Capítulo 11

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Estou novamente naquele campo, o mesmo vestido, as mesmas flores, tudo igual. Sigo a borboleta como de costume. Ela pousa na maçaneta, e então começa a se desfazer. Seu corpo se junta ao vento, suas asas se transformam em uma espécie de poeira e adentram pela fechadura da porta.

Ela se abre, mas não há paisagem lá dentro. Apenas um vazio interminável, repleto de escuridão. Algo me puxa para dentro; meu corpo se move sem minha vontade, como se tivesse sido sugado pelo vazio.

"Liora... Liora..."

— Liora!

Acordo num pulo, um suspiro trazendo de volta todo o ar que havia perdido. Sinto-me desnorteada na cama. As cortinas estão abertas, a luz repentina me confunde. Estou tonta.

— Horas... — pergunto em um sussurro grogue — ...escola.

— São dez horas, e hoje não tem aula — a voz da minha mãe corre novamente aos meus ouvidos. — Tava sonhando com o quê?

— Eu não sei — volto à realidade assim que meus pés tocam o chão gelado. — Mas não era um sonho.

— Pronto — ela exclama. — Mais uma coisa pra me preocupar.

— Tá tudo bem, mãe. Às vezes é normal ter pesadelos.

— Olha, vê se vai tomar café, tá? — Ela sai do meu quarto e, só então, reparo em suas roupas.

— Vai sair? — questiono, ajeitando os cachos bagunçados.

— Vou até Vorate comprar algumas coisas que estão faltando.

É incrível como nossa cidade meio que depende da cidade vizinha para ter acesso a produtos mais acessíveis. Como se não bastasse ser pacata e isolada, ainda é dependente.

Ela termina de se arrumar, pega as chaves do carro e sai. Estou sozinha agora. Sozinha...

— Finalmente — me jogo novamente na cama, agora com alívio. — Paz.

Depois de alguns minutos, finalmente me levanto, vencendo a preguiça da manhã. Conecto o celular à caixinha de som e coloco uma música animada, deixando o volume aumentar aos poucos. A voz de Melanie se torna, aos poucos, confortável aos meus ouvidos.

O som começa a preencher cada canto da casa, e é como se, de repente, eu pudesse respirar mais fundo, mais leve, sem me preocupar com ninguém comentando o que estou fazendo, ou como estou fazendo.

Começo varrendo os quartos, um de cada vez, deixando o chão limpo, pronto para o aspirador. Tem algo de satisfatório em ver as pequenas teias de aranha serem sugadas dos cantos do teto e a poeira desaparecendo das cortinas. Cada espaço que limpo, cada rejunte impecável, me faz sentir como se estivesse deixando a casa do meu jeito. Meu jeito. Sem ninguém para interromper, para questionar.

Enquanto varro, penso no almoço. Arroz, feijão, pedaços de abóbora, frango bem temperado... Gosto de pensar que o sabor será exatamente o que eu quero, algo que só eu sei fazer. Colocar meu tempero na comida é como adicionar um toque de mim em cada parte do dia.

Óbvio que nada se compara à comida da minha mãe, mas cozinhar do meu jeito e comer minha própria comida é incomparável. Além disso, garanto que minha comida tem mais sabor do que a do meu pai. Às vezes, penso em como deve ser bom poder fazer isso todos os dias, no meu próprio espaço. Seria cansativo, mas seria bom.

Depois de terminar o almoço, arrumo a cozinha e pego o balde para lavar o chão do banheiro e da cozinha. Sinto a água fria escorrer pelos dedos enquanto passo o pano molhado, e o cheiro de limpeza começa a se espalhar.

Vou me sentindo cada vez mais em paz. Esse cheirinho de casa limpa, misturado com o frescor que a música traz, me dá uma sensação de controle, de que, por alguns minutos, esse espaço é só meu.

Termino o serviço passando o pano no resto da casa.

— Pronto — lavo as mãos, tirando os resquícios de desinfetante e água suja.

Desligo a caixinha de som e pego o celular. Algumas mensagens: Elora e Brie conversam sobre algo, e Ukyo me dá bom dia, que, infelizmente, não respondi a tempo. Respondo cada mensagem e aproveito para mandar mensagem para Orion.

Ele com certeza ainda está dormindo, mesmo sendo duas da tarde. Esse garoto simplesmente supera seus limites quando o assunto é sono. Talvez tenha madrugado novamente fazendo sabe-se lá o quê. Não tem por que me preocupar com isso, ele sabe o que faz da própria vida.

— Por que eu tô pensando nisso agora? — paro por um instante no meio do corredor, me questionando.

Ignoro meus pensamentos e coloco mais um episódio da série que estou assistindo. Estou na melhor parte, sem dúvidas. Deixo o celular apoiado num copo na mesa e vou preparar meu prato.

Coloco-o sobre a mesa e pego uma laranja na fruteira. Tem refrigerante na geladeira, mas não sou tão fã quanto muitos. Espremo a fruta, coloco um pouco de água e adoço com algumas colheres de açúcar. Levo até a mesa e me sento.

O prato me encara, e eu o encaro de volta. Não sinto desejo de comer, nem vontade, mas preciso.

— Vamos, Liora... — respiro fundo.

Junto um pouco da comida na colher e a levo à boca, apenas para sentir a ânsia de vômito me consumir. Tampo a boca; não comi nada até agora, apenas bebi água, e não quero vomitar tudo o que ingeri.

Respiro fundo novamente. Luto contra o impulso de deixar a comida de lado e fingir que já comi. Mas não posso. O que seriam minutos para outros se tornam horas para mim. Levo duas horas para conseguir comer. Pode parecer exagero, mas não é.

Assim que termino, levanto-me e lavo meu prato na pia da cozinha. Pego o celular e caminho até o quarto, me jogando na cama. O dia foi pacífico, mas essas duas horas foram uma tortura para mim.

Orion respondeu. São quatro horas, e ele acabou de acordar.

— Esse garoto — rio para mim mesma.

Talvez...Onde histórias criam vida. Descubra agora