silêncio

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Fátima

O casarão dormia. Apenas o som de meus passos, leves sobre o chão de madeira, ecoava pelos corredores vazios. Os primeiros raios de sol ainda não tinham tocado as montanhas de Petrópolis, e o frio da madrugada se mantinha, espesso, como um véu. A casa era grande demais para alguém como eu.

Grande demais até mesmo para a Condessa de Serra Alta, pensei.

Ela, que parecia preencher todos os espaços com sua presença, ainda assim parecia pequena diante de todo aquele vazio.

A mesa do café da manhã estava posta como de costume, tudo impecável: o bule de prata polido, os pães recém-saídos do forno, o aroma do café fresco se espalhando pela casa. Eu sempre me certificava de que tudo estivesse no lugar antes de subir para acordá-la.

Esse era o meu dever, afinal. Parte da rotina que nos mantinha ligadas de uma forma silenciosa e estranha.

Porque havia mais do que apenas obrigação no que eu fazia. Havia algo que eu jamais poderia admitir, nem para mim mesma.

Terminei de ajeitar os talheres, verificando uma última vez se estava tudo perfeito, e comecei a subir as escadas. O ar estava mais frio no andar de cima, e quando me aproximei dos aposentos dela, me preparei, como sempre fazia, para ver a condessa.

Diana. O nome dela parecia íntimo demais para ser pronunciado em voz alta, e até em pensamento, eu hesitava.

Ao chegar à porta de seu quarto, bati levemente. Esperava sempre um instante, ouvindo o leve ruído de seus passos lá dentro. Um lembrete de que, mesmo que estivéssemos tão próximas, havia uma linha que eu jamais poderia cruzar.

"Entre, Fátima." A voz dela atravessou a porta, baixa, como o roçar de seda. Eu a ouvia tantas vezes durante o dia, e ainda assim, cada vez que ela falava, meu coração vacilava.

Empurrei a porta devagar e entrei. A penumbra no quarto era cortada por uma fina linha de luz que entrava pela janela. Diana já estava de pé, como sempre. Ela nunca esperava que eu a acordasse.

Estava de costas para mim, seus longos cabelos loiros soltos, caindo como uma cortina de seda até a cintura.

O robe que ela usava era leve, de cetim preto, que contrastava com a palidez de sua pele, e seu olhar, perdido lá fora, me dizia que ela já estava pensando no dia que viria. As fazendas, as terras, as preocupações. Eu sabia o que passava pela cabeça dela, mesmo que ela nunca dissesse em voz alta.

"Senhora," murmurei, esperando por alguma instrução, sabendo que ela gostava de controlar o silêncio.

Ela não respondeu de imediato. Continuou parada ali, de frente para a janela, observando os campos de café que se estendiam ao longe, cobrindo as colinas como um mar verde escuro. Seus ombros pareciam mais tensos do que de costume, como se a sombra de algo estivesse sobre ela, pressionando-a, silenciosamente.

"Hoje vai ser um dia difícil," ela finalmente disse, ainda de costas para mim. Sua voz era calma, mas eu podia perceber a leve aspereza, o cansaço escondido. "Os homens de Juiz de Fora virão. Eles querem avaliar as terras. Querem comprá-las."

Meu peito apertou ao ouvir isso. Não era a primeira vez que a condessa mencionava a venda das terras. Desde a morte do marido, ela estava sob constante pressão. Pressão para casar novamente, para manter a propriedade ou vendê-la. Como se a única saída fosse entregar tudo.

Era injusto. Ela lutava sozinha contra todos. Mas eu sabia que não era meu lugar dizer nada. Meu papel era apenas ouvir. Acolher suas palavras e seguir em silêncio.

Ela finalmente se virou. Seus olhos encontraram os meus por um breve momento. Verdes, intensos. Sempre me desconcertava o quanto aqueles olhos me afetavam. Havia algo neles que eu não conseguia entender, algo que me fazia sentir muito mais do que deveria. Mas eu baixei o olhar, como sempre fazia, protegendo-me atrás da fachada de serva.

"Traga meu vestido preto," ela pediu, a voz soando mais suave, quase cansada. "O de cetim."

Fiz uma reverência rápida e fui até o grande armário no canto do quarto. Ao abrir as portas, os vestidos pendurados, um mais elegante que o outro, revelaram-se diante de mim.

O preto de cetim era o mais formal, aquele que ela usava quando precisava se impor. Um lembrete de que, apesar de tudo, ela ainda era a condessa.

Eu o retirei com cuidado e o trouxe até ela, observando enquanto ela desatava o cinto do robe e o deixava deslizar por seus ombros. Meus dedos tremiam levemente ao tocar o tecido delicado do vestido, ajudando-a a vesti-lo.

A seda fria contra minha pele quente me trouxe de volta à realidade de onde eu estava e do que eu era.

Uma empregada, apenas isso. Não havia espaço para nada mais.

Enquanto ajustava o vestido ao redor de sua cintura, ela permaneceu quieta, e, por um momento, senti que sua respiração havia mudado.

Algo no ar parecia diferente. O quarto estava mais silencioso, como se o mundo ao nosso redor houvesse parado.

Meus dedos, ao tocarem a pele exposta de sua nuca enquanto fechava os botões, tremiam, e, por um segundo, achei que ela fosse se virar. Que fosse olhar para mim de uma maneira que nunca havia olhado antes. Mas, em vez disso, ela respirou fundo e se afastou.

"Obrigada, Fátima," ela disse, sua voz de volta ao tom de comando. Seu olhar voltou à janela, como se nossa breve proximidade não tivesse acontecido.

"Senhora... deseja mais alguma coisa?" perguntei, a voz baixa, quase um sussurro.

Talvez eu quisesse que ela me desse uma razão para ficar. Que ela precisasse de algo mais. Mas, claro, ela não disse nada.

"Não, pode ir."

Eu assenti, silenciosa, e saí do quarto, o coração batendo forte demais. O peso do que eu sentia por ela — o desejo silencioso, o afeto que nunca poderia ser revelado — estava lá, pulsando em cada gesto. E, como sempre, eu afundei isso dentro de mim.

Eu era apenas uma sombra em sua vida, algo que estava ali, mas nunca seria visto realmente.

Mas eu não podia impedir os pensamentos que me invadiam ao fechar a porta atrás de mim.

O desejo de ser mais do que uma serva. O desejo de ser alguém para ela.

E, naquela manhã fria, enquanto o dia nascia, uma pequena parte de mim se perguntou se Diana também não sentia o mesmo.

lúmina - diamaOnde histórias criam vida. Descubra agora