Capítulo Quatro - Panic Cord

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Nota da autora (08/01/2016): Olá pessoal! Primeiro, desculpas por não ter postado ontem é porque houve um imprevisto, acabei me machucando e acho que quebrei meu dedo, por isso não consegui terminar a revisão do capítulo para postar, mas, eu vou continuar revisando para postar logo os outros. Não esqueçam de votar no capítulo e me dizer o que ta achando ali embaixo nos comentários :)

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Claire acariciou o líquido gelado que enchia sua banheira, que transbordava, caindo pelos cantos no piso claro. Era uma manhã gelada e ela sentia seus músculos tremerem nas profundezas da água fria. Entretanto, Claire não ligava pelo banho frio naquelas condições meteorológicas. Na verdade, ela gostava. O frio cortante a mantinha acordada, alerta à realidade em sua volta; impedindo-a de mergulhar em uma onda alternativa de seu inconsciente, que ela sabia que seria uma realidade improvável, produzida por sua própria consciência, movida por uma necessidade incessante de ter sua rotina habitual de volta, longe de qualquer deformidade que estava acontecendo ultimamente.

Seu cérebro ainda falhava em processar todos os acontecimentos dos últimos dois dias, mas ao mesmo tempo, sua mente não cessava, repassando tudo diversas vezes, numa tentativa de se convencer que tudo era verdade e fazia parte de sua vida, pois, havia momentos, que não parecia ser possível. Entretanto, uma calma anormal a preenchia, fazendo seu corpo parecer anestesiado; talvez fosse o frio que atiçava seus poros, trazendo aquele ardor em sua pele, queimando-a. Nada queima como o frio e ela gostava de sentir a baixa temperatura fazer sua pele se arrepiar e enrugar seus dedos, era reconfortante.
Com a onda de calmaria consumindo-a, Claire deixou seu corpo deslizar pela porcelana fria de sua banheira, se posicionando no fundo desta, abrindo seus olhos para enxergar a superfície acima da água, encarando o teto branco como gelo. Sua mente foi invadida enquanto o frescor da água a envolvia por completo desta vez. Uma lembrança antiga, de sua primeira aula de natação, quando ainda era uma criança, invadiu sua mente. Dentro de si, Claire quase podia sentir a mesma empolgação que sentira naquele dia quando entrou na piscina. Buscava uma mulher alta, com um vestido rodado e talvez jovem demais para ser sua mãe, com o olhar, para verificar se ela acompanhava sua evolução no nado, vendo ela a seguir com olhos azuis brilhantes e um sorriso largo que levantava suas longas maçãs do rosto rosadas. Ela sempre foi toda sorrisos e abraços quentes. Claire nunca havia presenciado um momento que ela estava chorando e, sempre que a via, ganhava um abraço apertado com um cheiro florido que emanava dela. Talvez houvesse uma época da vida de Claire, quando estava se tornando adolescente, onde ela passou a desgostar de tantos abraços e beijos, mas sentia falta e agora se perguntava se sua mãe ficava irritada ou triste com a sua rejeição, ou se havia pensado nela momentos antes de partir, quando ela estava sentindo sua vida se esvair. Ou se havia pensando em seu pai.
Claire ainda conseguia se lembrar das constantes discussões dos pais e vidros se quebrando. Os gritos cortantes e xingamentos infames, na maioria das vezes influenciados pelo álcool que seu pai ingeria, fizeram parte da sua infância, até que sua mãe se foi. No inicio ela se perguntava se iria conseguir conviver com o pai, que vivia constantemente bêbado e temperamental, mas a ausência da sua mãe o fez adentrar em uma bolha só sua, num quadro que ela considerava como uma depressão profunda, o impedindo de manter um diálogo a mais do que o necessário com ela durante um tempo. Ela estava sempre sozinha, até ir para a faculdade.
