Diana
As terras de Serra Alta sempre foram meu refúgio e minha maior responsabilidade. Desde que me tornei condessa e herdei essas fazendas, cada colina coberta de pés de café, cada trabalhador e cada centímetro do solo representavam não apenas minha fonte de poder, mas também uma luta constante para manter o controle. Meu marido, antes de sua morte, costumava dizer que a terra era viva, e que a relação entre o dono e suas propriedades era tão frágil quanto qualquer outra. Nunca acreditei de verdade.
Até agora.
Estava no escritório quando recebi a notícia, e, de imediato, soube que algo estava errado. João, o capataz, entrou apressado, sem cerimônia, com o rosto pálido e preocupado – uma expressão que raramente via nele. Sempre foi um homem de poucas palavras, durão, acostumado aos desafios da plantação, mas o olhar em seus olhos era alarmante.
— Senhora, temo que algo grave tenha acontecido — disse ele, a voz rouca e grave, apertando o chapéu contra o peito. — As terras do leste... houve um incêndio.
Encarei-o por um momento, sentindo o chão desaparecer sob meus pés.
— Um incêndio? — Minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia.
— Sim, senhora. Começou na madrugada. Ninguém sabe como. Estamos tentando conter, mas o fogo já tomou uma parte significativa da plantação.
Levantei-me imediatamente, o coração disparado. O pânico estava crescendo dentro de mim, mas anos de prática em manter o controle me ajudaram a esconder a tempestade que se formava no peito.
— Quanta terra foi afetada?
João hesitou antes de responder, o que apenas aumentou minha ansiedade.
— Até agora, quase vinte hectares. Mas o vento está forte, e, se não conseguirmos controlar logo, pode se espalhar ainda mais.
Vinte hectares. Senti o impacto dessas palavras como um golpe físico. Era uma parte considerável da minha plantação de café, terras que haviam me rendido uma das melhores safras no ano anterior. Agora, estavam em chamas.
— Reúna todos os homens disponíveis — ordenei, com uma firmeza que eu mal sentia por dentro. — Não podemos perder mais terras. Vou até lá.
João assentiu rapidamente, saindo para organizar o que fosse necessário. Quando ele deixou o escritório, o silêncio me envolveu como uma parede sufocante. A sensação de desespero tentava me dominar, mas não podia permitir isso. Havia muito em jogo, e agora, mais do que nunca, eu precisava ser forte.
No fundo, o medo estava lá. Não era só o fogo ou a perda das terras. Era o acúmulo de tudo: os rumores, as ameaças veladas de homens como Artur e Leandro, e o constante perigo que pairava sobre mim e sobre a pessoa que mais importava. Era como se o incêndio fosse um reflexo daquilo que vinha se acumulando na minha vida pessoal. E agora, tudo parecia estar desmoronando.
Vesti-me rapidamente, com um casaco grosso e botas de montar. Quando Fátima entrou no quarto, seus olhos buscaram os meus, já sabendo que algo terrível havia acontecido.
— Vou até as terras do leste — disse, com uma voz mais fria do que pretendia. — Houve um incêndio.
— Incêndio? — Ela deu um passo à frente, a preocupação estampada em seu rosto. — Você precisa de ajuda. Não pode ir sozinha.
— Não estou sozinha — respondi, ajustando as luvas. — João e os trabalhadores já estão lá. Eu preciso ver o que está acontecendo com meus próprios olhos.
Ela hesitou, como se quisesse argumentar, mas sabia que não havia tempo. E, apesar de tudo, sabia que eu não deixaria que nada me impedisse de enfrentar o problema de frente.
— Seja cuidadosa — disse ela, com a voz baixa, mas cheia de emoção. — Eu vou esperar por você aqui.
O caminho até as terras do leste parecia mais longo do que o normal. A carruagem sacolejava pela estrada de terra, e a cada quilômetro, o cheiro de fumaça se tornava mais forte, mais opressor. O céu, que normalmente era de um azul claro e infinito, estava agora coberto por uma espessa nuvem cinza. Meu coração batia descompassado. Sabia que o que me aguardava não seria fácil.
Quando chegamos, o cenário era pior do que eu havia imaginado. As chamas ainda dançavam ao longe, devorando a vegetação com uma rapidez assustadora. A fumaça subia como uma cortina negra, cobrindo o horizonte, e o calor era sufocante, mesmo de onde eu estava. Os trabalhadores corriam de um lado para o outro, jogando baldes de água e cavando trincheiras para impedir que o fogo se espalhasse.
João veio ao meu encontro assim que desci da carruagem. Estava suado, coberto de fuligem, e seus olhos revelavam o cansaço e o desespero.
— Fizemos o que pudemos, mas o fogo... ele está fora de controle, senhora.
Olhei ao redor, sentindo uma impotência que eu odiava. Era como se as forças da natureza estivessem rindo de mim, mostrando que, apesar de todo o poder que eu pensava ter, havia coisas que não podia controlar.
— Quantos homens temos? — perguntei, tentando pensar em algo prático, algo que pudesse ser feito.
— Não o suficiente — respondeu João, frustrado. — E o vento está contra nós. Se continuar assim, perderemos ainda mais terras.
Eu queria gritar, exigir que o fogo fosse apagado imediatamente, que algo fosse feito para parar aquela destruição. Mas não havia solução fácil. As chamas continuavam a se espalhar, e cada hectare devorado pelo fogo representava uma perda imensurável para mim, para a fazenda, para os trabalhadores que dependiam daquela colheita.
Apoiei as mãos na cintura, observando o inferno diante de mim. As chamas lambiam as árvores e arbustos, e o cheiro de café queimado enchia o ar de maneira nauseante. Tudo o que eu havia trabalhado tão duramente para proteger estava desaparecendo diante dos meus olhos.
— Temos que proteger o que ainda resta — disse, virando-me para João. — Concentre os homens na criação de uma linha de fogo ao redor das terras que ainda estão intactas. Vamos isolar o que pudermos.
Ele assentiu rapidamente e se afastou para organizar os trabalhadores. Eu fiquei ali, sozinha por um momento, observando as chamas dançarem à distância, sentindo-me pequena e impotente diante da magnitude da destruição.
Sabia que aquele incêndio não era apenas uma ameaça para minhas terras. Era um símbolo do caos que se instalava na minha vida. As terras, ela, os rumores, os inimigos que rondavam, todos esperando uma fraqueza para atacar. E agora, mais do que nunca, eu sentia essa fraqueza. Sentia o peso de tudo o que estava em jogo, o peso das decisões que teria que tomar.
As terras podiam se recuperar com o tempo, mas eu não sabia se poderia dizer o mesmo sobre mim.
Respirei fundo e cerrei os punhos. Eu era a condessa de Serra Alta. Já havia enfrentado crises antes e sobrevivido. Esse incêndio, por pior que fosse, não seria o fim. Eu reconstruiria o que fosse necessário, protegeria o que restava. E, acima de tudo, não permitiria que nenhum dos meus inimigos — nem Artur, nem Leandro, nem os rumores que circulavam — tirassem o que era meu.
Ainda estava de pé. E enquanto estivesse, minhas terras e tudo o que construí permaneceriam comigo.
A luta não havia terminado.
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lúmina - diama
Romanceem que diana é uma condessa viúva presa pelas convenções sociais, e fátima, sua empregada leal.