Segredos ao Anoitecer

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O vento começou a esfriar à medida que o sol desaparecia no horizonte, deixando para trás apenas o brilho laranja no céu. Miguel olhou para Luísa, que ainda estava perdida na vista do oceano. Havia algo na forma como ela absorvia aquele momento, como se tentasse gravar cada detalhe em sua memória. Para ele, o Arpoador sempre fora uma espécie de refúgio, um lugar para pensar, mas para Luísa, parecia algo mais. Uma despedida ou um novo começo.

— E agora? — perguntou ele, quebrando o silêncio, mas com uma voz calma, quase com medo de interromper seus pensamentos.

Ela piscou, como se voltasse à realidade, e o olhou. Seus olhos escuros, que pareciam ter segredos guardados, suavizaram por um instante.

— Agora... eu não sei. Talvez eu devesse ir — disse, mexendo distraidamente no cabelo, como se estivesse ponderando o que fazer.

— Não precisa ir ainda — ele sugeriu, com um sorriso amigável. — Ainda tem muito do Rio que você não viu.

Ela riu baixinho, mas havia uma tensão no som.

— Não sei se tenho muito tempo.

Miguel franziu o cenho. Era uma frase estranha para alguém que parecia estar de férias. Ele a observou por alguns segundos, tentando entender o que se passava por trás daquele comportamento enigmático.

— Você está de passagem? — perguntou, tentando ser sutil.

Luísa hesitou por um momento antes de responder, como se estivesse calculando a melhor forma de se abrir.

— Mais ou menos. Eu... tenho algumas coisas para resolver aqui. — Ela desviou o olhar, encarando novamente o mar, como se buscasse alguma resposta nas ondas. — Mas estou tentando aproveitar o tempo que tenho.

Miguel podia sentir que havia muito mais naquela frase do que ela estava deixando transparecer. Talvez ela estivesse fugindo de algo, ou de alguém. Mas ele não era o tipo de pessoa que pressionava alguém logo de cara. Preferia deixar as coisas fluírem naturalmente.

— Então deixa eu te mostrar mais uma coisa — disse ele, apontando para a lanchonete à beira da praia. — Tem que provar o açaí daqui antes de qualquer outra coisa.

Luísa sorriu, dessa vez um sorriso mais aberto, e concordou com a cabeça.

— Está bem, vou confiar em você.

Eles foram andando pela calçada em direção à lanchonete, conversando sobre coisas triviais — o quanto ela gostava de cidades grandes, o fato de Miguel não conseguir imaginar viver longe do mar. Com cada palavra, o clima entre eles parecia mais leve, embora Miguel ainda sentisse uma inquietação no ar, como se algo estivesse prestes a acontecer. Mas ele preferiu deixar aquela sensação de lado por enquanto e aproveitar o momento.

Enquanto aguardavam os pedidos, Miguel aproveitou a oportunidade para observar mais de perto a garota misteriosa. Ela era bonita, claro, mas havia uma aura de solidão ao redor dela. Mesmo quando sorria, era como se uma parte dela estivesse em outro lugar, distante. Ele sabia que aquela era a sua chance de tentar descobrir mais.

— E de onde você é, afinal? — perguntou ele casualmente, enquanto pegava o copo de açaí.

Ela mordeu o lábio, como se a pergunta fosse mais difícil do que parecia.

— São Paulo — respondeu finalmente. — Mas não volto lá faz um tempo.

Miguel franziu o cenho. A resposta parecia vaga demais para ser verdadeira, mas ele resolveu não insistir.

— E o que te trouxe ao Rio? Só por curiosidade.

Luísa deu uma pequena risada, mas ele notou que ela parecia desconfortável com a pergunta.

— Sabe... às vezes você precisa se distanciar de certas coisas para enxergar melhor. Eu precisava sair, respirar.

Ele assentiu, compreendendo o sentimento. Não era incomum ouvir isso de quem vinha ao Rio. Muitas pessoas buscavam a cidade como uma espécie de refúgio, um lugar para escapar de suas realidades.

— Faz sentido — disse ele, enquanto dava uma colherada no açaí. — A vida aqui pode ser uma fuga. O Rio tem esse jeito de fazer você se esquecer do que te aflige, nem que seja por um tempo.

Ela concordou, mas Miguel percebeu que havia algo mais em sua expressão. Era como se estivesse se escondendo atrás de cada palavra, evitando ir fundo demais. Ele sabia que não podia forçar nada, então mudou o assunto para coisas mais leves. Falaram sobre suas músicas favoritas, os melhores pontos turísticos do Rio, e as histórias engraçadas que Miguel já tinha presenciado nas praias.

Com o tempo, a tensão parecia diminuir, e Miguel se viu cada vez mais fascinado por Luísa. Mas, ainda assim, ele sentia que estava apenas arranhando a superfície. Ela era uma enigma, e ele queria, mais do que tudo, descobrir o que estava escondido por trás daquela fachada tranquila.

— Obrigada pelo açaí — disse ela, com um sorriso sincero. — Acho que nunca provei algo tão bom.

— Falei que era o melhor — disse ele, rindo. — Mas o que acha de fazermos um tour mais completo? Amanhã posso te levar a outros lugares incríveis do Rio. Vai depender de quanto tempo você tem.

Luísa hesitou por um segundo, o que não passou despercebido por ele. Era como se estivesse tentando decidir se deveria aceitar a oferta ou manter a distância.

— Talvez... — disse ela lentamente, antes de mudar de assunto. — Acho que preciso resolver algumas coisas amanhã, mas quem sabe depois?

Miguel assentiu, fingindo não ter notado a mudança abrupta de tópico.

— Quando você quiser, é só avisar.

Ela sorriu novamente, mas dessa vez parecia distante, como se sua mente estivesse longe dali.

Quando se despediram naquela noite, Miguel sentiu que havia algo estranho. Mesmo depois que ela desapareceu pela rua, algo nele ficou inquieto. Luísa era um mistério, e ele sabia que aquela não seria a última vez que seus caminhos se cruzariam.

Ao caminhar de volta para casa, ele pensou nas palavras dela. Algo sobre o jeito que ela falava, como se estivesse fugindo ou se escondendo de algo, ficou gravado em sua mente. Ele ainda não sabia o que era, mas estava determinado a descobrir.

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