Quando estava na universidade, às vezes recebia telefonemas do pai, onde ele se limitava a perguntar se ela estava indo bem nas aulas ou se estava comendo e ela lhe devolvia perguntas do mesmo grau; como estava o trabalho e se ele estava dormindo bem. A relação deles era fria e distante e, durante alguns anos, ela desejou que fosse diferente, que ele se preocupasse com ela a ponto de ligar ou fazer visitas com frequência, mas com o passar dos anos ela havia se acostumado com a negligência do pai a ponto de se assustar com suas raras ligações. Já havia um tempo que ela não o via, às vezes ela tentava convencê-lo a fazer uma visita em datas comemorativas, como o natal, mas ele sempre dava uma desculpa de que não poderia fazer nada, que iria trabalhar e, nesses momentos, Claire sempre tentava se lembrar de uma época em que ele gostasse dela. Entretanto, ela havia chegado a conclusão de que ele nunca tinha tido um sentimento forte por ela; não como o sentimento que ela percebia nos olhos dos pais de Kathryn quando os via olhando para as filhas. Ela sentia inveja do tratamento que elas tinham dos pais, sempre amorosos e acolhedores.
Eles haviam acolhido ela como parte da família e a aceitado como filha de uma forma que seu próprio pai nunca havia aceitado. Ela tentou, fez de tudo para que o pai ficasse orgulhoso dela; era ótima na escola, sempre chegava em casa no horário e havia conseguido uma bolsa na faculdade por suas notas excelentes mas, mesmo assim, ele a afastava, como se ela não significasse nada para ele. Sempre que pensava nisso, ela sentia seu sangue bombear mais rápido com a raiva. Não era justo alguns terem aquilo, todo aquele afeto, enquanto outros eram rejeitados e praticamente expulsos da vida dos pais, por egoísmo.
Seu interior chacoalhava dentro dela, num surto de raiva. Entretanto, mantinha-se imóvel debaixo da água gelada e seus olhos ainda estavam fixos no teto do banheiro quando uma gota vermelha brotou em meio a água transparente. Uma mancha de sangue escapara de seu nariz quando seu pulmão começou a pegar fogo com a falta de oxigênio, fazendo seu peito doer de forma esmagadora, enquanto ela expulsava a última lufada de ar que ainda tinha dentro de si antes de forçar seu corpo a se levantar até a superfície. Quando ela se sentou na banheira o ar lhe atingiu em cheio, fazendo com que seu peito ardesse por dentro, respirando novamente. Seu corpo tremia, sua pele se mantinha arrepiada pelo frio e seu nariz sangrava de forma violenta. Claire passou as mãos rapidamente pelo rosto, sujando-as de sangue, que ela logo limpou, deixando o sangue tornar a água levemente avermelhada. Um tremor passou por sua espinha ao ver o sangue derramado entre ela, fazendo-a sair da banheira rapidamente e se enrolar em um roupão grande e quente, que a fez relaxar por um momento e seguiu para o espelho, se deparando novamente com grandes olheiras roxas.
Ela voltara para casa pela manhã, havia passado a noite inteira na delegacia com Amélia e não teve pausa para dormir. Consequência disso era o cansaço que sentia emanar de cada tremor dolorido de seu corpo. Sentia que estava ficando doente e isso era a última coisa que ela precisava que acontecesse no momento. E tinha necessidade de ficar deitada escondida debaixo das cobertas, por no mínimo, o resto da sua vida. Entretanto, tinha bastante coisas para lidar, a partir de agora, principalmente com Amélia. Infelizmente, ela não poderia se esconder naquele momento delicado, apesar de querer.
Claire acordou de seus devaneios quando o barulho alto de batidas na porta do banheiro soou fazendo eco pelo cômodo.
Merda, pensou ela.
Em momentos como esse que ela considerava em se livrar de vez de Paul e sua presença inconveniente. Infelizmente, ou felizmente, ele continuava ali, sempre voltando e, às vezes, ela não conseguia decidir se amava ou odiava isso. No dia anterior ela havia precisado dele, mas naquele momento em particular, ela odiava. Sentia vontade de ficar sozinha para tentar colocar a cabeça no lugar, longe da influência esmagadora dele, porém ele continuava em insistir em se manter presente.
Era óbvio que ele ainda tinha grande poder sobre ela, ainda sentia algo por ele, havia uma parte dela que se perdia sempre que ele estava por perto, mas não era o mesmo sentimento de antes. Resultado de tanto tempo juntos, talvez Claire tivesse se acostumado demais com ele e agora não conseguia deixá-lo por completo. Nem ele conseguia deixá-la.
