Capítulo 3: O Guerreiro Caído

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A névoa espessa pairava sobre o vale, ocultando as montanhas distantes e transformando o mundo ao redor em um vazio cinzento. O ar era úmido, carregado com o cheiro de terra molhada e folhas em decomposição. No meio desse mar de névoa, uma figura solitária avançava com passos pesados, a lama grudando em suas botas gastas a cada movimento.

Kael mantinha o capuz puxado sobre o rosto, tentando ao máximo permanecer invisível. Seus músculos estavam rígidos pelo esforço, a espada que carregava nas costas parecia mais pesada do que de costume. Ele havia lutado muitas batalhas na vida, mas agora, o peso que carregava não era apenas físico; era um fardo muito maior, algo que pesava em sua alma. O que havia feito nos últimos meses ecoava em sua mente, como uma ferida que nunca cicatrizava.

Ele fora um dos maiores guerreiros do reino, um líder reconhecido, um homem de honra. Porém, essa vida parecia distante agora. Tudo havia mudado desde aquela fatídica noite — a noite em que foi traído, não pelos inimigos que enfrentava nas batalhas, mas por aqueles que chamava de amigos e irmãos de armas.

Aquele pensamento fez Kael apertar os punhos, enquanto as memórias de sua queda invadiam sua mente. Ele havia confiado cegamente em seus companheiros, lutado lado a lado com eles, acreditando que, juntos, poderiam proteger o reino de qualquer ameaça. Mas, quando o poder da Tríade foi descoberto, a ganância tomou conta de seus corações. O desejo pelo controle de um dos artefatos mágicos os cegou, e Kael, por tentar impedir que o artefato caísse nas mãos erradas, foi traído, acusado falsamente de tramar contra o reino.

Agora, ele era um homem sem pátria, sem honra. Vagava pelas terras distantes, sem rumo e sem propósito. O guerreiro que outrora inspirava medo e respeito agora vivia como um fantasma, um exilado, buscando redenção onde acreditava que não havia mais possibilidade de encontrá-la.

Kael parou no topo de uma pequena colina, onde o vale se abria diante dele. O mundo estava quieto, e por um momento, ele deixou-se perder na paisagem envolta em névoa. O vento assobiava em seus ouvidos, e as árvores balançavam suavemente ao seu redor. O silêncio deveria ser reconfortante, mas para Kael, era um lembrete constante de sua solidão.

Ele puxou o capuz para trás, revelando o rosto marcado e coberto por uma barba rala. Seu cabelo escuro caía em mechas desalinhadas, e seus olhos, antes cheios de vida, agora estavam opacos, como se a chama dentro dele tivesse se apagado. Com um suspiro pesado, Kael se ajoelhou, retirando a espada das costas e fincando-a no chão diante de si.

Era uma espada que havia visto muitas batalhas. A lâmina estava gasta e manchada, mas ainda assim, carregava consigo o peso de todas as vidas que Kael havia tirado em nome da honra, do dever, e, por fim, da traição. Ele fechou os olhos e deixou que a memória daquela noite terrível invadisse sua mente mais uma vez, como tantas outras vezes antes.

Eles estavam na Fortaleza de Erithal, defendendo a cidadela de um ataque iminente. Ele e seus companheiros de armas haviam resistido a inúmeras investidas, liderando as tropas com coragem. Mas, no meio da batalha, Kael descobriu algo que mudaria tudo: um dos artefatos da Tríade estava escondido nas profundezas da fortaleza, selado por uma magia antiga.

Os outros, ao saberem da descoberta, não hesitaram. Queriam o poder para si. Kael, no entanto, sabia dos perigos envolvidos. Ele havia lido as lendas, conhecia os riscos de tentar controlar algo tão poderoso. Quando tentou impedir que o artefato fosse retirado de seu local de descanso, foi atacado. Eles o acusaram de traição, e naquele mesmo dia, o nome de Kael foi manchado para sempre.

A dor da traição era profunda, uma ferida que nunca cicatrizaria. O guerreiro havia escapado por pouco, fugindo sob a proteção da noite, mas o dano estava feito. Sua reputação estava destruída, e agora, ele era um homem caçado por aqueles que uma vez chamara de irmãos.

