O céu de Eryndor parecia ter sido tomado por uma escuridão inquieta. As nuvens se formavam pesadas, carregadas com o prenúncio de uma tempestade como a que não se via há séculos. Relâmpagos rasgavam o firmamento, iluminando as montanhas distantes e os vales profundos com uma luz fria e fantasmagórica. Nos campos, os ventos gritavam como feras antigas despertadas de seu sono.
Elara estava ajoelhada sobre a grama alta, o coração batendo descompassado. Ela sempre soube que era diferente dos outros habitantes da pequena aldeia de Faëlen, mas nunca imaginara que sua singularidade pudesse ser tão terrível. Seu corpo estava cercado por uma aura pulsante, um brilho azulado que parecia vir de seu próprio sangue. Ao seu redor, as plantas se dobravam ao seu comando involuntário, e pequenos redemoinhos de poeira e folhas giravam à sua volta.
Ela olhou para suas mãos trêmulas, tentando acalmar a magia que fervilhava dentro dela, mas era como tentar conter uma tempestade com as mãos nuas. Tudo havia começado naquela manhã, uma manhã como qualquer outra, até que uma estranha sensação de inquietação tomou conta de seu ser, levando-a até o cume de uma colina onde o vento uivava. Algo nela estava despertando, algo que ela não entendia, mas que sabia ser perigoso.
"Por favor... pare..." murmurou, fechando os olhos com força.
O pedido não foi ouvido. De repente, um trovão ensurdecedor fez o chão tremer, e uma onda de poder percorreu seu corpo, ecoando pelo campo. Elara foi jogada para trás pela força de sua própria magia, caindo de costas na grama úmida. Por um momento, o mundo parecia estar em silêncio absoluto, como se o próprio tempo tivesse parado para observar o que aconteceria em seguida.
Lágrimas escorriam pelo rosto de Elara, misturando-se com as gotas de chuva que começavam a cair. Ela não sabia o que estava acontecendo, mas podia sentir a imensidão do poder dentro de si, algo que a assustava mais do que qualquer coisa que já enfrentara. A jovem sempre tivera uma ligação especial com a natureza, mas isso... isso era diferente. Era como se a própria terra estivesse tentando falar com ela, usar seu corpo como um canal para algo maior.
"Você está bem?" A voz grave, porém gentil, soou atrás dela.
Elara se virou rapidamente, ainda atordoada pela queda. Um homem alto, de ombros largos e cabelo grisalho, a observava com uma mistura de preocupação e surpresa. Era Aldren, o ancião da aldeia, um dos poucos que entendiam as antigas magias que ainda corriam em Eryndor. Ele se aproximou dela com cautela, seu olhar atento ao campo devastado ao redor.
"Eu... não sei o que aconteceu," respondeu Elara, a voz trêmula. Ela tentou se levantar, mas suas pernas fraquejaram. Aldren a ajudou, apoiando-a gentilmente pelo braço. "A magia... eu não consigo controlá-la."
"Isso é evidente," disse ele, olhando para o céu escuro. "Algo mudou hoje, algo que senti desde o amanhecer. E parece que você é o epicentro disso."
Elara olhou para o ancião, seu coração ainda disparado. Aldren sempre fora uma figura sábia e serena na aldeia, alguém que parecia ter respostas para todas as perguntas. Mas agora, ao encarar o olhar profundo dele, ela percebeu que até mesmo ele estava incerto sobre o que estava acontecendo.
"Eu senti... uma presença," continuou Elara, lutando para encontrar as palavras certas. "Como se algo estivesse me chamando. Algo antigo."
Aldren assentiu, pensativo. "A magia de Eryndor é antiga, muito mais antiga do que podemos compreender. E os presságios indicam que algo grande está por vir. A tempestade de hoje não é uma coincidência. E você, Elara, é parte disso."
Ela se afastou, abraçando a si mesma enquanto o vento chicoteava seus cabelos escuros. "Mas eu não quero ser parte disso. Eu só queria uma vida tranquila."
"Os destinos raramente perguntam o que desejamos, menina. Eles apenas se desenrolam, e nós devemos decidir como lidar com isso." Aldren suspirou, seus olhos cinzentos fixos no horizonte. "Venha comigo, precisamos encontrar um lugar seguro antes que a tempestade chegue com toda a sua fúria."
