𝟎𝟔

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Pov Vance Harper:

O som estridente do despertador ecoou pelo quarto escuro, cortando o silêncio da manhã como uma faca. Vance Harper abriu os olhos lentamente, piscando contra a luz fraca que entrava pelas frestas da cortina. Seu corpo estava pesado, como se ele tivesse dormido sobre uma pilha de pedras. Ele olhou para o teto, tentando se situar.

"Smallville", ele pensou, com uma mistura de incredulidade e resignação. Ele ainda não conseguia acreditar que realmente estava morando ali, no meio do nada, com um pai que ele mal conhecia.

O dia anterior parecia um borrão. A viagem com Clark e Lois, o breve tour pela casa, as apresentações desajeitadas aos gêmeos — Jordan e Jonathan, cujo comportamento hesitante deixava claro que eles também não sabiam como lidar com sua presença. Não havia um manual para esse tipo de situação. Eles estavam todos tateando no escuro.

Vance rolou para o lado e pegou o telefone na mesa de cabeceira. A tela se acendeu, revelando a imagem de sua mãe, Helen, sorrindo para ele. O fundo da foto era um parque que eles costumavam frequentar. Ele apertou os lábios, tentando segurar as emoções que começaram a subir à tona. Fazia apenas algumas dias que ele havia perdido sua mãe, e ainda assim, parecia uma eternidade.

Com um suspiro pesado, ele se forçou a levantar da cama. Seus fones de ouvido estavam jogados ao lado do travesseiro, e ele rapidamente os colocou, ligando sua playlist favorita. O som de "Another One Bites The Dust" do Queen começou a preencher sua mente, abafando o caos ao redor.

Ele se vestiu rapidamente — uma camiseta preta e jeans rasgados, uma roupa simples que combinava com seu estado de espírito. Quando desceu as escadas, o cheiro de café e ovos fritos invadiu seu nariz, o que o lembrou que, apesar de tudo, ele estava faminto.

Ao entrar na cozinha, ele encontrou Lois e Clark sentados à mesa, tomando café. Jonathan e Jordan estavam do outro lado, discutindo sobre algo relacionado ao treino de futebol dos dois.

O ambiente parecia normal demais para o que estava acontecendo, e isso irritava Vance. Como se sua vida estivesse desmoronando, mas todos ao seu redor simplesmente seguissem em frente, como se nada tivesse mudado. Como se ele fosse apenas uma nota de rodapé no meio da rotina familiar deles.

"Ótimo", pensou ele, pegando uma maçã da bancada sem dizer nada. Ele colocou um dos fones de ouvido e mordeu a fruta, caminhando até a porta, claramente disposto a sair dali o mais rápido possível.

— Vance, você quer se juntar a nós? — perguntou Lois, sua voz suave, mas com uma ponta de preocupação. — Eu fiz ovos.

Ele parou, sem virar para olhar, ainda mastigando a maçã. A música ainda vibrava em seus ouvidos, abafando o som da conversa.

— Não, tô de boa. — Ele respondeu, seco. Ele estava com fome, mas não queria fingir que tudo estava bem.

Lois trocou um olhar com Clark, que se levantou e caminhou até Vance.

— Hey, Vance — a voz de Clark era calma, mas firme. — Eu sei que isso é estranho para você. Pra todos nós, na verdade. Mas eu quero que você saiba que está tudo bem. Se você precisar de um tempo, a gente entende.

Vance tirou um dos fones de ouvido e olhou para Clark com uma mistura de frustração e exaustão.

— Não preciso de tempo. Só... não sei como ficar aqui — ele respondeu, a voz abafada pelas emoções que tentava segurar. — Eu não pedi por isso.

Clark assentiu, compreendendo a dor e o desconforto do filho. Ele estava tentando ser paciente, mesmo que soubesse que essa seria uma montanha-russa emocional para todos.

— Eu sei — Clark disse, sua voz suave. — Ninguém aqui está pedindo para você se sentir à vontade da noite para o dia. Mas nós estamos aqui para você. Quando estiver pronto.

Vance olhou para ele por um momento, e por mais que houvesse uma resistência latente dentro dele, algo na maneira como Clark falava parecia genuíno. Diferente. Mas ele ainda não sabia o que fazer com isso.

Sem responder, ele colocou o fone de ouvido de volta e saiu pela porta, indo para fora da casa.



O sol estava forte, brilhando sobre as plantações de milho que cercavam a fazenda. Vance caminhou até o celeiro, um lugar que parecia oferecer um pouco de solidão. Ele abriu a porta pesada e entrou, o cheiro de madeira envelhecida e feno o envolveu.

Ele se encostou contra uma pilha de feno e respirou fundo, sentindo a frustração subir como uma maré dentro dele. Tudo isso — a mudança, a nova família, o vazio que sua mãe havia deixado — era demais. Ele puxou os fones de ouvido, deixando o silêncio do celeiro preencher o espaço.

Por que ele? Por que tudo tinha que acontecer com ele? Vance olhou para as mãos, que tremiam ligeiramente, e cerrou os punhos. A raiva borbulhava em seu peito, aquela sensação familiar de descontrole que ele detestava.

Ele pegou o caderno de esboços que sempre carregava consigo, jogado em sua mochila. Pintar era a única coisa que o fazia sentir algum tipo de paz, o único jeito de expressar tudo o que ele sentia, sem precisar falar.

Com os lápis nas mãos, ele começou a desenhar. Linhas rápidas, caóticas, que se transformavam em formas sem muito sentido, mas que ajudavam a aliviar a pressão em sua cabeça. Ele desenhou e desenhou, perdendo a noção do tempo. A música em sua cabeça continuava, mesmo sem os fones, criando uma trilha sonora invisível para seus pensamentos.

Ele estava perdido nisso, até que ouviu uma voz suave chamar seu nome.

— Vance?

Ele ergueu o olhar, vendo Jordan parado na porta do celeiro, meio hesitante.

— O que é? — Vance respondeu de forma curta, não querendo ser interrompido.

Jordan coçou a nuca, visivelmente desconfortável, mas determinado a falar.

— Eu... eu sei que isso deve estar sendo difícil pra você. Não que eu entenda totalmente, mas... — Jordan hesitou, mas continuou. — Só queria dizer que, se precisar de alguém para conversar ou... qualquer coisa, eu tô por aqui.

Vance olhou para ele, estudando o rosto de Jordan. O garoto parecia sincero, mas Vance não estava pronto para confiar em ninguém ainda.

— Tá — foi tudo o que ele disse, voltando ao desenho.

Jordan assentiu, parecendo aceitar a resposta seca. Ele deu um passo para trás e, antes de sair, disse algo que fez Vance parar por um momento.

— Eu sei como é sentir raiva de tudo.

E com isso, Jordan saiu, deixando Vance sozinho novamente no celeiro, com o lápis nas mãos e um milhão de pensamentos rodopiando em sua cabeça.

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