| 09 - Me leve de volta para casa |

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Flashback

NO COMPLEXO, Íris subia a ladeira íngreme com passos pesados, a bolsa pendendo de um lado do corpo e uma sacola cheia de materiais para o evento de teatro que estava organizando, para um trabalho da faculdade. O morro estava vivo, como sempre: o batuque distante de um funk improvisado, risadas ecoando de becos estreitos e, lá no alto, o grito de um fogueteiro que sempre avisava a chegada de alguém. Ela já estava acostumada àquela rotina, mas hoje, o peso da sacola parecia maior, e o cansaço de semanas de trabalho começava a cobrar seu preço.

Vestia um moletom vermelho liso e uma calça wide-leg, os cabelos soltos caindo sobre os ombros como cortinas que escondiam o rosto. O calor abafado do fim de tarde grudava as roupas no corpo, e cada passo era mais arrastado do que o anterior.

No meio da subida, a voz grave e firme de um rapaz a fez parar de repente. Seu coração acelerou, e o ambiente, que antes parecia familiar, de repente tornou-se ameaçador.

— E aí, garota! Tá doida de andar por aqui sem permissão? — A voz soava como uma ordem, carregada de ameaça, o que a fez gelar.

Íris largou a sacola no chão de imediato. O som abafado do plástico batendo no asfalto ecoou pelo beco. Ela respirou fundo, agachou levemente os joelhos, e com cuidado, virou-se devagar, rezando para não encontrar o cano frio de uma arma apontado para ela.

Quando finalmente olhou para trás, sua expressão de medo foi recebida por uma gargalhada. Era Carlos, o mesmo moleque que sempre a acompanhava pelas vielas.

— Pô, tu tinha que ver a tua cara! — Ele riu, segurando a barriga. — Quase mijou nas calça, parceira! — A risada ecoava, misturando-se com o som da favela.

Íris estreitou os olhos, irritada com a brincadeira, mas aliviada.

— Muito engraçado, né? — Ela respondeu com sarcasmo, quase revirando os olhos, mas o alívio ainda estava ali, visível na postura relaxada. — Se eu tivesse infartado aqui, ia ser por sua culpa. Nem ia precisar dessa tua arma aí pra me matar.

Carlos continuava rindo, aproximando-se devagar, a arma ainda à mostra, mas sem a mesma ameaça de antes. Vestia uma camiseta larga e estampada, com cores berrantes, que lembrava o estilo de Agostinho Carrara, personagem icônico da TV. Seus olhos, vermelhos e cansados, denunciavam as longas noites sem dormir, talvez em vigília ou nas festas que o morro sempre oferecia. O cabelo crespo, bagunçado, era parte de sua identidade — ninguém ousava dizer que não combinava.

— Já falei pra tu não se preocupar quando vier aqui, né? — Ele disse, agora sério, a diversão saindo de seu rosto. — A quebrada toda sabe que cê vem fazer aquele trampo pras crianças, ninguém vai te encher o saco. Pode ficar tranquila.

Íris o olhou de lado, ainda desconfiada, mas sabia que ele falava a verdade. Desde que começara a trabalhar na ONG, o morro havia a adotado de certa forma. Mas a confiança nunca era completa. Ali, tudo dependia de quem estava no comando.

— Tá falando por você, pelos teus amigos... ou pelo Hari? — Ela perguntou, cruzando os braços e encarando-o de frente.

Hari era o chefe do morro, o dono da área, o cara que fazia as regras e decidia quem podia ou não circular por ali. Até aquele momento, ele parecia aprovar o trabalho de Íris com as crianças, mas ela sabia que qualquer mudança de humor dele podia colocar tudo a perder. O tráfico era imprevisível, e a lealdade, uma moeda cara naquele lugar.

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