𝟎𝟒

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Pov Vance Harper:

Vance estava deitado na cama, observando as sombras no teto do quarto. O ambiente ainda parecia estranho e frio, como se a qualquer momento ele fosse acordar e descobrir que tudo aquilo era apenas um pesadelo. O som abafado de seus próprios pensamentos ecoava em sua mente, uma cacofonia de lembranças, raiva e confusão. Ele não conseguia parar de pensar em sua mãe. Ela teria odiado isso, ele pensou, a garganta apertando.

Ele ouviu passos no corredor e, instintivamente, colocou os fones de ouvido novamente, mesmo que nenhuma música estivesse tocando. Era uma forma de se isolar. Fechar-se de tudo e de todos, o que sempre funcionava. Ou quase sempre.

Alguém bateu na porta, suave, quase hesitante.

— Vance? — Era a voz de Lois. — Posso entrar?

Ele revirou os olhos, querendo dizer "não", mas suspirou e tirou os fones, deixando o silêncio se arrastar por mais alguns segundos. 

— Entra logo.

Lois abriu a porta lentamente, espiando para dentro com um sorriso que parecia forçado. Ela entrou e parou ao lado da cama, parecendo incerta sobre o que dizer.

— Os meninos chegaram da escola — ela começou, mantendo a voz calma, como se falasse com uma bomba prestes a explodir. — Eles querem te conhecer.

— Grande merda — Vance murmurou, sem conseguir conter a irritação. — Não tô a fim de socializar.

Lois suspirou, claramente esperando esse tipo de reação.

 — Eu entendo que isso tudo é... complicado. E não quero forçar nada. Mas... só acho que seria bom vocês se conhecerem. Vocês são irmãos, afinal de contas.

Vance fez uma careta. Irmãos. Essa palavra soava tão distante quanto todo o resto. Ele nunca precisou de ninguém, muito menos de dois moleques que ele nem sabia que existiam até algumas horas atrás.

— Só cinco minutos, Vance — Lois pediu, tentando manter a calma e a paciência. — Se você quiser voltar para o quarto depois, tudo bem. Mas pelo menos... dá uma chance.

Ele respirou fundo, tentando afastar a irritação crescente. Cinco minutos. Ele podia aguentar cinco minutos. Era o mínimo para evitar mais uma discussão.

— Tá, beleza — ele resmungou, levantando-se da cama com má vontade.

Lois pareceu aliviada e sorriu suavemente. 

— Obrigada. Eles estão na sala. Vem comigo.

Ele seguiu Lois pelo corredor até a escada, sentindo o peso de cada passo como se estivesse indo para um julgamento. Ao descer, avistou dois garotos sentados no sofá, claramente esperando sua chegada. Um tinha cabelo escuro e cacheado, com uma expressão mais contida e tímida; o outro parecia mais descontraído, com cabelo curto e um sorriso fácil.

Jordan e Jonathan.

Vance parou no último degrau, cruzando os braços e observando os dois com um olhar desconfiado. Não disse nada, apenas esperou.

Jonathan foi o primeiro a se levantar. Ele parecia o mais extrovertido dos dois, e se aproximou com um sorriso meio desajeitado.

— E aí, cara? Eu sou o Jonathan — ele disse, estendendo a mão.

Vance olhou para a mão estendida por um segundo antes de finalmente apertá-la, embora sem muito entusiasmo.

— Vance.

Jordan, por sua vez, ficou um pouco mais hesitante, permanecendo no sofá por um momento antes de finalmente se levantar. Ele parecia mais cauteloso, como se estivesse avaliando Vance tanto quanto Vance o avaliava.

— Eu sou o Jordan — ele disse, a voz um pouco mais baixa. — É... legal te conhecer, eu acho.

Vance deu um leve aceno de cabeça, sem saber o que dizer. Ele não queria estar ali, e certamente não queria ser parte de uma "família" que ele não escolheu.

— Vocês são gêmeos? — Vance perguntou, notando as diferenças sutis entre os dois. Era óbvio que eles tinham personalidades completamente opostas.

Jonathan sorriu. 

— Yep. Mas a gente é bem diferente, como você pode ver. Ele é o quietão, e eu sou o falador — ele deu um leve soco no braço de Jordan, que rolou os olhos, mas sorriu um pouco.

— Percebi — Vance murmurou, tentando manter a interação mínima.

O silêncio que se seguiu foi estranho e desconfortável. Vance não sabia o que esperavam dele, e os gêmeos pareciam incertos sobre como se aproximar do meio-irmão recém-chegado.

Lois, percebendo a tensão, tentou quebrar o gelo. 

— Vocês têm algo em comum, sabem? Jordan também adora música. Talvez vocês possam falar sobre isso.

— Ah, é? — Vance arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços com mais firmeza. — Que tipo de música você curte?

Jordan deu de ombros, encolhendo-se um pouco como se estivesse envergonhado de responder.

 — Eu gosto de... coisas mais introspectivas. Tipo Radiohead, música indie... — Ele parecia desconfortável em admitir isso.

Vance bufou, tentando conter um sorriso sarcástico. 

— Bom, eu sou mais do Queen. Outro nível.

Jonathan deu uma risadinha. 

— Queen? Sério? Cara, Another One Bites the Dust é um clássico!

Finalmente, algo parecido com uma faísca de interesse cruzou o olhar de Vance. Talvez Jonathan não fosse tão irritante assim, afinal.

Another One Bites the Dust é a melhor música deles — Vance respondeu, meio sério, meio desafiador.

— Concordo — Jonathan respondeu com uma piscadela. — Mas We Will Rock You também é épica.

Jordan, por sua vez, deu um meio sorriso, embora parecesse ainda mais na defensiva. Ele olhou para o chão, desconfortável com a interação.

O que Lois esperava? Que eles de repente se tornassem uma grande e feliz família? Isso era pedir demais. Mas, ao menos, parecia que Jonathan estava tentando de verdade, o que era mais do que ele esperava.

— Vocês fazem o quê por aqui? — Vance perguntou, sentindo que a interação não podia parar ali, ou ficaria ainda mais estranha.

— Ah, a gente estuda na escola local e ajuda na fazenda de vez em quando — Jonathan respondeu. — E jogamos futebol americano. Nosso pai ama o esporte, então... acabamos jogando também.

Vance franziu o cenho ao ouvir "pai". Era estranho ouvir alguém se referir a Clark dessa maneira, como se ele fosse uma figura familiar. Ele nunca tinha tido esse tipo de relação com ninguém. Talvez por isso fosse tão difícil imaginar como isso funcionava.

Jordan finalmente falou novamente, com a voz baixa.

 — Nosso pai é... um cara legal. Vai ver você vai gostar dele, com o tempo.

Vance deu de ombros, ainda não convencido de nada disso. Ele queria acreditar que as coisas poderiam melhorar, mas a raiva e a dor ainda eram muito fortes para ele baixar a guarda.

— Veremos — ele disse, mais para si mesmo do que para os outros.

𝚁𝙴𝙱𝙾𝚁𝙽Onde histórias criam vida. Descubra agora