevitável. Ao entrar, o familiar cheiro de tinta e madeira velha me trouxe uma sensação de nostalgia e conforto, mas ao mesmo tempo, uma ansiedade crescente.
Josh estava lá, com as costas voltadas para mim, trabalhando em uma tela grande, suas mãos movendo-se com a familiar precisão de um artista concentrado. Quando ele finalmente me ouviu entrar, virou-se, e nossos olhos se encontraram. O alívio em sua expressão foi inegável.
— Ei... — ele disse, largando o pincel e vindo em minha direção. — Você sumiu. Eu estava começando a achar que nunca mais te veria aqui.
— Eu precisava de um tempo — respondi, hesitante. — Depois do que aconteceu, eu... não soube como lidar com aquilo.
Josh franziu a testa, mas seus olhos estavam suaves, compreensivos.
— Eu entendo. Não quero te pressionar. Mas você sabe que pode ser sincera comigo, certo? O que quer que tenha te afastado, podemos conversar sobre isso. Eu só... não quero perder essa conexão que temos.
Suas palavras me tocaram profundamente. O que eu sentia por Josh era real, mas o medo e a confusão ainda me assombravam.
— Eu sinto muito por ter sumido. Foi tudo muito rápido. Eu não sabia como lidar com o que aconteceu entre nós — confessei, tentando encontrar as palavras certas.
Josh sorriu, um sorriso pequeno, mas sincero.
— Selene, você não precisa ter vergonha do que sente. Estamos todos tentando entender nossos próprios corações. Eu só quero que você saiba que estou aqui, esperando, quando você estiver pronta.
Havia tanta ternura em sua voz, e, naquele momento, me senti segura, mesmo com toda a turbulência ao meu redor. Mas ainda assim, as palavras de Peter ecoavam na minha mente. Eu sabia que minha decisão não seria simples, e as escolhas que eu faria a partir de agora poderiam mudar tudo.
Talvez eu estivesse pronta para encarar o que viria. Talvez não. Mas, de uma coisa eu tinha certeza: não podia mais me esconder de mim mesma.