rumores

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Diana

A manhã começou fria, como sempre, nas montanhas de Petrópolis. A neblina cobria as colinas, e o casarão parecia flutuar num mar branco, suspenso entre a realidade e o esquecimento. A casa, com seus salões e quartos imensos, sempre fora o símbolo da minha força e do poder da minha família. Mas agora, o silêncio que antes me acalmava parecia carregar algo mais sombrio.

Os rumores estavam começando a se espalhar.

Os corredores sempre foram um labirinto de segredos. Os criados falavam em vozes baixas, sussurrando nas cozinhas, nos corredores de serviço. Eram murmúrios que, a princípio, ignorei.

Boatos são comuns em grandes propriedades. Mas, ultimamente, não conseguia afastar a sensação de que algo estava mudando, de que eu era o foco das conversas.

Os rumores eram sobre mim.

E sobre Fátima.

Sabia que seria inevitável. Desde a noite em que tudo mudou entre nós, desde o primeiro beijo e a descoberta de algo tão forte quanto proibido, uma linha havia sido cruzada.

Fátima e eu não éramos mais patroa e serva. Mesmo que tentássemos esconder, o mundo à nossa volta começava a perceber.

Os criados sempre observam, sempre veem mais do que deveriam.

A sala de jantar estava vazia quando entrei. A lareira apagada, o ar frio e úmido tomando o ambiente. Sentei-me à mesa, o vestido preto de lã aquecendo meus ombros como um escudo contra o frio de fora e, de certa forma, contra o que eu sentia por dentro.

As portas duplas se abriram sem fazer barulho, e Fátima entrou, carregando a bandeja com o café da manhã. Parecia tão calma, tão controlada como sempre. Só eu sabia o quanto seus dedos tremiam levemente enquanto arrumava a mesa.

— Bom dia, senhora — disse ela, com a voz suave e controlada. Sempre havia cuidado em suas palavras, como se pesasse cada uma antes de pronunciá-las.

— Bom dia, Fátima — respondi, observando seus movimentos. Como colocava as xícaras na mesa, como evitava me olhar diretamente. O silêncio entre nós era carregado de tudo o que não podíamos dizer. Eu a queria perto, mas sabia que esse desejo podia nos destruir.

— Alguma novidade hoje? — perguntei, tentando soar casual, mas o peso das palavras me traiu.

Ela hesitou, e seus olhos finalmente encontraram os meus. Havia algo neles, uma mistura de preocupação e medo que ela tentava esconder, mas que, naquela manhã, estava mais evidente do que nunca.

— Os criados... estão falando — disse baixinho, sem se mexer. — Ouvi algo esta manhã na cozinha.

Meu coração afundou. Sabia o que ela ia dizer, mas ouvir aquilo em voz alta tornava tudo muito mais real.

— O que estão dizendo? — perguntei, tentando manter a voz firme, embora o frio que senti não viesse só do clima.

Ela desviou o olhar, arrumando a borda da bandeja, ocupando as mãos.

— Que... que passamos muito tempo juntas. Que eu... que a senhora me favorece mais do que os outros.

Senti um nó apertar minha garganta e deixei meus olhos vagarem até a janela, onde a neblina ainda cobria os campos de café.

Sempre foi fácil ser a condessa. Ser a viúva solitária que controlava suas terras com uma mão firme. Mas agora, havia algo em jogo que me fazia perder esse controle.

Fátima não era apenas uma serva. Nunca foi. E agora todos começavam a perceber isso.

— Fátima — murmurei, mais baixo —, você acha que... eles sabem?

lúmina - diamaOnde histórias criam vida. Descubra agora