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Nicole Queirós


O carro para diante de um portão de folhas duplas sem nenhuma visão para o que há do lado de dentro. Acima do muro alto, bem ao lado, há uma guarita onde um segurança monta guarda com muita atenção ao que acontece na rua. 

Um detalhe: estamos há vários quilômetros da última mansão que vi antes dessa. 

Não posso afirmar, mas tenho a impressão de que a próxima também não deve estar perto daqui. Mesmo assim, o homem observa tudo com olhos de águia. Um leve sorriso surge em seus lábios ao me ver saindo do carro. 

Uso óculos para perto, não para longe, e vejo muito bem seu olhar repleto de intenções.

Eu me faço de cega e agradeço ao motorista quando ele retira minha “bagagem” do seu porta-malas. Está entre aspas porque a tal bagagem é algo que se destaca. Trata-se de duas bolsas surradas e esse é todo meu patrimônio. 

Claro que tem a grande estrela. Não podemos esquecer. Um celular com a tela trincada. O objeto não foi comprado por mim ou meus pais, antes foi achado na beira do asfalto, a caminho da nossa humilde casinha no fim do mundo. 

Agora o destaque são meus amados pais. Sério. Eu amo meus velhos e sou muito grata a tudo que fizeram por mim e meus irmãos, mas sua falta de ambição sempre me incomodou. Meu pai é feliz quando mexe na terra e o arado é o seu maior tesouro. 

Já os sonhos de dona Rosário eram ter uma família grande e um casebre pra chamar de seu. Ambos realizados. Por isso, eles nunca entenderam meu desejo ardente de fugir da simplicidade do campo. 

Eu queria a poluição. O barulho da cidade grande. O frenesi das pessoas sempre apressadas. 

Acho que nasci no lugar e na família errada.

Amo mesmo meus velhos, mas não consigo lidar com seu excesso de humildade. Tenho sonhos e ambições, mas nenhum deles inclui arar a terra de sol a sol, ter uma penca de filhos e fazer tudo igual dia após dia. 

Não. Isso não é pra mim.

- Bom dia. - Olho pra cima e quase grito, enquanto o homem olha para baixo e aponta para um painel ao meu lado. - An… Estou sendo esperada. 

- Seu nome, por favor? - Sua expressão agora está séria e a voz é grave e assustadora. 

- Nicole Queirós, para a vaga de babá. - Vejo quando ele confere a informação em alguma lista ou registro, talvez. 

- Tudo bem. Vou abrir o portão lateral para os empregados. - Ele aponta para um local mais à esquerda da guarita. - Depois de passar pelo portão, siga sempre reto até avistar um prédio de dois andares. Procure por Rita. Ela é a governanta. 

- Obrigada. - Sorrio fraco e sigo suas instruções.

Acabo andando por mais de meia hora até conseguir ver o tal prédio de dois andares. Fico intrigada, imaginando se esta é toda a construção que há na propriedade. Não faz sentido, porque o terreno é imenso e uma coisa não condiz com a outra. 

Depois de me identificar a outro segurança, ele me leva a um escritório onde encontro a tal governanta. Nós nos apresentamos e ela me mostra uma cadeira diante de sua mesa. 

- Estávamos à sua espera, Nicole. Aliás, você foi muito bem recomendada. 

Sorrio e sinto as maçãs do meu rosto queimar. 

- Muito bem, o senhor Alvarez é um homem muito ocupado. Passa mais tempo viajando e cuidando de seus negócios do que por aqui. Então, seu trabalho será muito importante. 

A babá perfeita - EM ANDAMENTOOnde histórias criam vida. Descubra agora