primavera

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Narrador

O vento suave da primavera trouxe uma nova energia para Serra Alta. As colinas, castigadas pelo rigor do inverno e pelos recentes desafios, agora floresciam sob o toque delicado da estação. As árvores ao redor do casarão balançavam com a brisa, carregando o doce perfume das flores recém-abertas. Abril havia chegado, e com ele, um novo ritmo se estabelecia na vida de Diana e Fátima.

Era como se, por um breve instante, o peso que sobre elas recaía tivesse se dissipado. Desde que a relação entre as duas mudara de forma tão inesperada e profunda, o mundo parecia ter se tornado um espaço particular, só delas. O tempo juntas se intensificara, transformando interações antes formais em risos abafados, toques discretos e olhares que dispensavam palavras.

Diana encontrara em Fátima uma presença que a confortava e distraía das questões que ainda lhe perturbavam. Fátima, por sua vez, vivia com a sensação de estar em um sonho — uma realidade paralela onde, por algumas horas, as regras do mundo exterior simplesmente não se aplicavam. O que elas tinham, escondido entre as paredes daquele casarão, era só delas.

Naquela noite, o céu estava limpo, pontilhado de estrelas, e o ar fresco da primavera entrava pelas janelas entreabertas, trazendo o perfume das flores do jardim. Diana, em frente ao espelho do quarto, ajustava o vestido escolhido para a ocasião. De um azul profundo, o tecido abraçava seu corpo com elegância, caindo suavemente pelos quadris. Os ombros expostos eram emoldurados por fios de cabelo soltos, propositalmente desalinhados.

Usava um perfume suave, floral, que se misturava ao aroma da noite. A maquiagem era sutil, apenas um toque de cor nos lábios e um leve brilho nas maçãs do rosto, ressaltando sua beleza natural. Os brincos escolhidos eram discretos, mas refletiam a luz das velas com um brilho delicado.

Enquanto se olhava no espelho, uma pontada de ansiedade passou por seu peito — não era medo, mas uma mistura de excitação e antecipação. Sabia que Fátima logo estaria ali. Desde que começaram a se encontrar secretamente para jantar, longe dos olhares do mundo exterior, aquilo se tornara um ritual. Esperavam que todos no casarão dormissem, e Fátima subia ao quarto de Diana para chamá-la.

Diana sorriu para si mesma no espelho, passando a mão pelos cabelos mais uma vez, querendo se certificar de que tudo estava em ordem. Sabia que a mulher que amava não faria nenhum comentário caso algo estivesse fora do lugar, mas estar impecável para ela tinha um significado especial.

Uma batida suave na porta interrompeu seus pensamentos. Era ela.

— Entre — disse Diana, sem se virar, mas observando o reflexo da porta se abrir no espelho.

Fátima entrou com passos leves e silenciosos. Vestia-se de forma simples, como sempre, mas a simplicidade apenas acentuava sua graça natural. O vestido claro de tecido leve movia-se suavemente enquanto ela caminhava. O coque frouxo deixava algumas mechas de cabelo soltas, emoldurando seu rosto de forma despretensiosa, mas encantadora.

Ela não usava maquiagem, exceto por um toque suave de cor nos lábios, uma cor que Diana já conhecia bem. Fátima também exalava um aroma fresco e cítrico, que Diana sempre associava à sua presença.

— Está linda, Diana — disse Fátima, com a voz baixa, característica dos momentos íntimos no quarto.

Diana sorriu, ainda observando o reflexo no espelho, antes de se virar por completo.

— E você, sempre tão elegante — respondeu, aproximando-se de Fátima. Seus olhares se encontraram, e as palavras se tornaram desnecessárias.

— Pronta para o nosso jantar? — perguntou Fátima, com um leve sorriso nos lábios.

— Sempre — respondeu Diana.