Outra batida ecoou e ela o ouviu chamar seu nome em um tom preocupado.
- Já estou saindo – respondeu alto o suficiente para que ele ouvisse, fazendo sua cabeça palpitar de dor.
Ela respirou fundo e passou as mãos pelo rosto, tentando aliviar sua frustração e cansaço para lidar com Paul. Ele era uma pessoa difícil, ela também. Durante o período juntos, eles nunca foram estáveis, sempre havia algo que causava irritação entre eles, gerando discussões e inúmeras separações que não duravam mais que uma semana. Tinham desentendimentos constantes, entretanto, sempre havia algo que os fazia voltar um para o outro. A solidão, talvez. Não era segredo que a solidão que se arrastava pela vida de Claire, desde que ela se lembrava, era como uma melhor amiga que a seguia por ai, sem lhe dar descanso e Paul era uma espécie de porto seguro, no qual ela podia se apoiar, sempre que precisasse, pois ela sabia que ele estaria lá. E ela queria que estivesse. Mas, não naquele momento. Não quando ela sentia que precisava de espaço. Não quando tudo que ela queria era ficar sozinha.
Claire bufou enquanto se olhava no espelho, percebendo que a irritação por Paul ainda estar chamando-a através da porta ainda não havia passado e talvez não passaria até que ele saísse de seu apartamento. Apertando os dedos em seu roupão, ela saiu do banheiro e seguiu para a cozinha, passando por Paul, que a olhou perplexo.
- Claire! – ele a chamou, seguindo o mesmo caminho, mas ela o ignorou e pegou um copo de água e buscou dois comprimidos para dor em sua bolsa, que estava jogada sob o balcão.
- Onde você estava? – perguntou ele frustrado parando ao lado de Claire, que continuo calada.
Talvez se eu ignorar ele vai embora, pensou ela.
Ela jogou os comprimidos na boca e os engoliu com ajuda de um gole de água, ela precisaria de mais analgésicos para aguentar Paul tagarelando em seu ouvido até que ele decidisse deixá-la em paz.
- Você não vai me responder? – Paul levantou mais o tom de voz e Claire automaticamente levou as mãos na cabeça, sentindo uma pontada de dor mais forte.
- Será que você poderia falar mais baixo? Minha cabeça está explodindo – reclamou ela fechando os olhos. Ela sentia seu cérebro pulsar, dando pontadas de dor, como um machucado.
- Eu vou parar quando você me responder onde você estava! – disse ele puxando os braços dela com força, fazendo ela encará-lo. O aperto das mãos de Paul doía e seu tom de voz a assustou.
- Você está me machucando, Paul! – disse, alarmada e com os olhos arregalados ao se deparar com sua expressão de raiva.
Claire achava que não deveria ficar surpresa com aquele tipo de atitude de Paul. Não era a primeira vez, e ela sentia que não seria a última também. Entretanto, era impossível não se assustar com a pessoa que ele se tornava durante as brigas. De uma pessoa calma e pacífica se transformava em uma pessoa esquentada e violenta. E, às vezes, ela sentia medo de que essa outra parte dele tomasse conta de seu corpo e ela não conseguisse controlá-lo.
- Me diz, Claire – ele pediu, forçando mais o seu aperto nos braços dela.
- Vai se foder, Paul. – ela tentou se soltar de seu aperto puxando os braços e tentando empurrá-lo para longe.
Claire assistiu a fúria tomar conta de Paul, fazendo com que sua respiração se tornasse falha a medida que seu rosto era tomado por uma vermelhidão crescente de raiva.
- Eu não tenho que te dizer nada. Saia da minha casa, agora! – ela continuou respondendo ao seus estímulos de raiva. Estava se arriscando mais do que deveria, porém aquelas atitudes de Paul não poderiam ser mais toleradas. Ele já havia a machucado o suficiente. E agora ela não poderia mais suportar aquilo, não naquele momento.
