Nick olhava ao redor da sala com uma curiosidade que, para mim, parecia refletir algo mais profundo. Ele parecia tentar decifrar cada detalhe, cada objeto fora do lugar, como se procurasse pistas sobre mim ou sobre a própria casa.
— Então... o que exatamente você estava fazendo na floresta? — perguntei, incapaz de esconder a curiosidade. A lembrança dele caído na estrada, praticamente seminu, ainda estava vívida em minha mente. Eu queria entender como alguém acabava numa situação tão bizarra.
Ele deu um sorriso enigmático.
—Eu passo muito tempo na floresta — começou, cruzando os braços. — Faço parte de uma aldeia. — explicou, com um certo orgulho. — Aprendi desde pequeno a respeitar a floresta. Então, de certa forma, acabo me ocupando em proteger o lugar de caçadores ilegais. Isso, além de fazer as minhas... corridas.
— Caçadores ilegais? Sério? — perguntei, surpresa. — Isso me parece algo de filme.
Ele deu uma risada curta, mas sincera.
— É mais comum do que você imagina. As pessoas acham que esses lugares não tem leis. Então, caçar aqui é ilegal, mas ainda aparecem alguns que querem se aproveitar.
— Uau. — Eu nunca tinha pensado muito sobre a floresta, pelo menos não desse jeito. Minha mãe sempre falava dela com reverência, mas eu nunca tinha imaginado que existiam pessoas como Nick, que dedicavam a vida a proteger esse ambiente. — E você faz isso sozinho?
Ele balançou a cabeça, sorrindo de lado.
— Digamos que sou... especial. Eu e minha aldeia temos uma conexão antiga com esse lugar — disse, mas sem maiores detalhes.
— Especial? Como assim? — perguntei, intrigada.
Nick apenas deu de ombros.
— É difícil explicar pra alguém de fora. Mas é algo que vem do sangue, do que somos — disse, em um tom misterioso que me deixou com um milhão de perguntas presas na garganta.
Aquele jeito meio enigmático dele só aumentava a minha curiosidade, mas havia algo quase instintivo que me dizia que eu talvez ainda não estivesse pronta para ouvir todas as respostas. Fiquei apenas fascinada, tentando assimilar as informações.
Nick escutava com atenção enquanto eu explicava o motivo da minha presença ali, e, quando mencionei Chicago, ele franziu o cenho, como se a ideia de viver numa cidade tão grande fosse absurda.
— Chicago, é? E por que não aprender a viver em Willow Creek? — ele sugeriu, com um olhar que parecia carregar segredos antigos. — Tenho certeza de que, com o tempo, você passaria a gostar daqui mais do que de qualquer cidade grande.
Eu ri, sem conseguir levar a sério.
— Willow Creek é um lugar bonito, mas eu não sei se conseguiria trocar a vida lá pela tranquilidade daqui. Gosto da minha rotina — respondi, mesmo que uma parte de mim estivesse intrigada com a ideia.
Ele, no entanto, não riu. Observou-me com seriedade, e algo no olhar dele quase me fez questionar a certeza que eu tinha sobre o que queria. Willow Creek para mim era só uma passagem, mas, do jeito que ele falava, era como se ele soubesse algo que eu desconhecia.
— Falando nisso —eu disse, desconfortável sob aquele olhar — tive uma primeira noite bem agitada aqui. A casa parece viva. Barulhos por toda parte, como se a floresta estivesse... me observando. — Sorri, tentando disfarçar o nervosismo. — Foi tão estranho que só consegui dormir porque o cansaço me venceu.
Nick assentiu, como se minha descrição fosse mais natural do que o som do vento entre as árvores.
— A floresta fala, Anne. Ela respira com o passar das estações, ela é silenciosa quando quer ser, mas avisa quando há algo a temer. — Ele falou em um tom quase reverente, como se estivesse compartilhando um segredo. — Talvez o que você devesse passar a ouví-la, até mesmo para se proteger. Os barulhos, podem ser um aviso dela.
Aquilo me deu um arrepio, mas não quis transparecer o quanto aquelas palavras me atingiram. — Um aviso? — perguntei, tentando soar despreocupada.
—Sim — ele respondeu, sem perder o tom de seriedade. — A floresta tem sua própria forma de comunicar. Com o tempo, você vai aprender a entender os sinais. E, até lá...— ele fez uma pausa, me observando. — Acho que posso ajudar, e quiser.
— Você quer dizer... vigiar a floresta, por mim? — perguntei, meio rindo, tentando diminuir o peso da conversa.
Nick sorriu de lado, com aquele ar enigmático que parecia tão natural para ele.
— Se for necessário, sim. — disse. — Mas, na verdade, acho que você vai descobrir mais do que imagina. Esse lugar pode te ensinar muito sobre quem você é, se você der uma chance.
Eu apenas o encarei, absorvendo aquelas palavras, uma parte de mim cética e a outra, talvez a mais profunda, sentindo um estranho pressentimento.
Enquanto Nick e eu conversávamos, um som baixo e grave veio da direção da floresta, como um estalo profundo de galhos e folhas se movendo ao mesmo tempo. Ele se levantou de imediato, com o olhar fixo na janela, e percebi que todos os traços de casualidade que ele exibia tinham desaparecido.
— Eu preciso ir — ele disse.
O ruído reverberava na minha cabeça, e, antes que pudesse me conter, perguntei:
— Aquilo... é o aviso de que você falou?
Ele me olhou de canto, a expressão dele indecifrável.
— Não, Anne — ele respondeu calmamente. — É um chamado.
Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, Nick já estava na porta. O silêncio que se seguiu carregava perguntas demais, mas, estranhamente, eu não consegui formular nenhuma. Só o observei com aquela vontade de saber mais, e as palavras que saíram foram bem mais simples do que as que imaginei.
— Você... poderia aparecer mais vezes— eu disse, sem pensar, sem entender de onde vinha aquela confiança de pedir algo assim a alguém que mal conhecia.
Ele deu um leve sorriso e prometeu:
— Vou aparecer, Anne. Não se preocupe.
E então, sem mais explicações, Nick se virou e se perdeu na chuva, entrando na floresta com passos determinados. A neblina que cobria aquela tarde pareceu absorvê-lo, engolindo sua silhueta até que não restasse mais nada além das sombras entre as árvores. Fiquei ali, parada por alguns segundos, tentando entender aquele momento, quando de repente ouvi um uivo que cortou o silêncio da floresta.
O som atravessou a distância e o peso dele me atingiu em cheio. Meu coração disparou, e, sem pensar duas vezes, bati a porta, trancando-a com uma rapidez que eu sabia que era exagerada, mas não importava. Aquele uivo mexera comigo de uma forma inexplicável, como se trouxesse consigo algo primal, um medo até ancestral. O ar da sala parecia mais denso, e fiquei ali, escutando cada ruído, atenta ao mínimo som.
Finalmente, tomei uma respiração profunda, tentando controlar o ritmo do meu coração, e me forcei a racionalizar: era só um animal, talvez um lobo perdido, e Nick... ele devia saber o que estava fazendo, devia entender aquela floresta muito mais do que eu.
Mas o uivo ainda ecoava na minha mente, e, de algum modo, ele parecia ter trazido mais perguntas do que respostas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Eclipse de Sangue
VampireDesenvolvendo Por favor, leia, comente e vote. Gratidão por você estar aqui.