O vento aumentou, trazendo consigo o som distante de cascos de cavalos. Kael abriu os olhos e levantou-se rapidamente, agarrando a espada. Ele ainda estava em território perigoso, e sabia que não podia ser descuidado. Os caçadores de recompensas estavam sempre à espreita, prontos para capturar o "traidor" e levá-lo de volta às autoridades do reino. Mesmo exilado, sua cabeça ainda tinha valor para aqueles que quisessem ganhar favores na corte.

Ele se moveu rapidamente, descendo a colina e se escondendo entre as árvores. Sua respiração estava controlada, mas seu coração batia mais rápido, a adrenalina começando a tomar conta de seu corpo. Enquanto esperava, Kael ouviu vozes — homens conversando, rindo, sem saber o perigo que os rondava.

— Então, você ouviu? — disse uma das vozes, carregada de sarcasmo. — Dizem que o "guerreiro caído" foi visto por estas terras. O que você acha? Será que ele ainda sabe lutar como antes, ou está apenas fugindo como um cachorro assustado?

As risadas ecoaram no ar, e Kael cerrou os dentes. Havia se acostumado com as histórias e os rumores sobre sua "queda", mas ouvir aqueles homens falando dele com desprezo ainda lhe inflamava a raiva. Ele ficou parado, controlando seu impulso de atacar. Havia muitos deles, e ele estava sozinho.

No entanto, sua atenção foi capturada por algo mais nas palavras daqueles homens. Eles não estavam apenas falando dele — mencionaram algo sobre a Tríade, algo que ele não pôde ignorar. Suas suspeitas se confirmaram quando ouviu o líder do grupo dizer:

— O artefato foi levado para a Fortaleza Negra. Dizem que quem controlar a Tríade controlará o destino de Eryndor. E nós estamos a caminho de garantir que isso aconteça.

A Fortaleza Negra. O nome era familiar, um lugar temido até pelos mais corajosos. Era uma antiga construção esquecida pelos povos, localizada em um território perigoso, conhecido por ser lar de bestas lendárias e magias perdidas. Kael sabia que, se o artefato da Tríade caísse nas mãos erradas, o equilíbrio de todo o reino poderia ser destruído.

Ele não podia deixar isso acontecer.

Kael se moveu com rapidez e precisão. Em poucos instantes, já havia circulado o grupo, mantendo-se nas sombras. Contou cinco homens, todos armados, mas despreparados para enfrentar alguém como ele. Eles eram caçadores, não guerreiros. Mesmo assim, Kael sabia que um movimento errado poderia ser fatal.

Sem fazer barulho, Kael se aproximou por trás do último homem e o derrubou silenciosamente, cobrindo sua boca antes que pudesse emitir qualquer som. Ele se moveu como um predador, avançando pelos outros com a mesma eficiência. Em poucos minutos, quatro deles estavam no chão, inconscientes.

O líder, no entanto, notou o movimento tarde demais. Ao se virar, viu Kael avançando em sua direção, a espada em punho.

— Quem diabos é você? — gritou o líder, recuando e puxando sua própria lâmina.

— Sou o homem que você procurava — respondeu Kael com um sorriso frio.

A batalha foi rápida. O líder do grupo não tinha chance contra alguém com as habilidades de Kael. Em poucos golpes, ele estava desarmado e no chão, olhando para cima, apavorado.

— A Fortaleza Negra — disse Kael, apontando a espada para o homem. — Quem está com o artefato?

— Eu... eu não sei! — gritou o homem. — Só seguimos ordens! Disseram-nos para encontrar o artefato e levá-lo de volta! Eu juro, não sei quem está por trás disso!

Kael o olhou por um momento, avaliando suas palavras. Sabia que o homem estava sendo sincero. Ele não era nada além de uma peça em um jogo muito maior.

— Vá embora — disse Kael, baixando a espada. — E nunca mais tente me caçar.

O homem acenou freneticamente com a cabeça e fugiu para dentro da névoa, desaparecendo da vista de Kael. O guerreiro suspirou, olhando para os corpos inconscientes ao seu redor. Mais uma vez, estava sozinho. Mais uma vez, seu caminho se cruzava com a Tríade. Não importava o quanto tentasse fugir, o destino sempre o arrastava de volta.

Kael sabia que, se o artefato estivesse na Fortaleza Negra, não tinha escolha. Precisava ir até lá, enfrentar seus medos e corrigir os erros do passado. Ele era um homem caído, sim, mas ainda havia tempo para se reerguer.

E talvez, apenas talvez, ele encontrasse a redenção que tanto buscava.

Corações da TríadeOnde histórias criam vida. Descubra agora