- Você vai se arrepender de ter feito isso – ele falou entredentes, largando os braços de Claire e seguindo para a porta em passos largos e ela podia sentir o rastro de irritação que ele deixava para trás enquanto lágrimas corriam pelas suas bochechas.
O estrondo alto que a porta fez, quando ele a fechou, fez com que um soluço alto atravessasse o corpo dela, enquanto chorava sentindo o peso de tudo que estava acontecendo vir de uma vez em cima dela, como algo pesado que desabava sob sua cabeça.
Claire controlou o choro e abraçou o próprio corpo, decidindo que não deixaria Paul entrar debaixo de sua pele novamente e a fizesse chorar daquele jeito.
Sua garganta doía e seu corpo tremia com o vento gelado que se espalhava por todo ambiente através da janela aberta da sala de estar. A sua situação era deplorável e ela não poderia deixá-lo piorar ainda mais isso, apesar de fazê-lo. Ela limpou o rosto e seguiu até a sala para fechar a janela aberta, escutando o noticiário na TV, que Paul havia deixado ligada. Sentindo seu corpo reclamar, ela se jogou no seu sofá, encolhendo as pernas, tentando controlar sua temperatura corporal novamente, ainda soluçando pelo choro e seus olhos pesando com sono.
Ela sentiu seu corpo desligar por alguns instantes até ser acordada novamente por uma noticia no jornal, que informava que um homem havia sido assassinado a facadas na noite anterior. Entretanto, o que lhe chamou a atenção foi a foto da vítima estampada na tela de sua TV.
Ela conhecia aquele rosto.
Flashes de memória ecoaram em sua cabeça. Imagens de momentos antes dela sair da delegacia no dia anterior. O homem alto, com uma cicatriz de corte na bochecha. Ela nunca esqueceria. Era o tipo de rosto que você nunca esqueceria e que reconheceria entre muitos outros, principalmente, por sua expressão dura e sua cicatriz, que lhe dava um ar mais assustador.
Ela não conhecia aquele homem, nem mesmo sabia seu nome. Ele não era o tipo de cara que merecia seu pesar, era um criminoso e ela só o havia visto uma vez, ao sair da delegacia. Era suspeito de estuprar uma mulher, pelo que ela havia ouvido da conversa dos policias, e agora ele estava morto. E ela não podia evitar sentir um impacto ao saber disso.
Principalmente pelo fato de que Amélia foi a última pessoa que Claire viu com ele.
O que você fez, Amélia?, pensou ela.
[...]
Claire entrou no carro e deixou que o choro viesse à tona, escorrendo por seu rosto, libertando-se do controle que ela tinha tido durante toda a visita aos pais de Kathryn. Teve que segurar as lágrimas diversas vezes por uma hora enquanto esteve na casa de Margery, a irmã. Como se ela já não se sentisse horrível o suficiente, depois de ver os Flynn, se sentiu ainda pior. Suas expressões cansadas e abatidas a fizeram adentrar mais em sua bolha de sofrimento. Entretanto, ela preferiu não se acabar em lágrimas diante deles, escolheu manter sua compostura e usar sua máscara de pessoa forte, tentando reconfortá-los, mesmo se não adiantasse. Talvez ela tenha feito algum efeito, mas ela não tinha certeza, já que eles continuaram chorando mesmo quando ela saiu da casa. Ela nunca os via chorar e isso lhe lembrava de sua mãe. Seus sorrisos eram reconfortantes como os dela, do qual tanto sentia falta. Eles eram como seus pais, agora que sua mãe havia partido e seu pai preferia ignorar sua existência absolutamente. E seu peito doía ao vê-los naquele estado, sofrendo por sua filha.
Claire não era forte o bastante para lidar com aquilo tudo, então a solução era se esconder dentro de seu carro e chorar como uma criança pequena, porque não poderia fazer nada para reverter toda a situação. O que era uma ironia, já que, como psicóloga, ela deveria saber como tentar lidar com todas as situações, ganhava a vida com isso. Porém, as técnicas que ensinava a seus pacientes não iriam funcionar no momento, talvez nunca funcionasse.
