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ANASTASIA ALLEN

Eu ainda me lembro do primeiro recital de ballet que assisti. Eu tinha seis anos e depois que sai do teatro, implorei para meus pais me levarem em uma aula.

Eu nunca tinha me sentido daquela forma. Era como se um pedaço de mim tivesse sido completo e eu nem sabia que precisava dele.

Minha mãe não gostou muito, disse que era mais uma das más influências que meus pais gays e que o meu futuro seria incerto se eu não fizesse algo que me desse uma vida financeira mais estabelecida.

Eu sei que pode parecer confuso falando assim, mas resumindo: Minha mãe e meu pai, Anthony eram colegas na faculdade.

Anthony é gay e bebeu tanto em uma noite que conseguiu dormir com uma mulher. E foi aí que minha mãe ficou grávida de Omar e eu.

Eles nem chegaram a ter um relacionamento, e só conversam quando o assunto são os filhos, porque a minha mãe consegue ser uma mulher muito preconceituosa e é bem escrota quando quer.

Meu pai começou a namorar enquanto a gente ainda era bebê, então eu vejo Mark como uma figura paterna.

A nossa guarda sempre foi do nosso pai, porque Angela nunca se importou o suficiente. Ela só aparece para colocar defeitos nas coisas que Omar e eu fazemos, incluindo meu cabelo.

Eu tenho cabelo naturalmente cacheado, mas quando eu tinha onze, minha mãe colocou na minha cabeça que eu precisava alisar para conseguir ser mais parecida com as outras bailarinas. Eu não fiz um procedimento permanente, e ainda ando com ele natural dentro de casa, quando eu sei que ninguém vai ver.

Eu sei que pode ser problemático e eu falo disso na terapia a anos, mas não consigo evitar. Até Cole disse que eu fico linda com o cabelo liso, mesmo que ele nunca tenha me visto com o cabelo natural pessoalmente.

Acho que no fundo, Omar e eu só queremos que ela nos aceite e seja uma mãe de verdade pelo menos uma vez na vida.

– No que está pensando, Tasi? – Saio dos meus pensamentos com a voz de Cole. A gente estava na sala do meu apartamento enquanto um programa rodava na TV.

Fomos embora da festa antes do que eu gostaria, mas ainda tenho o gosto do maracujá na boca.

– Nas aulas – Não posso falar que estou confusa quanto aos meus sentimentos. Isso só vai deixar as coisas piores. – E no treino de segunda.

– Não sei por que você continua treinando na faculdade. Sabe que pode pagar por uma escola só de ballet não é? – Balanço a cabeça confirmando.

Meu pai e meu padrasto são professores em uma escola particular em Nova York e mesmo que lá tenha muitas universidades incríveis, eu sempre quis vir para Yale, conhecer outros lugares e sair um pouco da confusão que é Nova York.

– Eu gosto daqui e sempre quis estar em Yale, você sabe disso.  – Cutuco o cantinho da unha, só querendo estar no apartamento do lado.

– Vou para casa – Cole se levanta de repente.
– O que? Já? – Fico de pé também. – Pensei que fosse dormir comigo.

Cole pega as coisas sobre a mesinha e caminha até a porta, esticando a mão para tocar meu rosto.

– Te ligo quando tiver tempo – Eu apenas balanço a cabeça e ela se aproxima para deixar um beijo rápido em meus lábios.

Eu nem lembro da última vez que ele me beijou de verdade. Ou que a gente ficou junto por querer de verdade e não só para passar o tempo ou não ficar na seca.

Esse relacionamento esfriou e eu preciso colocar um fim nisso. Já sei qual vai ser o assunto da próxima sessão de terapia.

Volto para dentro do apartamento, indo até meu quarto para trocar de roupa e ficar mais confortável. Nem a vontade de voltar para eu festa eu tenho mais.

– Já vai – Desço as escadas, resmungando quando batem na porta. Sempre esquecem a chave.

Mesmo que a gente more em prédio seguro, eu tenho essas manias de quem viveu a vida toda dentro de uma casa e principalmente em nova York.

– Charlie? – Olho rapidamente para o pijama que eu usava e me arrependo de ter colocado a touca de cetim antes de descer. Sorte que ainda estou de maquiagem. – Está precisando de alguma coisa?

– Eu vi seu namorado sair daqui bem rápido. Ele te tirou da festa para ir embora? – Olho para o chão, envergonhada.

– Ele tem coisas para resolver. – Charlie balança a cabeça lentamente, cruzando os braços.

– Você…já vai dormir? – Ele pergunta, e eu nego com a cabeça. – Quer companhia?

– Você? Quer me fazer companhia? Logo você que fala que eu sou uma sem graça que assiste comédia romântica. – Ele ri, jogando a cabeça para trás.

– Eu nunca disse isso – Dessa vez eu rio – Eu só disse que a sua escolha de filme naquela noite foi ruim.

– Não foi ruim. – Cruzo os braços – E dessa vez eu estou vendo Meninas malvadas. É um clássico.

– Eu nunca assisti.

– Tá de brincadeira né? Tá querendo entrar aqui e…eu tenho namorado, sabia? – Charlie gargalha, quase ficando sem ar.

– Eu não vim por isso não, garota. Vim em paz.  – Charlie estende a mão em minha direção. Eu a encaro antes de perguntar.

– Uma trégua?

– Trégua. Só por uma noite, porque eu preciso te irritar.

– Claro que sim – Reviro os olhos – Tudo bem. Trégua.

You Make Me Crazy - Charlie Bushnell Onde histórias criam vida. Descubra agora