Depois daquele almoço inesperado com Henrique, senti que algo havia mudado. Não sabia se era a leveza de uma conversa despretensiosa ou o fato de estar fora do hospital por algumas horas, mas o peso do mundo parecia um pouco menos esmagador naquele momento. Quando voltei para o hospital, minha mãe estava dormindo, o quarto silencioso, exceto pelo suave bip da máquina ao lado dela.
Passei o restante da tarde ali, ao lado dela, até que o relógio indicou o fim do dia. Já estava acostumada com a rotina; as enfermeiras faziam suas rondas, verificavam os sinais vitais da minha mãe, e eu tentava me ocupar com qualquer coisa para evitar pensar no futuro incerto.
Por volta das 19h, decidi que era hora de ir para casa. Passei a última semana quase que integralmente no hospital, e o desgaste emocional começava a me consumir. Antes de sair, fui até a enfermeira responsável para garantir que minha mãe ficaria bem durante a noite.
— Não se preocupe, vamos cuidar dela — disse a enfermeira com um sorriso gentil. Agradeci, forçando um sorriso de volta, e me dirigi para o estacionamento.
O céu já estava escuro quando entrei no carro. As luzes da cidade piscavam lá fora, mas minha mente estava distante, perdida em um turbilhão de pensamentos. A questão financeira não saía da minha cabeça. O que mais eu poderia fazer? Como conseguir o dinheiro necessário para transferir minha mãe para um hospital especializado? Nenhuma solução parecia viável.
Foi quando meu celular vibrou no bolso. Olhei a tela e, para minha surpresa, era uma mensagem de Henrique.
Henrique: Chegou bem em casa?
Surpreendentemente, o gesto me fez sorrir. Henrique tinha sido atencioso durante o almoço, mas não esperava que ele se preocupasse depois disso. Respondi rapidamente:
Maitê: Ainda estou no hospital, mas já estou indo para casa.
A resposta veio em segundos:
Henrique: Se precisar de algo, me avise. Posso passar aí.
Fiquei tentada a recusar, como fazia instintivamente, mas me peguei pensando em como aquele dia tinha sido menos exaustivo por causa da companhia dele. Digitei lentamente:
Maitê: Estou bem, mas obrigada.
Guardei o celular e, naquele momento, decidi que seria mais firme com minhas emoções. Por mais que Henrique estivesse sendo atencioso, eu ainda não sabia exatamente como me sentia em relação a ele.
No entanto, no dia seguinte, Henrique reapareceu. Eu estava no hospital, observando o médico verificar os sinais vitais da minha mãe, quando ouvi a porta se abrir. Era ele, entrando com a mesma leveza de sempre, carregando uma sacola.
— Trouxe isso pra você. — Ele colocou a sacola em cima da mesa ao lado da cama. — Pensei que talvez não tivesse almoçado ainda.
Eu olhei para ele, surpresa, e depois para a sacola. Era comida do restaurante onde havíamos almoçado no dia anterior.
— Henrique... — comecei, sem saber ao certo o que dizer.
— Sei que você provavelmente não está com cabeça para sair de novo, então trouxe o restaurante até você — ele disse com um sorriso tranquilo.
Tentei não demonstrar o quanto aquilo havia me tocado. Desde que minha mãe havia sido hospitalizada, era raro alguém cuidar de mim dessa forma. Sentei na poltrona ao lado da cama e suspirei.
— Obrigada. — Minha voz saiu mais suave do que eu pretendia.
Ele se sentou em uma das cadeiras ao lado, observando-me. O jeito como ele conseguia manter uma conversa sem invadir meu espaço era admirável. Ele não parecia querer forçar nenhuma situação, mas sua presença era reconfortante. Aquilo me deixava confusa, pois, embora ainda mantivesse uma barreira, era difícil não reconhecer o quanto ele estava se esforçando para estar presente.
— E sua mãe, como está hoje? — Henrique perguntou depois de um momento, com genuíno interesse.
— O mesmo de sempre. — Suspirei. — Ela precisa de um tratamento especializado. Eu só... não sei como vou conseguir o dinheiro para isso.
Henrique assentiu, pensativo, mas não disse nada imediatamente. Ele parecia escolher suas palavras cuidadosamente antes de falar, o que me deixava à vontade para continuar desabafando.
— É frustrante... eu me sinto inútil. Perdi o emprego, minha mãe está piorando e parece que nada que eu faça é suficiente. — As palavras saíram antes que eu pudesse contê-las. Surpreendi-me ao notar que estava confiando nele mais do que pretendia.
Henrique apoiou os cotovelos nos joelhos, inclinando-se ligeiramente para a frente.
— Você já pensou em fazer algo diferente? — Sua voz era calma, quase suave, mas havia um certo tom enigmático.
— Diferente? — Olhei para ele, confusa.
— Você é uma excelente cozinheira, Maitê. E sei que agora as coisas estão complicadas, mas... e se você usasse esse tempo para começar a construir algo seu?
Eu ri, incrédula.
— Abrir um restaurante? Agora? — Minha risada saiu amarga, sem intenção.
— Não exatamente. — Ele sorriu de canto. — Pensei em algo menor. Que tal oferecer seus serviços como chef particular? Muitas pessoas ricas pagariam muito por alguém talentoso como você para preparar jantares especiais em suas casas.
— Você acha que eu conseguiria? — Minha voz saiu mais hesitante do que eu queria.
— Tenho certeza. — O tom firme de Henrique me fez parar. — E posso te ajudar com isso. Conheço muita gente que adoraria ter um jantar preparado por alguém como você.
Olhei para ele, surpresa. A ideia parecia absurda, mas ao mesmo tempo, uma pequena chama de esperança acendeu em meu peito. Talvez fosse uma loucura. Talvez fosse exatamente o que eu precisava.
— Eu não sei... — comecei a dizer, mas ele me interrompeu suavemente.
— Pense nisso, sem pressa. Mas não se subestime, Maitê. Você é muito mais forte e capaz do que imagina. — Seus olhos encontraram os meus, e pela primeira vez em muito tempo, senti como se alguém realmente acreditasse em mim.
Ficamos em silêncio por um momento, e eu percebi que aquela proposta era mais do que apenas uma oferta de ajuda. Era uma oportunidade de retomar o controle da minha vida, de sair da inércia em que eu havia me colocado desde que tudo começou a desmoronar.
— Eu... vou pensar. — Finalmente, minha voz saiu mais firme. E, pela primeira vez em dias, havia uma pequena faísca de determinação.
Henrique assentiu, seu sorriso suave e cativante como sempre.
— Quando você decidir, estarei aqui para ajudar no que precisar.
Ele se levantou, acenando para minha mãe antes de sair do quarto. Fiquei ali, sentada em silêncio, refletindo sobre tudo o que ele havia dito. Henrique estava me oferecendo uma chance de mudar meu rumo. E talvez, só talvez, fosse hora de eu aceitar.
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Chamas do Desejo
RomanceAcostumado a conseguir tudo o que deseja, Henrique inicialmente a vê como mais uma conquista fácil. No entanto, Maitê não é como as mulheres com quem ele está acostumado. Ao ser tratada com desdém e arrogância, ela impõe limites e o rejeita, despert...