Claire sentiu seu celular vibrando no bolso traseiro de sua calça e limpou o rosto antes de pegá-lo. Ela não conseguiu segurar um gemido sôfrego quando viu quem era. O nome de Amélia na tela parecia gritante em letras maiúsculas pretas e ela sabia que estava com problemas.
- Oi – sussurrou quando atendeu.
- Onde você está? Eu estou te esperando tem duas horas para fazermos isso – Amélia rosnou do outro lado da linha.
- Eu sei, já estou indo. Tchau – Claire desligou antes que Amélia tivesse outra oportunidade de reclamar. Ela estava muito ranzinza ultimamente, mas sem perder o humor negro de sempre.
Ela suspirou fundo e seguiu com o carro até a delegacia para encontrar uma Amélia de mau humor, gritando através de toda a movimentação – que Claire acreditava ser comum – da delegacia. Seu cabelo ruivo reluzia contra a luz enquanto ela ditava as coordenadas para todas as pessoas ali, com os olhos rígidos. Claire decidiu se manter em um canto observando todo o movimento por um tempo, já que logo toda a fúria de Amélia seria voltada para ela por seu atraso. Entretanto, logo Amélia a avistou, parada perto da porta e a chamou exasperada. Claire suspirou pesadamente e andou em sua direção cabisbaixa para esconder seu rosto inchado pelo choro do resto do pessoal.
- Oi – disse quando parou diante dela.
- Você está muito atrasada - Amélia a repreendeu.
- Eu sei, me desculpe. Eu estava com os pais de Kathryn – Claire se justificou, imaginando que poderia ser uma desculpa plausível para seu atraso.
- Por que você fez isso? – perguntou Amélia cruzando os braços parecendo impaciente.
Amélia não entendia a cumplicidade que Claire sentia com os Flynn, talvez porque ela foi educada de modo excepcional, sempre nas melhores escolas, com as melhores roupas, com os melhores pais. Seu pai, apesar de estar sempre ocupado, sempre ligava e mandava presentes em seus aniversários e sua mãe pairava constantemente sob Amélia desde pequena e mesmo quando elas estavam na faculdade, a senhora sempre fazia visitas. Uma vez, Claire entrou no quarto que dividia com Amélia e a encontrou abraçada com sua mãe, num momento íntimo de mãe e filha. Elas estavam sentadas sobre a cama, abraçadas fortemente, para o desagrado de Amélia que rolou os olhos para Claire quando a avistou, em sinal de chateação com toda aquela cena e deu tapinhas no ombro de sua mãe e Claire retirou-se do quarto em silêncio,se perguntando se Amélia sabia o quanto era sortuda.
- Eu queria dar as minhas condolências, eles são como da minha família – explicou.
- Eles são da família de Kathryn, não da sua. Pare de tentar roubar os pais alheios – Amélia disse duramente e Claire sentiu como se ela tivesse lhe dado um tapa.
- Eu não estou tentando roubar ninguém. Não seja insensível – Claire rosnou de volta.
- Tudo bem. Vamos ver sua amiga morta então – disse Amélia com um sorriso irônico no rosto. - Por que você está me obrigando a fazer isso? – perguntou Claire sentindo seu estômago revirar com a ideia de que teria que assistir toda a autopsia ser feita no corpo de Kathryn.
- Não sou eu quem está obrigando, é seu cargo.
- Eu não sou contratada, isso não é um trabalho de verdade. E você deveria estar respeitando meu luto, ela era minha amiga – Claire disse sentindo as lágrimas voltarem a se instalar no canto de seus olhos inchados.
- Deixe-me te ensinar algo – Amélia pediu entredentes.
- Eu não quero que você me ensine nada – respondeu Claire no mesmo tom se afastando.
- Você vai ter que ouvir, então cala a boca – disse Amélia segurando o pulso de Claire para que ela não saísse fora de seu alcance e continuou:
- Todas essas pessoas aqui se preparam todos os dias para morrer, elas estão aqui e no momento que saem por aquela porta, elas não sabem se vão voltar vivas e todos os dias são assim. Se eu tivesse que parar tudo e ficar de luto por todos os colegas e amigos que já perdi, não iria fazer nada mais na minha vida. Então, se você quiser achar quem fez isso com sua amiga e com todas aquelas mulheres, você vai limpar esse rosto e trabalhar, caso não queira sinta-se a vontade para sair e ir para casa aproveitar o seu luto. – Amélia a encarava duramente enquanto falava baixo, para que só ela escutasse.
