Diana
O céu de Petrópolis parecia pesar sobre mim, um manto de nuvens que nunca se dissipava completamente. A bruma que se arrastava pelas montanhas refletia bem o estado da minha alma — sempre carregada, sempre à beira de uma tempestade que eu não conseguia controlar. Talvez fosse essa a minha sina, viver com esse peso nos ombros, uma viúva rica, mas prisioneira de expectativas que me sufocavam a cada dia.
A pressão sobre mim aumentava com o tempo. Havia sempre mais terras para gerenciar, mais decisões para tomar, mais pretendentes ansiosos para tomar o lugar de meu falecido marido. Não me faltavam conselhos de parentes, insistindo que eu deveria me casar novamente, que uma mulher na minha posição não poderia ficar sozinha. Eles não entendiam. Nunca entenderiam. Eu não estava sozinha.
Sentei-me à beira da cama, sentindo o cetim frio do vestido que Fátima tinha acabado de me ajudar a vestir. Meus pensamentos voltaram para o breve toque de suas mãos ao abotoar meu vestido, seus dedos ligeiramente trêmulos. Era sempre assim, pequenos gestos que falavam mais do que as palavras que trocávamos.
Fátima... Sempre tão dedicada, sempre tão presente. Era difícil definir o que eu sentia por ela. Às vezes, a sua presença me irritava, como se ela estivesse em todo lugar, sempre à espera de um comando, de uma necessidade minha que nem eu mesma sabia que tinha. Outras vezes, sua proximidade era a única coisa que me impedia de desmoronar completamente. Ela não sabia, mas eu dependia dela mais do que de qualquer outra pessoa nesta casa. E isso me apavorava.
Ouvi seus passos se afastando pela porta. Ela era discreta, como uma sombra que se esvaía na penumbra. Às vezes, eu desejava que ela não fosse tão perfeita em se esconder, que fizesse algo, qualquer coisa, para que eu pudesse confrontar o que estava crescendo dentro de mim. Mas Fátima nunca ultrapassava essa linha, sempre se mantinha em seu lugar, obediente e silenciosa.
Levantei-me e caminhei até a janela. Os campos de café se estendiam como um mar vasto e verde. Já eram meus há tantos anos, mas hoje pareciam à beira do colapso. Os homens de Juiz de Fora chegariam em breve. Eles queriam comprar minhas terras, as terras que meu marido lutou para manter durante anos. O próprio pensamento de vender era como uma punhalada em meu orgulho, mas a realidade era cruel: eu não conseguia mais manter tudo sozinha.
"Eles pensam que podem me tirar isso... Que eu sou fraca, que uma mulher não pode fazer o que um homem fez..."
Murmurei para mim mesma, as palavras se misturando com o ar gelado que entrava pela janela entreaberta.
Mas eu não era fraca. Eu sabia o que eles queriam, e sabia que, se eu cedesse, perderia tudo. Isso incluía muito mais do que apenas as fazendas. Havia algo em jogo que ninguém poderia ver. Algo que eu me recusava a admitir até mesmo para mim.
Pensei no olhar de Fátima naquela manhã, quando nossos olhos se encontraram por um breve segundo. Aqueles olhos escuros, que sempre me observavam, sempre atentos. Não era a primeira vez que eu me pegava imaginando o que realmente se passava na cabeça dela. Havia algo mais por trás de sua lealdade, disso eu tinha certeza. Algo que ela escondia tão bem quanto eu escondia o que sentia.
Porque, no fundo, eu sabia o que aquilo era. Mas como eu poderia admitir? Como poderia sequer pensar na possibilidade de que a pessoa em quem eu mais confiava era também aquela por quem eu sentia algo que jamais poderia ser exposto? Fátima era minha serva, uma criada. O que diriam se soubessem que eu, Diana, a condessa de Serra Alta, estava presa a sentimentos tão inapropriados? Um escândalo. Uma loucura.
Mas não era loucura. Não para mim. Era a única coisa que ainda me fazia sentir viva, em meio a todo esse caos. Quando ela estava perto, quando suas mãos tocavam minha pele ao me vestir, ou quando seus olhos me seguiam de longe, havia algo ali que eu não podia ignorar.
E eu sabia que ela sentia o mesmo. Eu via nos pequenos gestos, nos olhares furtivos que trocávamos. Ela jamais ousaria confessar, e eu jamais a forçaria a isso. Mas o desejo pairava entre nós, inconfessável e silencioso, como um fantasma que rondava o casarão. Talvez fosse esse o motivo pelo qual eu ainda suportava tudo isso. Talvez fosse por ela que eu continuava a lutar.
Voltei-me para o espelho, ajustando os detalhes finais do vestido. O cetim preto me fazia parecer mais forte do que eu me sentia. Hoje seria mais um teste, mais uma batalha. Eu enfrentaria aqueles homens de Juiz de Fora, e depois, enfrentaria meus próprios sentimentos. Mas, por agora, tudo o que eu podia fazer era manter a fachada.
Alguém bateu à porta. Era um dos criados, anunciando que os visitantes já estavam a caminho. Respirei fundo, ajustando o véu de frieza que eu usava para o mundo.
"Estou pronta," respondi, minha voz firme, mesmo que por dentro eu estivesse em pedaços.
Eu estava pronta para lidar com os homens que tentariam tomar minhas terras, pronta para lutar pelo que me pertencia. Mas, quando o dia terminasse e eu estivesse de volta ao silêncio de meus aposentos, enfrentaria algo ainda mais perigoso. Algo que não podia ser vencido com palavras duras ou contratos.
Fátima.
Porque, no final de tudo, era ela que me mantinha acordada à noite, seus gestos silenciosos me assombrando mais do que qualquer ameaça de ruína financeira. E não importava o quanto eu tentasse esconder isso, não importava o quanto eu tentasse manter a distância.
Ela estava lá. Sempre esteve. E, inevitavelmente, um dia, eu teria que decidir o que fazer com isso.
Quando desci as escadas para encontrar meus convidados, vi Fátima à distância, observando-me enquanto supervisionava os criados. Nossos olhos se encontraram por um breve segundo, e eu me perguntei se ela sabia o quanto sua presença me afetava. Eu não pude desviar o olhar de imediato, e por um momento, esqueci dos homens que estavam para chegar, das terras, do peso do meu nome.
Tudo o que eu via era ela.
Dei um passo à frente, sentindo o chão frio sob meus pés. Hoje, enfrentaria o mundo.
Mas sabia, em algum lugar profundo dentro de mim, que o verdadeiro desafio ainda estava por vir.
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lúmina - diama
Romanceem que diana é uma condessa viúva presa pelas convenções sociais, e fátima, sua empregada leal.