As duas saíram do quarto juntas, movendo-se com a cautela de quem não quer ser ouvido. O casarão, vasto e silencioso, parecia um labirinto de segredos naquela hora da noite. Seus passos ecoavam suavemente pelos corredores enquanto desciam até uma das salas menores. Ali, haviam montado uma mesa simples, iluminada apenas por velas e arrumada com delicadeza.

Longe das formalidades do salão principal, encontraram um espaço onde podiam estar juntas sem o peso das expectativas do dia. O jantar já estava servido, pratos simples mas cuidadosamente preparados, frutos do trabalho discreto de Fátima, que coordenava tudo sem levantar suspeitas.

Sentaram-se uma de frente para a outra, e por alguns minutos, o único som era o suave tilintar dos talheres. O silêncio entre elas era confortável, íntimo, o tipo de silêncio que só existe entre pessoas que se conhecem profundamente.

Depois de um tempo, Diana falou, quebrando a quietude.

— Às vezes me pergunto o que teria acontecido se eu tivesse seguido outro caminho... se tivesse recusado a responsabilidade das terras quando meu marido morreu. Eu poderia ter ido para a Europa, deixado tudo para trás — disse, quase falando consigo mesma.

Fátima sorriu, tomando um gole do vinho à mesa.

— E você acha que teria sido feliz lá? — perguntou, com os olhos brilhando de curiosidade.

— Não sei... Talvez. Mas a verdade é que não consigo me imaginar longe daqui. Serra Alta é parte de mim. Mesmo com todos os problemas, não sei se conseguiria ser outra pessoa sem este lugar.

Fátima assentiu. Ela sabia que as terras eram mais do que uma responsabilidade para Diana; eram uma extensão de quem ela era. Mas também sabia que havia algo mais que prendia Diana ali, algo que talvez ela ainda não tivesse compreendido por completo: as conexões humanas, especialmente a que tinha com Fátima.

— E você? — perguntou Diana, inclinando-se levemente sobre a mesa. — Alguma vez já quis fugir daqui? Ir para um lugar onde ninguém te conhecesse?

Fátima riu baixinho, um som suave que fez Diana sorrir.

— Às vezes. Penso em como seria a vida em uma cidade grande, onde eu fosse só mais uma pessoa comum. Deve ser libertador... — Ela deu de ombros. — Mas, no fundo, também não consigo me ver longe daqui.

Diana a olhou, absorvendo suas palavras. Havia algo na simplicidade de Fátima que a fazia parecer ancorada à realidade, enquanto Diana muitas vezes se perdia em seus próprios pensamentos.

— Sinto que encontrei algo aqui... com você — disse Diana, quase sussurrando.

Fátima a observou, seus olhos brilhando à luz suave das velas, e não precisou responder imediatamente. Ambas sabiam o que estava sendo dito.

— Eu também — respondeu Fátima, sua voz suave, quase como uma confissão.

O silêncio que se seguiu era carregado de uma emoção intensa, algo que crescera lentamente entre elas e que agora, finalmente, se tornava inegável.

Ela se levantou primeiro, movendo-se com uma graça quase silenciosa. Diana a observou, o coração acelerado, e quando Fátima se aproximou, Diana a puxou delicadamente pela mão, fazendo-a sentar ao seu lado.

Você é tudo o que eu preciso agora — murmurou Diana, inclinando-se para mais perto. Seus rostos agora estavam a centímetros de distância.

Diana inclinou -se um pouco mais, os olhos fixos nos de Fátima, e por um momento, tudo ao redor simplesmente desapareceu. A luz suave das velas refletia no rosto dela, destacando ainda mais a profundidade de seu olhar, enquanto sua pele parecia brilhar sob o calor do ambiente.

Quando segurou as mãos da mulher ao seu lado, seu toque era firme, mas ao mesmo tempo delicado, como se estivesse segurando algo raro, algo que, no fundo, sabia que não poderia deixar escapar.

lúmina - diamaOnde histórias criam vida. Descubra agora