𝟎𝟕

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Pov Vance Harper:

O som das vozes na sala de estar chegava aos ouvidos de Vance assim que ele entrou na casa, no fim da tarde. Ele fechou a porta devagar, tirando os fones de ouvido e deixando-os pendurados no pescoço. As últimas horas no celeiro tinham sido um refúgio, mas agora ele estava de volta à realidade de Smallville, à realidade de viver com Clark Kent e sua nova "família".

Ele ouviu Lois falando com alguém no telefone, provavelmente sobre algum trabalho de jornalismo, enquanto Clark estava na cozinha, lavando os pratos do almoço. A cena parecia ridiculamente normal, o que só reforçava a sensação de deslocamento de Vance. Tudo ao redor dele gritava "cotidiano", enquanto ele ainda sentia a turbulência de sua vida se desmantelando por dentro.

Ele caminhou até as escadas, tentando passar despercebido, mas foi interrompido pela voz de Jonathan.

— Ei, Vance! — Jonathan apareceu na porta da sala de estar, um sorriso simpático no rosto. — Quer jogar um pouco de futebol com a gente? Vai ser divertido.

Jordan apareceu logo atrás, mais tímido, mas igualmente curioso. Os dois irmãos pareciam dispostos a tentar incluir Vance nas atividades normais da casa. Mas Vance não queria ser incluído.

— Não tô a fim — respondeu Vance, de forma ríspida, sem nem olhar diretamente para eles.

Jonathan trocou um olhar breve com Jordan, claramente não querendo desistir tão fácil.

— Ah, vem lá, cara. Vai ser só pra descontrair um pouco. Nada sério.

Vance suspirou, esfregando o rosto com uma das mãos. O fato de os gêmeos estarem tentando ser amigáveis só o deixava mais irritado. Ele não queria a amizade deles. Ele não queria estar ali.

— Eu já disse que não tô a fim — ele repetiu, o tom de voz subindo. — Por que vocês não me deixam em paz?

Jonathan deu um passo para trás, surpreso com a explosão, mas não respondeu de imediato. Já Jordan, que normalmente era mais introvertido, tomou a dianteira dessa vez.

— A gente só tá tentando ajudar — disse Jordan, com um ar mais sério do que Vance esperava. — Sei que não é fácil. Mas ficar isolado o tempo todo não vai mudar nada.

Vance sentiu seu sangue ferver. Como eles podiam presumir saber o que ele estava passando? Eles não tinham ideia do que era perder a mãe e ser forçado a viver com estranhos. Ele deu um passo à frente, encarando Jordan.

— Você acha que sabe o que é perder alguém? — A raiva de Vance estava à flor da pele. — Sabe como é ser jogado de um lado pro outro, sem ter um lugar pra chamar de casa? Não. Então para de fingir que entende.

Jordan estreitou os olhos, a expressão endurecendo. Ele também tinha suas próprias batalhas internas, e estava claro que a paciência de ambos estava se esgotando.

— Você não é o único que tá com problemas, Vance — disse Jordan, a voz firme. — Todo mundo aqui tem suas coisas pra lidar. Mas a diferença é que a gente tenta, sabe? A gente tenta fazer as coisas funcionarem.

O ar na sala parecia pesado, carregado com a tensão entre os dois. Vance sentia o coração acelerado, a raiva quase transbordando. Ele estava à beira de explodir novamente, mas então a voz calma e controlada de Clark cortou o silêncio.

— Tudo bem por aqui? — Clark entrou na sala, secando as mãos em um pano de prato, a expressão neutra, mas claramente atento ao que estava acontecendo.

Jonathan, tentando desviar a tensão, balançou a cabeça.

— Sim, pai. Só... convidando o Vance pra jogar futebol.

Clark olhou de Vance para Jordan, percebendo a intensidade do momento. Ele sabia que o filho mais novo estava tentando ajudar, mas entendia que Vance ainda precisava de tempo para processar tudo.

— Jordan, Jonathan, por que vocês não vão jogando um pouco? Eu converso com o Vance — sugeriu Clark, mantendo a calma.

Os gêmeos assentiram, relutantes, mas obedientes. Jordan deu uma última olhada para Vance antes de sair. Era um olhar de compreensão, mas também de firmeza. Eles eram irmãos agora, e Jordan não ia recuar tão fácil, mesmo que Vance não estivesse pronto para aceitar isso.

Quando os gêmeos saíram, Clark suspirou e cruzou os braços, olhando para Vance com uma mistura de preocupação e paciência.

— Quer conversar sobre o que acabou de acontecer? — perguntou ele, a voz calma, mas direta.

Vance revirou os olhos e passou a mão pelos cabelos loiros cacheados, frustrado.

— Não tem nada pra conversar, tá legal? Eu só... não sei o que vocês querem de mim — disse ele, tentando controlar a raiva que ainda fervia em seu peito. — Vocês acham que é só "se integrar" e pronto? Eu não quero ser parte disso.

Clark respirou fundo, entendendo a dor por trás das palavras de Vance. Ele havia passado por muito em pouco tempo, e Clark sabia que forçar uma adaptação rápida não ajudaria.

— Ninguém espera que você se adapte do dia pra noite — disse Clark. — Eu sei que você passou por coisas que nenhum garoto da sua idade deveria passar. E sei que isso não é fácil. Mas, aqui, você tem um lugar. Eu quero que você entenda isso.

Vance não respondeu de imediato, apenas desviou o olhar, tentando processar o que Clark estava dizendo. Parte dele queria gritar, socar algo, extravasar a dor e o ressentimento. Mas outra parte... bem, outra parte estava cansada demais para lutar.

Clark se aproximou lentamente, abaixando-se para ficar na altura de Vance. Seu olhar era firme, mas caloroso.

— Você não precisa fazer isso sozinho. — Ele colocou uma mão no ombro de Vance, que inicialmente tensionou, mas depois relaxou um pouco. — Eu estarei aqui, independente de qualquer coisa. Nós estaremos.

As palavras ecoaram na cabeça de Vance, e, por um breve momento, ele permitiu que o peso delas se assentasse. Ele ainda não sabia se poderia confiar plenamente em Clark, ou nos outros. Mas uma coisa estava clara: Clark não ia desistir dele, não importa o quão difícil fosse.

Vance finalmente soltou um longo suspiro e olhou para Clark.

— Só... me dá um tempo, tá? — Ele falou, a voz cansada, mas menos agressiva.

Clark assentiu com um pequeno sorriso.

— Tempo é o que você precisa, e é o que vamos te dar.

Vance não respondeu, mas, ao sair da sala, sentiu algo diferente. Talvez, só talvez, ele pudesse encontrar um jeito de fazer aquilo funcionar. Ele não sabia como, mas, por enquanto, isso seria o suficiente.

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