- A decisão é sua, Claire. Vai para casa chorar ou vai ficar aqui e fazer alguma coisa?
Claire abriu a boca soltando o ar que ela havia prendido durante todo o discurso de Amélia. Apesar de forçá-la a assistir algo tão horrível, Amélia estava certa. Talvez Claire pudesse realmente fazer algo ali, ela era capaz de ajudá-la a pegar o culpado por matar aquelas mulheres. Em sua análise inicial na noite anterior, Claire havia ligado fatos e criado teorias que poderiam, de fato, ajudar na busca. Ela não seria uma completa inútil dando conselhos que ninguém nunca usaria, ali as pessoas iriam ouvir o que ela tinha para dizer, iriam considerar todas as suas descobertas. Aquela era sua chance. Uma oportunidade que ela seria burra se recusasse.
- Eu fico – a voz de Claire saiu mais firme do que ela esperava quando respondeu a pergunta.
- Resposta certa, Claire – disse Amélia, que soltou seu braço e se dirigiu para a saída da delegacia e Claire a seguiu, entrando no carro de Amélia ao seu lado. Elas seguiram para o laboratório onde a autopsia iria ser realizada e logo na entrada do prédio, Claire pode avistar Wren, vestido todo de branco, como no dia anterior, parado em um dos corredores, com pastas e papeis a mão, ao lado de três pessoas, que provavelmente estavam a espera delas.
Um "finalmente" saiu do grupo, mas Claire não soube exatamente quem havia dito e abaixou a cabeça envergonhada, sabendo que Amélia só estava atrasada por causa dela.
- Já que todos chegaram podemos começar – disse Wren e todos assentiram antes de segui-lo pelo corredor até entrar uma pequena sala com armários, onde se guardava todos os materiais descartáveis usados para o procedimento.
Todo o grupo começou a vestir macacões e luvas roxas, já habituados com a situação e, Claire os observou cada um. Havia uma mulher baixinha, de cabelos escuros cortados acima do ombro; um homem alto, de olhos escuros e cabelos castanhos com um topete levantando na frente e um outro garoto roliço de olhos verdes, que parecia jovem demais para estar trabalhando em meio a cadáveres.
- Precisa de ajuda? – Claire foi interrompida de sua análise do pessoal por Wren que segurava um macacão branco em sua direção.
- Acho que sim. Obrigada – disse ela pegando o macacão em suas mãos e levando a ponta aos pés para vesti-lo com a ajuda dele.
- Você está me vestindo de novo – comentou ela fazendo-o rir, uma risada nasalada e baixa.
- Eu queria não estar vestindo você, não para isso que vamos fazer – disse ele puxando o zíper, fechando todo o macacão e a olhando nos olhos. – Mas, você esta bem para fazer isso? Ontem você estava bastante abalada – continuou ele desviando o olhar e indo buscar um par de luvas no armário e a ajudando a colocar em seguida.
- Eu tenho que estar – respondeu Claire quando já estava vestida nas roupas descartáveis.
- Mantenha o cabelo preso – disse ele e se virou para entrar na outra sala, seguido pelo grupo.
Claire entrou logo atrás, observando a sala branca e fria com luzes e aparelhos distribuídos em prateleiras e mesas organizadas e limpas. No centro havia uma plataforma, parecida com uma maca, de ferro fino e liso. Na parede ao lado, havia uma pia também de ferro, com produtos para limpeza dentro de recipientes fixados a parede. No lado esquerdo havia uma maca com um saco azul escuro quase preto sobre ela. E, ao imaginar o que era, um tremor atravessou o corpo de Claire e sua temperatura corporal caiu inúmeros graus com o nervosismo e também com o frio latente da sala, fazendo com que ela começasse a tremer.
- Pessoal, essa é a Claire, ela é Psicóloga Forense e está fazendo análises sobre os casos – começou Amélia. – Claire, esse é o Oliver, ele é legista – disse ela apontando para o garoto jovem e roliço, que sorriu na direção de Claire, um pouco tímido, e ela acenou com a cabeça de volta.
