Capítulo 1

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Era uma manhã calma na pequena livraria onde Tomás trabalhava, situada no centro da cidade, um refúgio para os amantes de literatura e, para muitos, um espaço onde o tempo parecia abrandar. Tomás, de óculos redondos e barba espessa, movia-se entre as estantes, colocando novos livros nas prateleiras. Gostava daquele silêncio confortável, do cheiro das páginas de livros novos e antigos, e da tranquilidade do seu trabalho.

Afonso, por outro lado, era tudo o que Tomás não parecia ser. Musculado, cabelo encaracolado e ar descontraído, destacava-se sempre que entrava na livraria. Não era um cliente habitual de uma livraria, pelo menos não parecia ser. Tomás reparava nele. Não só pela sua aparência desportiva, mas porque, de forma inesperada, Afonso surgia ali quase todas as semanas, e cada vez que o fazia, as suas visitas tornavam-se mais longas.

A verdade é que Afonso não era grande apreciador de literatura. Passava os dias entre o ginásio e as competições de desporto, mas havia algo na livraria que o puxava ali, algo, ou melhor, alguém. Desde a primeira vez que viu Tomás, Afonso sentiu-se intrigado. Havia algo no ar calmo e na gentileza daquele homem que o fazia querer voltar, mesmo sem perceber porquê.

- Bom dia, Tomás. - Disse Afonso, como quem já sabe o nome do funcionário da livraria de cor, apesar de nunca o ter usado antes. Tomás, surpreendido, ergueu o olhar do livro que tinha nas mãos e sorriu timidamente.

- Bom dia, Afonso. - Respondeu, reconhecendo o cliente frequente.

O diálogo, embora curto, fez com que algo mudasse entre os dois. Naquele dia, Afonso não olhou para as prateleiras, não fingiu procurar um livro de forma desinteressada. Aproximou-se do balcão, onde Tomás organizava uma pilha de livros recém-chegados. Havia uma tensão no ar, mas não era desconfortável. Era como se ambos estivessem à espera daquele momento, sem nunca o terem planeado.

- O que andas a ler? - Afonso perguntou, tentando disfarçar o seu nervosismo com um tom casual, cruzando os braços musculosos enquanto se encostava ao balcão.

Tomás sorriu ligeiramente, notando o esforço do outro em tentar parecer interessado. 

- Bem, no momento, estou a reler "O Grande Gatsby". Já ouviste falar? - Perguntou, com um brilho no olhar.

Afonso coçou a cabeça, sem saber muito sobre literatura, mas sem querer deixar a conversa morrer. - Já ouvi falar, mas nunca li... É sobre o quê?

Tomás, animado pela oportunidade de falar de algo que amava, começou a explicar o enredo, os temas de riqueza, amor e tragédia. Afonso ouvia, mas a sua atenção estava mais centrada na forma como os olhos de Tomás se iluminavam quando falava do livro. Era claro que a paixão de Tomás por aquilo era verdadeira, e isso apenas fazia Afonso querer saber mais, não só sobre o livro, mas sobre ele.

- Sabes, é engraçado. - Disse Afonso, interrompendo com uma confiança renovada.  - Eu nunca fui grande fã de livros, mas ultimamente sinto-me atraído por este lugar.

Tomás franziu o sobrolho, curioso com a sinceridade súbita. 

- A sério? O que te traz cá tantas vezes?

Afonso hesitou por um momento, o habitual ar confiante desaparecendo enquanto olhava para Tomás com mais seriedade. 

- Acho que és tu!

A sala pareceu congelar, e por um instante, Tomás ficou sem palavras. Não esperava aquilo, e menos ainda de Afonso, o homem desportivo que aparentava ser tão diferente de si. Sentiu o coração bater mais depressa, mas antes que pudesse responder, Afonso continuou.

- Sei que somos diferentes! - Admitiu Afonso, com um leve sorriso no canto dos lábios. - Mas há algo em ti, na forma como falas, na maneira como olhas para os livros, que... me faz querer conhecer-te melhor.

Tomás, ainda surpreso, deu um passo em direção a Afonso. 

- Afonso... Eu nunca teria imaginado... -  Começou, mas a frase ficou no ar, suspensa entre o nervosismo e a surpresa.

Afonso sorriu, desta vez mais confiante, e ergueu a mão, tocando levemente no braço de Tomás, sentindo a sua pele quente. 

- Então, talvez possamos tomar um café qualquer dia, sem livros à mistura. - Sugeriu ele com uma piscadela brincalhona.

Tomás soltou uma pequena gargalhada, sentindo o calor a subir-lhe ao rosto. 

- Talvez, mas não prometo deixar os livros em casa.

Os dois riram, e naquele momento, a livraria, com todas as suas páginas cheias de histórias de outros tempos e lugares, tornava-se o cenário de um novo capítulo na vida de Tomás e Afonso. Um que começava devagar, com conversas tímidas e olhares trocados, mas que prometia ser tão intenso e apaixonante como qualquer romance nas prateleiras.

Naquela livraria, entre dois mundos aparentemente tão diferentes, nascia algo inesperado e bonito.

Era uma Vez...Onde histórias criam vida. Descubra agora