Os dois começaram a caminhar em direção à aldeia, suas figuras solitárias contrastando com o vasto campo ao redor. O vento parecia sussurrar segredos antigos nos ouvidos de Elara, cada rajada carregada de significados que ela não podia decifrar. Enquanto caminhava ao lado de Aldren, seu pensamento vagava, tentando compreender o que exatamente estava acontecendo com ela.
Ao chegarem às primeiras casas de Faëlen, a aldeia estava em alvoroço. As pessoas corriam para abrigar-se da tempestade iminente, enquanto os animais se agitavam, pressentindo o perigo. Elara percebeu que sua presença atraía olhares. Alguns eram de curiosidade, mas a maioria era de medo. Todos sabiam que algo estava acontecendo com ela.
"Entrem, rápido!" exclamou Halen, o ferreiro da aldeia, abrindo as portas de sua forja. Ele olhou para Elara com um misto de preocupação e cautela. "A tempestade está piorando, e não é natural. Aldren, você sabe o que está acontecendo?"
Aldren deu de ombros enquanto entrava no abrigo. "Não completamente, mas tenho minhas suspeitas. Esta tempestade não é de origem comum. Algo despertou, e Elara está no centro disso."
Halen lançou um olhar desconfiado para Elara. Ela se encolheu ligeiramente, sentindo o peso do julgamento em seus olhos. Durante toda a sua vida, ela havia sido uma garota comum, ou pelo menos tentava ser. Mas agora, esse poder inexplicável que crescia dentro dela estava a isolando das pessoas que antes a consideravam uma igual.
"Então o que faremos?" Halen perguntou, fechando a porta com um estrondo. "Se isso está relacionado à magia, não podemos lutar contra isso com espadas e martelos."
"Eu a levarei ao Templo da Lua," respondeu Aldren, a voz firme. "Os anciãos lá poderão nos ajudar a entender o que está acontecendo. Mas precisamos sair antes que a tempestade se intensifique ainda mais."
"Elara!" A voz de Nira, sua amiga de infância, soou ao longe. A jovem de cabelos dourados entrou correndo na forja, ofegante. "Estão dizendo que você... que a magia dentro de você causou isso!"
Elara se virou, seu coração afundando com o olhar de desespero e medo nos olhos de Nira. "Eu não fiz isso de propósito. Eu... eu nem sabia que podia..."
"Eu sei," disse Nira, aproximando-se e segurando as mãos de Elara. "Mas muitos na aldeia estão assustados. Eles acham que você pode ser perigosa."
"Ela não é perigosa," interveio Aldren, sua voz carregada de autoridade. "Ela está apenas em uma situação que ainda não entendemos completamente."
"Mas o que eu faço?" perguntou Elara, sua voz carregada de desespero. "Se eu não consigo controlar isso, então posso acabar machucando as pessoas que amo."
Aldren a olhou profundamente nos olhos. "Por isso você deve vir comigo. A magia não é algo que se controla com força bruta. Ela precisa ser compreendida, e apenas os sábios do Templo da Lua podem ajudá-la a entender sua conexão com esse poder."
Elara hesitou por um momento, mas sabia que ele estava certo. O poder dentro dela era como um animal selvagem, algo que poderia destruí-la se ela não aprendesse a domá-lo. Com um aceno silencioso, ela aceitou o destino que a chamava. Não seria fácil, mas ela precisava encontrar respostas antes que fosse tarde demais.
A tempestade do lado de fora rugiu com mais força, como se o próprio mundo estivesse ecoando a tempestade que Elara sentia dentro de si. A jovem maga sabia que aquela era apenas a primeira de muitas batalhas que enfrentaria, e que o caminho à sua frente estaria repleto de perigos — não apenas para ela, mas para todos em Eryndor.
E assim, o primeiro passo de sua jornada estava dado. A tempestade havia despertado, e o destino de Elara estava entrelaçado com o futuro de todo o mundo.
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Corações da Tríade
FantasiNa vasta e mágica terra de Eryndor, onde diversas raças coexistem, um antigo poder está prestes a ressurgir. O mundo, outrora pacífico, agora se encontra à beira de um caos iminente. A Tríade de Magia - três artefatos de poder inigualável que foram...