- Essa é a Juliet, ela é Datiloscopista e Especialista em DNA – Amélia apontou para a mulher baixinha.
- Prazer em conhecê-la, Claire – disse ela e também sorriu em sua direção e Claire retribuiu a gentileza.
- O Wren você já conhece e aquele é o Asher, ele é o fotógrafo forense, ele é estranho – disse ela apontando para o rapaz de topete que agora segurava uma câmera grande em suas mãos.
- Eu tiro fotos de cadáveres, eu sou realmente muito estranho – disse ele dando uma piscadela para Claire.
- Realmente muito estranho – Claire riu.
- Acho que podemos começar – Wren se manifestou.
- Sim, traga o presunto – Asher falou preparando a câmera e todos o olharam feio.
- Ela era minha amiga – Claire disse chocada com a ousadia dele.
- Idiota – Amélia sussurrou.
- Desculpa – Asher pediu parecendo envergonhado.
Wren e Oliver empurraram a maca até o lado da plataforma de ferro e juntos pegaram o saco e depositaram sobre esta, abrindo-o logo em seguida, revelando o corpo de Kathryn, branco como folha de papel, extremamente pálido. Um soluço de susto atravessou Claire, mas ela se controlou para não chamar a atenção de Amélia para si, não queria outra bronca dela, principalmente não ali. Ela precisava ser profissional, Kathryn era sua amiga, mas ela sabia que não estava ali como conhecida, mas como parte daquela equipe. Ela poderia aproveitar o susto e o luto da situação quando chegasse em casa e, quando estivesse totalmente sozinha, poderia chorar por aquilo.
Claire despertou quando os flashes da câmera de Asher a irritaram e ela se afastou para evitar que a luz atravessasse seus olhos novamente, observando o procedimento mais de longe que os outros.
- O resultado dos exames que já fizemos devem sair em um ou dois dias. – começou Wren – Não constatamos fraturas em nenhum osso e não há nenhuma evidência de estupro ou sêmen no tecido vaginal. Nos pulsos há marcas, provavelmente, derivadas de alguma tentativa de fuga ou por algum outro tipo de material, como fita isolante de 3m, já que o que estava mantendo-os presos não tem resistência o suficiente para fazer esse tipo de marca – continuou, pegando um saco plástico com o que restou de uma calcinha de Kathryn.
- Na pele encontramos substâncias que parecem ser de sabonete ou de cremes corporais – disse Oliver.
- Ele deu banho nela – Amélia disse.
- A morte aconteceu por volta das onze e meia a duas da manhã e as marcas no pescoço remetem a marcas de mãos e existe uma linha reta, que pelos hematomas tem um aperto mais forte que o das mãos, o que pode ter causado a anóxia – Oliver apontou para a linha roxa mais predominante que atravessava o pescoço dela.
- O quê? – Amélia perguntou assustada.
- Provavelmente foi feita com um pedaço de corda fina ou até mesmo cadarço de tênis – explicou ele.
- Não! Isso tá errado. Você tem certeza disso? – perguntou Amélia exasperada, assustando todos.
- Sim – respondeu Oliver.
- Ele não usa corda, ele mata com as próprias mãos – disse ela encarando o chão completamente atordoada.
- Não entendo – Claire gaguejou olhando para Amélia.
- Juliet, encontraram alguma coisa de diferente no local do crime? – perguntou Amélia encarando-a.
- Bem... Todas as características do local são similares a dos outros casos, mas...
- Mas o quê? – perguntou Asher olhando-a apreensivo.
- No carpete encontraram marcas e fios de cabelo dela pelo caminho do banheiro até a cama.
- O que isso significa? – indagou Claire sentindo sua bile subir pela garganta.
- Significa que ele a arrastou pelo chão por todo o caminho da banheira até a cama, como se estivesse sem forças para carregá-la... – explicou Juliet, enquanto todos a olhavam com os olhos espantados e músculos trêmulos.
- Não foi ele – Amélia sussurrou incrédula.  



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