Ato VI: Covardes que se dizem leões.

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Eu me tornei deuses, vilões e bobos. Mudei os meus planos, minhas regras, troquei de namorados e de roupas só pra superar a sua ausência. E você ficou lá, só olhando.

Dândi.

Olhos cansados. Pescoço rígido. Garganta seca. Ombros elevados e tensionados. Peito apertado. Mãos geladas. Pernas trêmulas.

A decoração vintage escolhida por meu tio Olavo, as janelas que vão do teto ao chão e as paredes desgastadas e sem graça me prendem nesta sala, com um piano à esquerda e quadros à direita nos quais vislumbro um pedaço do meu passado, mas somente quando minhas pupilas dilatadas miram o corpo de Atthis parado à minha frente, afastado por alguns passos, é quando eu me pergunto por quanto tempo a minha vitalidade ainda vai me manter de pé.

Pela primeira vez em muito tempo, eu me sinto uma presa. Devo tornar Atthis a minha antes que o pior possa me acontecer? Preciso olhá-lo com tanto pesar e receio? Há necessidade de estar com os punhos cerrados, as unhas raspando minha pele com tanta força como se eu precisasse urgentemente arrancá-la do meu corpo?

Eu não consigo pronunciar seu nome sem sentir uma avalanche de tremores, e a cada olhar dele e quanto mais tenta se aproximar, mais sinto que recupero o ar que não respiro há um século apenas para tê-lo arrancado de mim novamente. É assim que me sinto: com meu ar sendo retirado a cada respirada minha.

Não há ansiedade em mim, sequer posso sentir as emoções que os humanos sentem; dores, doenças e qualquer outra merda designada ao karma da humanidade. No entanto, a maneira como tudo ao meu redor está conflituoso, ardente e destrutivo assemelha-se a um carro colidindo contra um muro, quase me levando a uma crise nervosa.

Enquanto isso, Atthis me observa. Tão próximo e, ao mesmo tempo, tão distante, com seus olhos acastanhados banhados na frieza dos lagos mais profundos da Itália.

— Qual é a sua música favorita para tocar? — Ele pergunta, movendo-se em direção ao piano, mas não me deixa respondê-lo sem antes colocar para fora o que eu imagino ter lutado para guardar por mais tempo. — Escutei algumas coisas sobre você e estou surpreso com tanta mudança.

Meus olhos se movem junto ao seu corpo, observando cautelosamente cada detalhe dele na tentativa de encontrar alguma falha que entregue uma possível farsa. Minha garganta começa a me incomodar; não consigo hidratá-la com a minha própria saliva, e formular uma resposta se torna difícil. Parece que eu estou à beira de um derrame.

Give Me Love, do Ed Sheeran. — Respondo, limpando a garganta, tentando me racionalizar. Preciso. Preciso mesmo estar com a cabeça aqui e não me deixar levar por emoções que não sentia há uma porrada de tempo. — In Pieces, do Linkin Park, também é muito boa. — Fixo meu olhar nas mãos dele, que deslizam pela tampa do piano, acariciando-o enquanto caminha até mim. Meu corpo reseta. Fui pego desprevenido. — Escutou sobre mim através de Alejandro? — Arqueio o cenho, evidentemente interessado. — Há muitas coisas sobre você que eu não sei; uma delas é sua ligação com Lúcifer.

Ele me olha com atenção e me surpreende que não tenha receio algum de fazê-lo.

— Você acha que eu me esqueci de você? — Indaga, curvando as sobrancelhas. Apoia o braço direito na tampa do piano e inclina a cabeça para me observar. — Responda-me se achou que, em algum momento, eu me esqueceria de você.

— O que eu acho não é o ponto aqui. — Digo, elevando meu olhar para o pescoço dele. Reconheço algumas das estrelas tatuadas; as mesmas que Jimin e eu temos. Coloco minha mão tatuada no bolso da calça social. — A sua volta é.

— Eu sei que você não ficou feliz com ela. — Ele diz, diminuindo o tom de voz e emanando obviedade. Apesar da rouquidão e da determinação em sua fala, agora há vestígios de melancolia, como se, de algum modo, estivesse sentido em saber que feliz é a última coisa que eu estou. — Sei que você não estava preparado, que sequer cogitava e que agora há um Universo de diferenças nos afastando. Eu sou humano, sabia? — Ele prende o lábio inferior entre os dentes com força; a pele fica avermelhada pelo sangue acumulado. — E sei que você não é. Alejandro me contou.

ROCK MÁFIA IIOnde histórias criam vida. Descubra agora