capítulo 3

306 48 23
                                    

Algumas horas antes, tudo o que Simone era capaz de pensar era em sua cama; no sossego de seu quarto, mas como seguir pensando nisso quando se descobre que sua voz estimula o cérebro de uma pessoa que está em coma há longos e torturantes quatorze anos?

- E então, doutor, como isso funciona? - Simone perguntou.

Era por volta das quatro horas da manhã quando o doutor conseguiu arrumar tudo para o novo tratamento de reanimação cerebral com ultrassom.

- É uma técnica não-invasiva que usa pulsações de baixa intensidade para agitar os neurônios. As ondas sonoras serão direcionadas para o tálamo, que é parte do cérebro responsável por funções como regulação de consciência, sono e estado de alerta e, se der tudo certo, essas ondas despertarão a paciente.

- Eu só preciso... falar? - Simone perguntou repuxando o canto da boca.

O doutor sugeriu fazerem isso pela tarde do dia seguinte, mas Simone disse que teria que estar no hospital em seus horários de prática. Rosa, com medo de perder a oportunidade, pediu ao médico que fizesse o quanto antes e que dinheiro não seria o problema.

- Apenas converse com ela, já sabemos que ela te ouve. Só vou levar Rosa para assinar alguns papéis. Se importa de esperar? - Simone negou.

- De jeito nenhum. - Ela respondeu, bocejando no momento seguinte. Estava, de fato, morta de cansaço, contudo, também se via ansiosa.

- Certo. Com licença. -- Ele pediu, saindo com Rosa.

Simone suspirou e caminhou até a cama de Rebeca novamente.

- Olá de novo, Rebe. - Simone disse, analisando com atenção cada detalhe da garota. Suas sobrancelhas eram grossas e, apesar do aparelho que mantinha sobre o rosto para ajudá-la a respirar melhor, Simone conseguia ver sua boca delicada e o nariz fino. Ela parecia estar dormindo; Simone se atreveu a tocar a mão de Rebeca com cuidado. A pele estava um pouco fria e Simone decidiu fazer algo em relação a isso. - Está com frio?

Perguntou por perguntar, afinal, o doutor já havia falado que pacientes nesse estado não sentiam nem calor e tampouco frio.
Começou uma carícia lenta e gentil de sobe e desce na pele da menina, no intuito de aquecer a região.

- Seu médico me contou um segredo. - Simone disse rindo. - Ele disse que você gosta da minha voz. - Simone deu um pulo quando sentiu o dedo anelar de Rebeca se mover. - Oh meu Deus! Isso foi um sim? - O dedo voltou a se mover e Simone abriu a boca em completo espanto.

Rosa precisava saber disso, era a única coisa que Simone pensava.

- Certo, vamos tentar de novo. - Simone disse sorrindo. - Eu comprei alguns caramelos no caminho para cá esta manhã. Você gosta de caramelos? - O dedo voltou a tremer e Simone sorriu ainda mais empolgada. - Você está indo muito bem. - Simone disse animada. - Você sabe onde está?

Simone esperou e alguns segundos depois, quando ela já pensava que não obteria resposta alguma, o dedo voltou a mexer, porém dessa vez duas vezes.

- Duas vezes seria um não? - O dedo voltou a mexer uma vez e Simone sorriu. - Bem, estou ficando realmente boa em entender você. - Ela disse em um suspiro. - Eu não sei por que justo a minha voz te atrai, mas estou feliz por isto. É bom se sentir útil às vezes. Meu chefe não me dá sinais de que eu seja boa em algo, então obrigada por isso, Rebeca. - A mão de Rebeca apertou a de Simone, fazendo Simone se surpreender. - Uoou, você realmente gosta que eu diga seu nome, hm? - O dedo se moveu uma vez e logo em seguida a porta foi aberta.

- Demoramos? - O homem perguntou.

- Doutor, essa máquina é realmente boa. Ela já consegue mover a mão. - O homem franziu o cenho em confusão.

- A máquina ainda não está ligada, Simone. Você tem certeza que ela se moveu?

- Sim, várias vezes. Veja... Rebeca, você poderia mostrar ao médico o mesmo que me mostrou? - O dedo anelar voltou a se mexer e Simone sorriu. - Viu?

- Isso é incrível, mas pode ser apenas reflexos. Eu quero muito que isso dê certo, Rosa, mas não quero que crie expectativas demais ao ponto de se machucar caso ela não acorde ou tenha sequelas.

- Não se preocupe, eu sei. - A mulher disse tristemente, porém firme.

- Hey, Rebe... Sua mãe está linda agora. Ela está com saudades. Gostaria de abraçá-la? - O dedo, mais uma vez, se moveu uma vez e Rosa sorriu, sendo inevitável segurar as lágrimas.

- Simone, apenas continue. Vou ligar a máquina. - O médico disse seriamente, caminhando até o aparelho e o ligando.

Simone encarou intensamente Rebeca, pensando em algo que ela gostaria de escutar, porém não conseguiu pensar em nada, então decidiu dizer algo que gostaria de dizer.

- Eu gostaria de poder ouvir a sua voz, Rebeca. - Ela disse. Lá fora tudo estaria um caos, afinal aquilo era um hospital, no entanto ali dentro o silêncio era preenchido apenas pelos sons emitidos pelas cordas vocais de Simone. - Você gosta de ouvir eu dizer o seu nome, mas acho que ele deve soar mais bonito na sua própria voz. Poderia me ajudar com isso?

Um suspiro foi escutado, porém não fora de Simone, senão de Rebeca. A garota parecia estar realmente tentando.

- Não se preocupe, eu sei que está dando o seu melhor. - Simone disse, desviando seus olhos para a mão delicada e imóvel de Rebeca. - Vou voltar a segurar a sua mão, eu posso? - O dedo voltou a se mexer e Simone sorriu, esbarrando delicadamente sua mão sobre a de Rebeca. - Quando o doutor te examinou eu reparei que seus olhos são castanhos. Eu trocaria todos os meus caramelos por voltar a vê-los, são lindos! - Disse um tanto envergonhada por estar revelando seus pensamentos em voz alta.

Rosa sorriu, não um sorriso simples, pelo contrário, era um sorriso que enfeitava de orelha à orelha. Simone era doce; mesmo sem entender quais razões levaram sua filha a se aferrar à voz daquela moça, de qualquer forma estava contente por isso.

Rebeca começou a se remexer inquieta na cama, fazendo Rosa começar a chorar e Simone se assustar. O médico retirou o aparelho que a ajudava a respirar, afinal, ele havia percebido que havia sido por aquela razão que Rebeca se mexera. O aparelho a incomodava.

- Rebeca? Pode me ouvir? - O doutor perguntou em expectativa.

- Rebeca? - Simone chamou e, assim como ela pediu, os olhos vagarosamente começaram a se abrir.

Simone simplesmente paralisou; a garota abriu os olhos bem em sua direção, como se o tivesse feito unicamente para vê-la. A intensidade das orbes castanhas era intimidadora, mas em momento algum Simone desviou os olhos.

- Olá de novo. - Simone proferiu, deixando que um sorriso dominasse sua expressão.
Os castanho piscaram pela primeira vez e o médico lhe olhou em expectativa.

- Os seus olhos também são lindos. - A voz saiu baixa, tímida e acompanhada de um pequeno sorriso. Era mesmo real, ela havia acordado.

♥︎

Oq estão achando da história?

Em um piscar de olhos - REBILESOnde histórias criam vida. Descubra agora