Fátima
O sol brilhava com uma força incomum naquela manhã, enquanto eu caminhava atrás de Diana pelas ruas de paralelepípedos da cidade. O som das carroças, os gritos dos comerciantes e o burburinho constante das pessoas que passavam por nós preenchiam o ar com uma energia vibrante.
Para qualquer um de fora, aquele era apenas um dia comum de compras, mas, para mim, cada passo ao lado dela carregava um peso que só nós duas conhecíamos.
A cidade de Petrópolis sempre parecia mais movimentada do que eu lembrava, ou talvez fosse a tensão que eu sentia que fazia tudo parecer mais rápido, mais agitado. Diana havia decidido que precisava de alguns tecidos novos e, como sempre, quis que eu a acompanhasse.
Para os olhos de todos, eu era apenas a criada fiel, mas, para mim, andar ao lado dela, tão perto e ao mesmo tempo tão distante, era uma prova constante da delicada linha que cruzávamos todos os dias.
— Fátima, venha aqui — disse Diana, virando-se levemente para me chamar. Ela estava na frente de uma das lojas de tecidos mais elegantes da cidade, com o nome Maison du Soie gravado em letras douradas sobre a entrada.
Suas mãos estavam enluvadas, e o chapéu de aba larga sombreava seu rosto, mas eu ainda podia ver a determinação em seus olhos, aquele brilho de quem nunca deixava ninguém dizer que ela era menos do que deveria ser.
— Sim, senhora — respondi, me apressando para acompanhá-la até a entrada da loja. Os olhares dos transeuntes mal se fixavam em nós, mas eu sabia que, para alguns, o fato de Diana estar sempre comigo despertava curiosidade. Os comerciantes nos observavam com um respeito forçado, como sempre faziam diante da condessa de Serra Alta.
A porta da loja se abriu com um pequeno tilintar, e o interior nos envolveu imediatamente com o cheiro de tecidos finos, perfumes sutis e uma calma silenciosa, em contraste com o caos do lado de fora. Diana avançou com passos elegantes, e eu a segui de perto, observando-a enquanto ela inspecionava os tecidos expostos.
Enquanto ela percorria os corredores da loja, examinando os tecidos de cetim, veludo e seda, meu olhar se fixou nela, mas de uma maneira diferente. A forma como suas mãos deslizavam sobre os tecidos me fazia lembrar da noite anterior, do toque de seus dedos na minha pele, dos seus sussurros, cheios de promessas e medo. Ali, naquele ambiente tão público, tudo parecia tão normal, mas, dentro de mim, as emoções se reviravam como o mar antes de uma tempestade.
— Fátima — ouvi sua voz suave me chamar. — O que acha desse aqui?
Ela estava segurando um rolo de seda azul, a cor vibrante contrastando com a suavidade de seus dedos enluvados. Olhei para o tecido, mas minha mente estava em outro lugar. Em vez de pensar na cor, pensei em como seria tocá-la novamente, em como nossos momentos roubados eram a única coisa que me mantinha de pé.
— É lindo, senhora — respondi, tentando manter a compostura. Ela sorriu levemente, aquele sorriso reservado que só eu conhecia, antes de se virar para a vendedora.
— Seda azul. E esse veludo — disse ela, indicando outro tecido. — Vou levar ambos.
Enquanto a vendedora se apressava em atender, algo no ar parecia mudar. Um murmúrio suave atrás de nós me chamou a atenção, e virei-me para ver duas mulheres que também estavam na loja. Elas sussurravam entre si, lançando olhares rápidos em nossa direção. Não eram olhares de curiosidade inocente; eram olhares cheios de julgamento.
Senti meu corpo ficar tenso, o medo familiar subindo por minha espinha. Não era a primeira vez que notava isso — pessoas observando, falando baixinho, conectando as peças de um quebra-cabeça que eu e Diana tentávamos manter escondido. Aquilo que era nosso segredo, algo tão precioso e íntimo, estava começando a escapar por entre os dedos, a se espalhar em forma de rumores que ameaçavam destruir tudo.
Diana não parecia ter notado, ou, se notou, fingiu não se importar. Ela sempre foi mais forte do que eu nesse aspecto, sempre soube manter a aparência de controle absoluto. Enquanto ela discutia detalhes com a vendedora, tentei me acalmar, mas os olhares das mulheres continuavam, cada vez mais invasivos.
Quando saímos da loja, o clima parecia mais pesado. Diana caminhava à frente, mantendo a mesma postura ereta e elegante, mas eu podia sentir a tensão em seus ombros. Sabia que, assim como eu, ela estava ciente do perigo que nos cercava, das pessoas que começavam a perceber que havia algo mais entre nós.
— Você está quieta hoje — disse Diana, enquanto andávamos pelas ruas movimentadas.
Eu hesitei antes de responder, tentando encontrar as palavras certas. — As pessoas estão... observando — murmurei, baixando o olhar.
Ela parou de andar por um momento, virando-se para me encarar, o rosto sério. — Sempre observaram, Fátima. Somos mulheres em um mundo que sempre olha, sempre julga.
— Mas está piorando — respondi, olhando ao redor, sentindo o peso dos olhares, mesmo que ninguém estivesse realmente nos encarando naquele momento. — Eles estão falando sobre nós. Sei que você sente isso também.
Diana apertou os lábios, como se estivesse ponderando o que dizer. Ela era sempre tão cuidadosa, tão controlada, mas eu sabia que por trás daquela fachada havia uma vulnerabilidade que poucos viam. E, naquele momento, percebi que, por mais forte que ela fosse, Diana também temia o que estava por vir.
— Eu sei — admitiu, finalmente. — Mas precisamos ser cuidadosas. Ninguém pode nos separar, Fátima. Não vou deixar isso acontecer.
Suas palavras eram determinadas, mas havia algo mais. Uma fragilidade que apenas eu podia notar. Diana era uma mulher poderosa, mas o amor que sentíamos uma pela outra a expunha, nos expunha. E a cada dia que passava, o peso de manter aquilo escondido aumentava.
— Não posso perder você — murmurei, tão baixo que quase não ouvi minha própria voz.
Diana se aproximou de mim, seus olhos fixos nos meus, e, por um breve momento, esqueci que estávamos no meio de uma rua movimentada, cercadas por desconhecidos. — Você não vai me perder — disse ela, sua voz carregada de uma intensidade que me fez estremecer. — Nunca.
Meus olhos se encheram de lágrimas, mas segurei-as. Não havia espaço para fraqueza, não ali, não naquele momento. Respirei fundo e assenti, tentando manter a compostura.
— Agora, vamos — disse ela, suavemente, como se aquele momento de vulnerabilidade tivesse passado, substituído pela necessidade de seguir em frente, de continuar com nossas vidas como se nada estivesse acontecendo.
Mas o peso de tudo aquilo ainda estava lá, entre nós.
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lúmina - diama
Romanceem que diana é uma condessa viúva presa pelas convenções sociais, e fátima, sua empregada leal.