𝟎𝟐

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Pov Vance Harper:

O som incessante da cidade ecoava pelas paredes desgastadas do abrigo. Sirenes, buzinas e vozes se misturavam em uma sinfonia caótica que Vance Harper já estava cansado de ouvir. Ele estava sentado em uma cama estreita, o colchão desconfortável afundando sob o peso de seu corpo, mas nada disso o incomodava. O mundo ao redor parecia desbotado, como se ele estivesse preso em um sonho que se recusava a acabar.

Vance encarava a parede à sua frente, mas seus pensamentos estavam a quilômetros dali. Sua mãe, Helen Harper, estava morta. O acidente que a levou ainda parecia irreal, como se ele fosse acordar a qualquer momento e encontrá-la na cozinha, rindo de algo bobo que ele disse ou reclamando de suas brigas na escola. Mas a realidade era cruel. Ele estava sozinho agora. E, pior, tudo estava prestes a mudar.

Ele não sabia como processar o que o advogado lhe contara alguns dias atrás: ele tinha um pai. Um pai que ele nunca conheceu, nunca sequer ouviu falar. O nome do homem era Clark Kent, um repórter de Smallville. Para Vance, ele era só mais um desconhecido, alguém que nunca se importou o suficiente para estar presente.

Ele apertou os punhos, o corpo tenso. Raiva e confusão se misturavam dentro dele. Não queria ter que lidar com aquilo agora, com o fato de que sua vida estava prestes a virar de cabeça para baixo. Ele não queria sair de Metrópolis, onde, apesar de tudo, ele tinha suas lembranças, sua vida... Ou o que restava dela. Mas o mundo não esperava pela vontade dele.

A porta do pequeno quarto onde ele estava se abriu, e uma assistente social apareceu. Ela sorriu de forma profissional, mas Vance notava o cansaço por trás de seus olhos.

— Vance? Seu pai está aqui para te buscar — disse ela com uma voz suave, como se estivesse lidando com algo frágil.

Pai. Aquela palavra ainda parecia estranha para ele. Ele nunca teve um pai e nunca precisou de um. Então por que agora? Por que um homem que ele mal conhecia estava se metendo em sua vida justo quando tudo estava desmoronando?

Sem dizer nada, Vance se levantou, pegou a mochila com seus pertences e seguiu a assistente social pelos corredores do abrigo. As luzes fluorescentes zumbiam acima dele, lançando um brilho frio e artificial sobre tudo. Cada passo que ele dava parecia mais pesado que o anterior. Ele não queria ir. Não queria ser "salvo" por ninguém. Não precisava de um herói.

Quando chegaram ao saguão, Vance parou. Lá, de pé no meio do ambiente, estavam duas figuras. O homem que ele sabia ser Clark Kent — mais alto e mais forte do que ele esperava para um repórter — e uma mulher ao lado dele, provavelmente a esposa de Clark, com longos cabelos castanhos e um olhar atento. Ela parecia ser o tipo de pessoa que sabia mais do que demonstrava.

Clark deu um passo à frente, mas hesitou por um segundo, como se estivesse escolhendo suas palavras com cuidado.

— Vance... — começou ele, a voz calma e hesitante. — Eu sei que isso é muita coisa para você processar agora. E lamento que tenhamos que nos conhecer nessas circunstâncias.

Vance o encarou, sentindo o peso da raiva e do desconforto aumentar. Ele não queria estar ali, muito menos ser tirado da única vida que conhecia, mesmo que essa vida estivesse cheia de dor.

— É — Vance respondeu friamente, cruzando os braços. — Acho que não tinha uma maneira "boa" de você aparecer do nada.

Clark respirou fundo, claramente tentando manter a calma. A mulher ao lado dele, deu um passo à frente, um sorriso gentil em seu rosto.

— Vance, nós sabemos que você deve estar passando por muita coisa agora. Perder sua mãe, descobrir que tem um pai... — Ela lançou um olhar rápido para Clark antes de continuar. — Queremos que você saiba que estamos aqui para te ajudar, seja lá o que for que você precise.

Vance estreitou os olhos, descrente. Ele não precisava de ajuda, não dessas pessoas. Eles eram estranhos, e agora estavam tentando agir como se soubessem o que era melhor para ele.

— E onde você estava? — disparou Vance, direcionando a pergunta para Clark. — Durante todo esse tempo... Onde você estava?

Clark suspirou, seu semblante refletindo a dor da pergunta.

— Eu não sabia — respondeu ele, os olhos mostrando a verdade de suas palavras. — Se eu soubesse, teria feito algo. Nunca teria deixado você e sua mãe sozinhos. Sei que não vai ser fácil acreditar em mim agora, mas espero que, com o tempo, você veja que estou aqui para você, Vance.

Vance bufou, balançando a cabeça.

— Você não pode simplesmente aparecer na minha vida e esperar que eu acredite nisso. Vocês não estavam lá quando as coisas ficaram ruins. Não estavam lá quando... — Ele parou, sentindo a raiva e a dor sufocarem sua voz. — Quando tudo desmoronou.

Lois olhou para Clark, como se soubesse que havia mais por trás do que Vance estava dizendo. Clark, por sua vez, parecia sentir o peso do que estava por vir.

— Eu sei que passou por coisas que ninguém deveria passar — disse Clark, sua voz grave e cheia de compaixão. — E eu não vou fingir que posso consertar isso. Mas quero te dar um lugar seguro. Um lar.

Vance desviou o olhar. Um lar. Aquelas palavras soavam vazias para ele agora. Ele não conseguia imaginar o que poderia ser um lar depois de tudo o que passou. E, mesmo que conseguisse, não tinha certeza se queria isso de um estranho.

— Olha — disse ele, com a voz mais baixa. — Eu não preciso da sua piedade. Só... Vamos acabar logo com isso, ok?

Lois trocou mais um olhar preocupado com Clark antes de falar novamente.

— Entendemos que você precisa de tempo, Vance. Estamos aqui para te dar o que você precisa. Não queremos te pressionar — disse ela com gentileza. — Inclusive meu nome é Lois Lane.

Clark assentiu, ainda olhando para o filho com a expressão séria.

— Vamos com calma. Sem pressão — acrescentou ele, enquanto indicava a porta com um gesto suave. — Quando você estiver pronto, podemos ir.

Vance não disse mais nada. Apenas pegou sua mochila e os seguiu em silêncio. Ele não sabia o que esperar dali em diante, mas uma coisa era certa: ele não estava pronto para ser "o filho de Clark Kent."

Muito menos para o que viria a seguir.

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