008. A Fuga

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Nobody said it was easy
No one ever said it would be so hard
-The Scientist (Coldplay)
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Faltava um pouco mais de meia hora para o jantar de sábado. A sala de entulhos estava mergulhada em uma penumbra reconfortante. Eu já tinha terminado minha meta de limpeza e organização do dia, então, estava sentada no chão frio, recostada contra uma pilha de cadeiras velhas e mesas quebradas, sentindo o cansaço se espalhar pelo meu corpo. Draco estava ao meu lado, em pé e em silêncio, os olhos prateados fixos em algo indefinido à nossa frente. Era estranho - e um pouco constrangedor - estar assim tão perto dele sem dizer nada.

Olhei para o lado, observando-o de soslaio. A rigidez habitual em sua postura estava ausente, e por um breve momento, ele parecia apenas um adolescente exausto, como eu. Nada do Draco Malfoy arrogante e sempre pronto para um confronto. Apenas... silêncio.

- Eu não esperava isso de você. - comentei, tentando quebrar o gelo. Minha voz soou baixa, já que eu não queria perturbar o ambiente.

Ele ergueu uma sobrancelha, ainda sem me encarar.

- Isso o quê?

- Você está quieto demais ultimamente.

Um sorriso brincou nos meus lábios, mesmo que ele não pudesse vê-lo. O garoto soltou uma risada curta, quase amargurada, e finalmente se inclinou para trás, recostando-se na parede.

- Nem sempre estou no clima de ser... Você sabe.

Entrelacei os braços sobre o peito, sem saber exatamente como responder. Uma pequenina parte de mim queria aproveitar o momento para irritá-lo - pela força do hábito - mas eu simplesmente não o fiz.

- Por que você é assim, Malfoy? - eu questionei. As palavras escaparam antes que eu pudesse pensar duas vezes. - Quer dizer, por que você sempre age como se o mundo girasse ao seu redor?

Ele me olhou de lado, sua expressão endurecendo por um segundo, antes de suavizar.

- Porque, para onde quer que eu vá, ele sempre gira.

- E isso não te cansa? - insisti, mais curiosa agora.

Draco ficou em silêncio por um momento, como se estivesse escolhendo cuidadosamente as palavras.

- Claro. Mais do que você imagina.

Sua honestidade me surpreendera. Eu o conhecia como alguém que usava as palavras como escudo, e quando estava comigo, ele abaixava parte dessa proteção. Por quê?

O silêncio caiu entre nós novamente, mas dessa vez, não era incômodo. Minhas costas escorregaram mais um pouco pela parede, e eu deixei minha cabeça encostar na madeira atrás de mim. Então, do nada, ele falou.

- Sabe conjurar um Patrono? - a pergunta parecia casual, mas senti pelo seu tom de voz que havia algo escondido ali. Algo importante. Eu franzi o cenho, me ajeitando no chão para poder olhá-lo direito.

- Harry me ensinou ano passado. Por quê?

No mesmo instante, minha mente voltou para o ano anterior quando eu pedira para que meu amigo explicasse como executar o feitiço do patrono. Primeiro passo, respirar fundo. Segundo passo, se concentrar e vasculhar todas as suas memórias até encontrar aquela específica que te traz conforto e felicidade.

No momento, eu conseguira pensar em algumas lembranças positivas - todas conectadas à minha infância -, mas foi uma em específico que me causou um sentimento incrível de paz: Assaltar a dispensa de casa durante as madrugadas junto com o meu irmão mais velho. Consegui sentir a adrenalina e a leve sensação de medo de que nossos pais pudessem acordar a qualquer minuto, ou até mesmo me recordar da textura macia das tortinhas de abóboras e do cheiro doce dos sapos de chocolate.

𝐄𝐜𝐥𝐢𝐩𝐬𝐞𝐝 𝐇𝐞𝐚𝐫𝐭𝐬 | Draco Malfoy.Onde histórias criam vida. Descubra agora