Capítulo 4

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Minhas costas doíam, e a água caía nelas como se fossem chibatadas de chicote. As lágrimas salgadas se misturavam com a água fria do chuveiro. Meu corpo estava tão quente que o vapor se erguia, mesmo com a água congelante.

— Não pense, não fale, não sinta — sussurro para mim mesma, repetindo como um mantra. — Não pense, não fale, não sinta... não pense...

As lágrimas de dor logo se transformam em tristeza. Meus olhos estavam tão inchados que parecia que iam saltar do rosto. Minha voz estava embargada, o nó na garganta sufocava o grito que eu queria soltar. Queria quebrar tudo ao meu redor, rasgar a pele, me desfazer desse peso.

Desligo o chuveiro, ainda tremendo. Enrolo a toalha ao redor do corpo e espremo o cabelo molhado. Meus passos são rápidos até o espelho embaçado. Com a mão, limpo o vidro e vejo meu reflexo: olhos vermelhos e inchados, cílios colados, o rosto inchado. Marcas.

Respiro fundo. “Um, dois, três.” Meu peito parece se partir em pedaços a cada nova respiração.

— Deus... por favor... — fecho os olhos, murmurando entre soluços. — Me dê forças...

Saio do banheiro rápido, como se algo estivesse me perseguindo. Meu corpo está gelado por fora, mas por dentro sinto que estou queimando. Cada passo pelo corredor faz o medo crescer, uma pressão no peito que me empurra para frente, como uma onda prestes a me afogar.

— Não... não de novo... — sussurro baixinho.

Chego ao quarto e fecho a porta com força. Minhas mãos estão trêmulas enquanto tento me vestir. Cada movimento traz uma nova dor. Meu corpo dói como se estivesse coberto de hematomas invisíveis. Ao puxar a camisa pela cabeça, o ombro arde, e eu quase choro de novo.

Depois de me trocar, a dor continua, cada músculo cansado, implorando por descanso. Meu corpo pede por alívio, mas não há nenhum. Fecho os olhos, buscando uma saída. Dentro de mim, clamo por ajuda, mas não sei para quem. Sinto-me perdida, com a mente em caos.

O som do celular me tira desse torpor. Um eco de vida em meio ao caos.

Pego o celular com as mãos trêmulas, mal consigo focar na tela. Ukyo.

"Ei, saiba que se precisar conversar, estou aqui."

"Você não respondeu minhas mensagens hoje, imaginei que talvez estivesse meio pra baixo."

Meu coração acelera. Ele percebeu. Nem me lembrava de suas mensagens. Mas não sei se tenho forças para responder agora, não com a garganta apertada desse jeito, não com o peso no peito que me impede de respirar. Sento na beirada da cama, olhando para a tela, e, por um momento, penso em não responder. Mas...

"Mas se não quiser falar, não vou te obrigar", diz a mensagem seguinte, antes que eu consiga digitar qualquer coisa.

Fecho os olhos e respiro fundo.

"Eu tô bem", escrevo. "Só estava com dor de cabeça, aquela sala é uma bagunça."

Assim que envio, sinto um peso. Mentir. Isso é tudo o que consigo fazer. Não quero preocupar ninguém. Dois anos não foram suficientes para que eu me sentisse pronta para falar sobre o que acontece. Nem meus amigos de longa data sabem, e não podem saber.

Preciso ser forte. Não posso...

————

Primeiro ano de pandemia, terceiro mês do ano.

Eu estava na sala de espera do consultório da dentista. Não acredito que tive que vir a outra cidade só para colocar aparelho. O tédio reinava na sala. A música ambiente havia parado e, obviamente, ninguém iria despausar.

O silêncio foi interrompido pela campainha. Alguém havia chegado. A ajudante da dentista abriu a porta para receber a pessoa. Ele entrou, branco como a neve, de cabelos negros e olhos verdes vibrantes. "Como esmeraldas."

Ele se sentou, vestindo uma camiseta larga, estilo skatista. Sua respiração estava pesada, quase ofegante. Puxou uma bombinha de asma e inalou profundamente, revirando os olhos de alívio. Eu entendo bem o que ele estava sentindo.

— Liora, vamos? — A assistente me chamou assim que uma mulher saiu do consultório.

Levantei-me e caminhei até lá. A avaliação foi rápida, e o processo começou. Limpeza, ácido, água, cola. Tudo tão automático que mal percebi quando havia terminado.

Quando saí, o garoto de olhos esmeralda estava pagando na recepção. Ele só veio para pagar? Peguei minha bolsa e fui embora, mas parei no banheiro para ver como meus dentes tinham ficado. Foi então que ouvi um barulho.

Algo havia caído na sala de espera.

O garoto saiu correndo logo em seguida. Para alguém que tem asma, deixar a bombinha no bolso não é a melhor ideia, considerando que ela pode facilmente cair.

Peguei a bombinha do chão. Ele já tinha desaparecido. Corri até o elevador, desci ao térreo e, lá embaixo, o vi novamente, ainda correndo. Tento alcançá-lo, e ele, surpreso, se vira quando me vê.

— Aqui — estendi a bombinha, ofegante. — Acho que do jeito que você tá correndo, não tem como sair sem isso.

— Ah, obrigado — disse ele, claramente aliviado. — Desculpa por qualquer coisa.

Sem mais palavras, ele voltou a correr. Mais um louco no mundo. Mais um desesperado com pressa.
Já havia o visto no consultório, mesma sala de espera no mês anterior. Parece que ele sempre escolhe a cor azul claro para suas borrachinhas do aparelho.

Saio do prédio caminhando sem pressa pela grande calçada larga que ligava um ponto ao outro da cidade. Uma quantia considerável de pessoas passavam pelo local, era normal até por que ainda estávamos em meio a uma pandemia.

Os fones bloqueavam o som ensurdecedor das ruas, as buzinas, o som das rodas pela estrada, os passos apressados, as conversas fiadas.

Só conseguia pensar naquele garoto estranho, ele parecia gentil. Queria conversar com ele.

Talvez o veja no mesmo consultório mês que vem...

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